Nova classe de antibióticos descoberta com ajuda da inteligência artificial

Os cientistas utilizaram os modelos de inteligência artificial deep learning e explainable AI para analisar a actividade antibiótica de 12 milhões de compostos químicos.

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A nova classe de antibióticos tem de passar por um conjunto de estudos antes de se tornar um medicamento clínico Christine Daniloff/MIT/Janice Haney Carr/CDC/ iStock
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É comum ouvir-se falar sobre o uso excessivo dos antibióticos e as suas consequências. Quem nunca se deparou com um anúncio sobre este tema? “Antibióticos: Não tome por tudo e por nada”, foi, na verdade, a última campanha lançada pela Direcção-Geral da Saúde sobre a utilização segura desta medicação. O projecto sobre a eficácia dos antibióticos foi lançado em 2021, cerca de um ano depois da pandemia de covid-19 chegar a Portugal, porque a pandemia veio desencadear o uso excessivo destes medicamentos.

As preocupações com a perda de eficácia dos antibióticos motivaram uma equipa de investigadores nos Estados Unidos, do Instituto Broad, do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT) e da Universidade de Harvard, liderada por James Collins (do MIT), a tentar descobrir uma nova classe de antibióticos, tal como se lê num estudo publicado na edição desta semana da revista Nature. A equipa de cientistas norte-americanos conseguiu encontrar uma nova classe com recurso à inteligência artificial (IA), uma descoberta que pode ajudar a orientar a criação de novos antibióticos.

Mas porque é que existe esta preocupação? A utilização inadequada de antibióticos pode fazer com que as pessoas se tornem resistentes aos seus efeitos. Isto quer dizer que, com a toma desenfreada de antibióticos, as bactérias, que nos podem deixar doentes, adaptam-se e alteram-se, tornando-se mais difíceis de eliminar. Estes medicamentos, usados para tratar infecções bacterianas, deixam de ser eficazes.

O modelo de IA utilizado na investigação dos cientistas norte-americanos é conhecido como deep learning, método que recorre a redes neuronais artificiais para decidir e fazer previsões. Os investigadores também recorreram a noções de explainable AI – ferramenta que ajuda a avaliar e a interpretar previsões feitas pelo modelo de IA. Normalmente, estes modelos funcionam como caixas pretas, ou seja, operam sem que seja possível percebermos completamente os seus procedimentos. Neste caso, os cientistas, ao aliarem o deep learning e o explainable AI, conseguiram acompanhar as operações destas ferramentas.

Os cientistas conseguiram analisar a actividade antibiótica de 12 milhões de compostos químicos, através destes modelos. Segundo informação partilhada pela revista Scientific American, foram testados 283 compostos promissores em ratinhos e foram descobertos “compostos eficazes no tratamento da bactéria Staphylococcus aureus, resistente aos antibióticos meticilina (MRSA) e à vancomicina”. Esta é uma das bactérias mais “teimosas e difíceis de eliminar”, lê-se no artigo da revista.

A investigação desenvolvida anteriormente por César de la Fuente, da Universidade da Pensilvânia, foi uma das que vieram agora servir de base a esta descoberta científica. Em declarações à revista Scientific American, César de la Fuente vê com entusiasmo a utilização da inteligência artificial nos campos da biologia e da química.

A IA é capaz de identificar novos compostos de antibióticos mais rapidamente. “Se pensarmos no processo tradicional de descoberta de antibióticos, são necessários cerca de 12 anos para se encontrar um novo composto e cerca de três a seis anos para se identificarem candidatos clínicos. Depois, é necessário transitar para ensaios clínicos de fase I, fase II e fase III”, explicou César de la Fuente. Com a AI, este processo é acelerado, conseguindo-se distinguir milhões de compostos químicos e identificar os mais promissores, concluiu. “Este processo seria muito difícil de ser concretizado manualmente.”

Para que esta nova classe de antibióticos se torne um medicamento, ainda há um caminho pela frente, por exemplo têm de ser realizados estudos de toxicidade, antes de passar para a primeira fase dos ensaios clínicos. Os últimos dados partilhados sobre resistência aos antimicrobianos mostram que, em 2019, morreram 1,27 milhões de pessoas devido a infecções resistentes a tratamentos. Para enfrentar a “crise de resistência” a estes medicamentos tornou-se “urgente” a descoberta de novas classes estruturais de antibióticos.

Texto editado por Teresa Firmino

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