Governo vai cortar água no Algarve, sector agrícola será o mais prejudicado

Plano contra a seca no Algarve deverá ser apresentado na próxima semana. Vice-presidente da APA diz que na agricultura a prioridade é não deixar morrer as árvores.

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A Barragem de Odeleite, no Algarve, estava em Dezembro a 32% da sua capacidade. Mas a média das barragens algarvais está a 25% Rui Gaudencio

O plano ainda não é oficial, mas a região do Algarve vai sofrer cortes no abastecimento de água por causa da seca, disse ao PÚBLICO José Carlos Pimenta Machado, vice-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), confirmando o teor da notícia divulgada esta segunda-feira pela TSF, que referia um corte de água de 70% no sector agrícola.

“O maior esforço vai ser pedido à agricultura. Os volumes ainda não estão fechados. O que estamos a tentar encontrar são alternativas”, referiu ao PÚBLICO o vice-presidente da APA, adiantando que haverá uma reunião interministerial que deverá ser agendada já para a próxima semana, na qual vai ser divulgado o plano para o Algarve.

“O Algarve está a viver a pior seca de sempre, nunca as águas estiveram a este nível. É uma seca duradoura cumulativa de nove anos”, justificou o responsável, acrescentando que o “objectivo central do plano é que não falte água às populações”.

O que está a suceder reflecte um país onde convivem duas realidades diferentes ao nível da pluviosidade e do abastecimento de água, adiantou Pimenta Machado. Enquanto a norte do rio Tejo as barragens estão a um nível médio de 75%, abaixo do Tejo, a chuva tem sido muito menos frequente. Na região do Algarve, as barragens estão a 25% da sua capacidade. Há um ano, os reservatórios estavam a 45% da sua capacidade. Isto equivale a uma redução de 90 milhões de metros cúbicos de água (90 mil milhões de litros).

Esta situação é uma consequência das alterações climáticas, explicou o vice-presidente da APA. “Nos últimos 20 anos houve uma redução da precipitação de 20%. Mas esse impacto é pior a sul do Tejo, na bacia do Sado, do Mira e em toda a região do Algarve”, caracterizou. “Dos dez anos mais secos, seis foram depois de 2000, isto está mesmo mudar”, disse, acrescentando que “no futuro vamos ter menos água”.

Mas a situação está a preocupar os agricultores. “O corte de 70% põe em causa não só a produção, mas a sobrevivência das plantas”, disse à TSF João Garcia, presidente da Associação de Regantes do Perímetro de Silves, Lagoa e Portimão. A grande maioria das culturas daquele perímetro de rega é de citrinos, onde os prejuízos “podem chegar aos 12 milhões de euros”.

O vice-presidente da APA disse que a prioridade era evitar que haja a morte das plantas. “Estamos a trabalhar para encontrar formas de garantir que haja água suficiente para a sobrevivência das plantas”, disse Pimenta Machado. Em relação ao possível prejuízo dos agricultores, o responsável adiantou que “o plano terá uma resposta para isso”. O responsável acrescentou que serão adoptadas medidas de contingência que poderão passar pelo uso de água de alguns dos aquíferos da região do Algarve.

Soluções a médio prazo

Não será apenas o sector agrícola alvo destes cortes. Nestas últimas semanas houve conversações do Ministério do Ambiente e da Acção Climática com os vários sectores da região como o do turismo, o urbano, as associações de munícipes, além da agricultura. De qualquer modo, o plano terá que ir sendo ajustado à realidade meteorológica das próximas semanas e meses. “Estamos no Inverno, o plano vai ter de ser calibrado diariamente, semanalmente, numa monitorização continua em função da precipitação, do uso de água”, disse Pimenta Machado.

A médio prazo, o vice-presidente da APA recordou que haverá uma resposta contra a seca com a ajuda de 200 milhões de euros vindos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Parte da resposta será trabalhar na eficiência das condutas de água.

“Não faz sentido haver perda de água nas condutas. Queremos poupar nos sistemas urbanos dois milhões de metros cúbicos e na agricultura cinco milhões de metros cúbicos de água” anualmente, disse. “Queremos reutilizar águas das ETAR [estações de tratamento de águas residuais] para usos não-potáveis, como nos jardins e no golfe”, acrescentou o responsável, referindo que daqui deverão ser reutilizados 8 milhões de metros cúbicos de água todos os anos.

Uma segunda aposta será na Central de Dessalinização de Albufeira, que produzirá 16 milhões de metros cúbicos de água, anualmente. Haverá ainda a construção de uma conduta entre o Pomarão, no Guadiana, e as barragens de Odeleite e de Beliche, no Sotavento algarvio, perto da fronteira com Espanha. Isso permitirá a transferência de “30 milhões de metros cúbicos de água por ano”, referiu Pimenta Machado.

Mas apesar de todas aquelas adaptações para haver novas fontes de água, há uma realidade da região que não se pode fugir, adiantou o vice-presidente da APA: “Os sectores têm que se adaptar à agua que o território tem.”

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