“Leilão do fim do mundo”: Brasil põe no mercado 602 lotes de exploração de petróleo

Só as emissões de gases com efeito de estufa da extracção de combustíveis fósseis nestes novos locais serão equivalentes ao que o Brasil prevê emitir em 2030.

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O local com maior concentração de blocos petrolíferos a serem leiloados é no arquipélago Fernando Noronha Marathon Oil/REUTERS
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Se na conferência do clima das Nações Unidas o Brasil se apresenta como um campeão da defesa do clima e da floresta Amazónica, está a enviar mensagens contraditórias por causa da exploração de combustíveis fósseis. Nesta quarta-feira, que poderá ser o dia final da COP28, no Dubai, o Estado brasileiro promove aquilo que várias organizações chamaram o “leilão do fim do mundo”: vão ser postos no mercado 602 blocos para exploração de petróleo e gás natural, em vários locais do Brasil, a maior parte deles com conflitos em relação a regras de protecção do ambiente.

No total, é uma área muito significativa do território brasileiro que vai ser leiloada: representa 2% do território brasileiro, em vários estados. Por serem leiloados 602 dos 955 blocos que poderiam ser postos no mercado, o leilão foi chamado “fim do mundo”.

Os blocos, do Norte ao Sul do país, podem impactar recifes de corais, mangais, espécies ameaçadas de extinção e territórios quilombolas. O local com maior concentração de blocos petrolíferos a serem leiloados é a zona do arquipélago Fernando Noronha, declarado Património Natural Mundial pela UNESCO em 2001 e Área de Significante Importância Ecológica e Biológica no Brasil, famoso pelo seu potencial turístico.

“A bacia sedimentar de Potiguar é a líder em número de blocos ofertados nesta rodada. São 187 no total. Todos os 11 blocos localizados em mar estão na cadeia de Fernando de Noronha, uma grande cordilheira submarina de 1300 quilómetros que se estende do Norte do Ceará ao Rio Grande do Norte”, destaca um comunicado do Observatório do Clima, uma plataforma de várias organizações ambientais brasileiras.

Mas o problema não é apenas a exploração de petróleo em áreas sensíveis. Pelas estimativas feitas num estudo apresentado em Novembro pelo Instituto Internacional Arayara – uma organização brasileira sem fins lucrativos dedicada à defesa dos direitos humanos e do ambiente –, se todos os blocos forem licitados e começarem a ser extraídos petróleo e gás natural, as emissões totais de gases com efeito de estufa daí resultantes serão superiores a uma gigatonelada de dióxido de carbono equivalente (GtCO2e). Isto é o mesmo valor que se espera que o Brasil emita anualmente em 2030.

O Brasil emite hoje 2,3 GtCO2e e tem a meta de reduzir o volume a 1,2 GtCO2e em 2030. Em Outubro, o Governo do Presidente Lula da Silva apresentou um objectivo revisto de redução das suas emissões de gases com efeito de estufa (NDC) de 1,3 GtCO2e em 2025 e 1,20 GtCO2e para 2030, tendo como meta atingir a neutralidade climática até 2050 (chegar a um ponto em que é retirado da atmosfera tanto dióxido de carbono como aquele que é emitido).

Ao analisar cada área que irá a leilão, o Instituto Internacional Arayara concluiu que todas as directrizes ambientais da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, que promove o leilão, “foram violadas” para a sua selecção.

Fernando Noronha em causa

Por exemplo: “Onze blocos sobrepõem-se aos montes oceânicos da cadeia marinha de Fernando de Noronha, 12 blocos sobrepõem-se à região de Abrolhos Terra e Mar, ameaçando regiões icónicas da Mata Atlântica, como o Parque de Itaúnas”, diz esta organização em comunicado. Há 94 lotes que vão a mercado que se sobrepõem a áreas de Ambientes Coralíneos Prioritários para a Conservação (num total de 34.949km quadrados).

O Instituto Arayara está a contestar na justiça o leilão de blocos petrolíferos na área de Fernando Noronha, bem como na bacia do Amazonas, na bacia do Paraná e nas bacias de Sergipe, Alagoas e Potiguar. Outra acção foi protocolada em conjunto com duas comunidades quilombolas.

Por outro lado, 23 Terras Indígenas serão afectadas, 22 delas dentro do bioma Amazónico. Um total de 47 mil km quadrados de terras indígenas estão em causa, impactando 21.910 indígenas, diz o instituto. Serão sobrepostos os limites de cinco territórios quilombola. Nenhuma destas entidades foi consultada.

Este megaleilão será importante para o objectivo de fazer com que o Brasil passe de ser o nono maior produtor mundial de petróleo para o quarto – segundo o planeamento apresentado no início de 2023 pelo Ministério de Minas e Energia, destaca o Observatório do Clima. Já durante a COP28, o Brasil foi muito criticado por ter aceitado o convite para fazer parte da Organização dos Países Produtores de Petróleo +, que integra mais dez países do que os 13 do núcleo central (incluindo a Rússia).

O ministro das Minas, Alexandre Silveira, argumentou que os leilões de blocos petrolíferos vão gerar mais investimentos, empregos e rendimentos, o que se reflectirá em benefícios para a população brasileira e ajudará à transição energética. Os ambientalistas refutam este raciocínio. “O Brasil já possui reservas mais que suficientes para atender à procura nesta fase de transição para fontes renováveis. Temos tudo para promover inovação se pensarmos sob o aspecto socioambiental”, comentou Ricardo Junqueira Fujii, especialista em conservação da WWF-Brasil, citado em comunicado.

Se o Presidente Lula da Silva disse na COP28 que o Brasil quer liderar pelo exemplo na agenda climática — antecipando a COP30, que vai decorrer em Belém do Pará, na Amazónia —, este leilão vai no sentido contrário. “A contradição fica evidente quando, no término do evento da ONU sobre mudanças climáticas, o Governo brasileiro realiza o pior leilão de blocos de petróleo da história do país”, sublinhou Enrico Marone, porta-voz da área de oceanos da Greenpeace Brasil.

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