Seca: agricultores “não sabem o que hão-de fazer, não conseguem dormir”

Prejuízos podem atingir 15 milhões de euros, diz presidente da Associação de Regantes e Beneficiários de Silves, Lagoa e Portimão: “O sector agrícola precisa de saber se vai ou não vai haver água.”

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Um laranjal em Silves, no Algarve Filipa Fernandez
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A situação agrícola no Algarve pode tornar-se uma “catástrofe” por causa da seca. Quem o diz é João Garcia, presidente da Associação de Regantes e Beneficiários de Silves, Lagoa e Portimão (ARBSLP). Nestes três concelhos há um perímetro de rega de 2600 hectares cultivados por 1800 agricultores, em que 90% são culturas permanentes, com destaque para os citrinos. Mas há o perigo real de não haver nem produção para o ano, nem sequer as próprias plantas.

“Com a água que temos, a produção está em causa, e estamos agora a fazer um esforço para conseguir salvar as culturas instaladas, as plantas”, disse ao PÚBLICO João Garcia, por telefone. “Se não tivermos água vai ser uma catástrofe.”

O Algarve encontra-se numa situação de seca há anos seguidos, associada às alterações climáticas. No fim de Dezembro, a capacidade média das seis albufeiras do Algarve consideradas pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) era de 25%, com a barragem de Odeleite, a menos vazia, no Sotavento, a 32% da capacidade máxima e, no outro extremo (de quantidade e geográfico), a barragem de Bravura, com apenas 8% da sua capacidade. Por comparação com o ano anterior, houve uma redução de 90 milhões de metros cúbicos de água disponível.

Perante esta situação, e depois de ter havido várias conversas com os sectores agrícola, do turismo, urbano e com as associações de municípios do Algarve, a APA confirmou nesta segunda-feira que, provavelmente já na próxima semana, será divulgado um plano contra a seca que passará pelo corte do abastecimento de água. “O maior esforço vai ser pedido à agricultura. Os volumes ainda não estão fechados. O que estamos a tentar encontrar são alternativas”, referiu ao PÚBLICO José Carlos Pimenta Machado, vice-presidente da APA.

No entanto, o presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), António Miguel Pina, disse que a redução anunciada pela APA será de 70% para o consumo de água no sector agrícola e de 15% para o circuito urbano, que inclui o turismo, a partir de Fevereiro. “Se este ano chover o mesmo que no pior dos últimos anos, temos actualmente apenas água até ao final de Agosto”, alerta António Miguel Pina à Lusa. “É o equilíbrio possível e todos temos de fazer um esforço”, disse o dirigente da AMAL, que também é presidente da Câmara de Olhão.

João Garcia repete aquele valor. “A agricultura vai ter um corte de 70% caso se mantenha a disponibilidade de água até à data”, disse o presidente da ARBSLP. Segundo João Garcia, o Governo vai transferir 2,5 milhões de metros cúbicos da barragem do Funcho para a de Arade para o sector agrícola. Mas esse valor não é suficiente. “As nossas necessidades são de cinco milhões de metros cúbicos para salvar as plantas”, apontou.

Mas a água necessária numa “campanha normal está na casa dos 12 milhões de metros cúbicos”, comparou, adiantando que no ano passado conseguiram baixar esse valor para oito milhões de metros cúbicos, no contexto da seca que já estava instalada. Além das águas superficiais, também a maioria dos aquíferos algarvios estão numa situação crítica, de acordo com os dados da APA, o que diminui a possibilidade de obtenção de água a partir deste recurso.

Por isso, tudo aponta para um enorme prejuízo se não houver mais chuva neste Inverno e Primavera. “A produção anda ao nível de 12 milhões de euros. Se não salvarmos as plantas, chega-se aos 15 milhões de euros de prejuízo”, referiu. “É desesperante. Temos agricultores que já não sabem o que hão-de fazer, não conseguem dormir.”

Preocupação de curto prazo

Uma prioridade do Governo e da APA a curto prazo é evitar que as árvores morram. “Estamos a trabalhar para encontrar formas de garantir que haja água suficiente para a sobrevivência das plantas”, disse Pimenta Machado. Em relação ao possível prejuízo dos agricultores, o responsável adiantou que “o plano terá uma resposta para isso”.

A médio prazo, o responsável da APA recordou os vários planos para o sector hídrico do Algarve, que espera estarem prontos até 2026: melhorar a eficiência da água, evitando a perda de cinco milhões de metros cúbicos nas tubagens que alimentam a agricultura; aproveitar águas tratadas para a jardinagem e o golfe; construir a Central de Dessalinização em Albufeira; e construir um canal de transvase do Pomarão, no rio Guadiana, para as barragens de Odeleite e de Beliche, no Sotavento algarvio, que acumulam água nas duas ribeiras com o mesmo nome, afluentes do Guadiana.

Mas João Garcia teme que a agricultura algarvia já tenha perecido quando se derem as inaugurações dos empreendimentos descritos acima. “Essas medidas são estruturais para o Algarve, são medidas que vão dar no futuro mais resiliência”, apontou. “A nossa preocupação é tentar salvar a agricultura até essas medidas estarem prontas.”

Será que uma resposta é alterar o tipo de cultura para a produção de alimentos que necessitem de menos água? “Hoje, qualquer cultura que seja plantada no Algarve precisa de água”, argumentou o responsável, adiantando que, no passado, as culturas de sequeiro cresciam graças às chuvas que traziam quantidades de água que actualmente já não trazem. “Uma das coisas que defendemos é trazer a água [das barragens] do Norte para o Sul”, afirmou. A outra é a construção de barragens como o projecto da ribeira de Foupana, que desagua na ribeira de Odeleite.

“O sector agrícola precisa de saber se vai ou não vai haver água aqui”, defendeu, recordando que durante a pandemia o pedido que tinha sido feito à região foi o de diversificar as suas actividades económicas, que estavam centradas no turismo. “Temos bom clima, solo, só não temos água. Sem água não conseguimos produzir e ser competitivos perante a concorrência.”

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