Chuva a “conta-gotas” no sul do país não chega para evitar os males da seca

A maior barragem do Algarve, Odelouca, apesar da precipitação da última semana, encontra-se apenas com 6,7% do seu volume útil. Na região norte, há albufeiras que já atingiram o limite da capacidade.

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Castro Marim, barragem de Odeleite, no Algarve, em Outubro de 2023 Rui Gaudencio
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Para muitas das pessoas que vivem no Algarve pode parecer que o Verão ainda não acabou, arrastando-se ainda pelos meses de Setembro e Outubro com uma temperatura mais amena e uns pingos de chuva. É verdade que o chuvoso Outubro a norte do rio Tejo alimentou as barragens e que até já foram feitas descargas para controlar o efeito das cheias. Mas, num claro contraste, a outra metade do país continua com a água a conta-gotas. As seis barragens algarvias encontram-se a cerca de 25% da sua capacidade máxima, que é de 446 milhões metros de cúbicos.

Na passada sexta-feira, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) registou apenas um volume médio armazenado de 110 milhões de metros cúbicos. E se o presente inquieta, a esperança que mora em soluções a médio e longo prazo também não traz sossego. Sobre a prometida central dessalinizadora o maior investimento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) na região –, só este mês é que o estudo de impacte ambiental deverá ser aberto para a etapa da consulta pública. O outro investimento que consiste no projecto do transvase a partir do Pomarão (Guadiana) para as região mais a sul, continua na fase de estudos preliminares e a ligação ao Alqueva é ainda apenas uma hipótese em aberto, lançada pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR).

Uma chuva tímida e as nuvens passageiras no céu remeteram para plano secundário o debate sobre o problema crónico dos défices hídricos a sul do país, cada vez mais acentuados e estruturais. Porém, é seguro que o tema voltará às agendas políticas quando os operadores turísticos perguntarem aos hoteleiros: “Garantem que não vai faltar água no Verão?” Neste momento, nada está garantido quanto ao abastecimento público e à rega no próximo ano. A barragem de Odelouca a maior albufeira do Algarve dispõe apenas de 8,6 milhões de metros cúbicos, o que corresponde a 6,7% do volume útil.

O sal a inquinar a água do solo

Como se não bastasse a pouca água que cai do céu para encher as barragens, a água que corre debaixo dos pés também está ameaçada. Por um lado, há a intrusão salina, por outro, os furos ilegais.

O aquífero da campina de Faro, que se estende até Quinta do Lago e Vale do Lobo, mantêm-se em situação crítica, com os solos contaminados pelos elevados índices de nitratos. A intrusão salina repercute-se não apenas na agricultura, mas também nos furos que regam os jardins dos empreendimentos turísticos e campos de golfe. “Tivemos, durante o Verão, alguns clientes, em que os consumos dispararam”, diz o presidente da Infraquinta, Pedro Pimpão, admitindo que a origem possa estar “nos furos particulares que deixaram de poder ser utilizados, por intrusão salina”.

O administrador da empresa responsável pela gestão das infra-estruturas do Resort sublinha no entanto que o futuro “terá de passar pelo incremento da política de reutilização das águas residuais”. O campo de golfe São Lourenço, junto à ria Formosa, por exemplo, começou a ser regado com água residual tratada, quando o furo que o abastecia salinizou.

Factura da água de 6 mil euros

A factura dos consumos de água nos empreendimentos turísticos de luxo nesta altura, em média, ronda os 2 mil euros por mês, mas há casos em que chega a atingir os cinco e seis mil euros, dependendo das áreas do jardim e da dimensão da piscina.

“Vamos limitar a 30% a área do lote a relvar”, adianta Pedro Pimpão, reconhecendo que a medida já consta do Plano de Urbanização da Quinta do Lago, aprovado em 2003, “só que não houve grande exigência no seu cumprimento”. Por outro lado, sublinha, “verificamos que há uma maior consciência ambiental da parte dos clientes, que passaram a preferir plantas autóctones aos relvados, para reduzir os consumos de água”.

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Um dia de praia no Algarve, no passado dia 10 de Outubro Nuno Ferreira Santos

Ao lado deste empreendimento, Vale do Lobo debate-se com os mesmos problemas: “Temos 22 hectares de espaços verdes, mas gastamos 3,4 litros por metro quadrado ao dia”, sublinha o presidente da Infralobo, Carlos Manso, salientando os investimentos efectuados na remodelação da rede de distribuição: “A água não facturada corresponde a 6,4%”, diz, lembrando que a percentagem é mínima, quando comparada com um volume perdas nas redes municipais que anda na casa dos 30%. A Quinta do Lago alega o registo de mais eficiência: as perdas, referem, serão de 3%.

A opção pela abertura de furos clandestinos para poupar na factura da água, também está a somar adeptos entre os donos de vivendas milionárias. Na semana passada, terão sido detectadas algumas situações anómalas em Vale do Lobo. Há registos de consumo de 100 litros/hora em plena madrugada, por exemplo, ou casos em que o volume de água que entra na moradia será muito superior ao consumo da rede pública, levantando a suspeita de um furo ilegal. A APA, a entidade que tem a competência para inspeccionar, terá sido informada destas situações. No entanto, a verdade é que muitas das captações de água subterrânea ilegais encontram-se camufladas, no interior dos jardins particulares, sem visibilidade a partir do exterior. Nessas circunstâncias, a fiscalização é mais difícil.

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