Colômbia desafia Brasil a travar exploração de petróleo na Amazónia

Cimeira promovida pelo Presidente Lula da Silva em Belém do Pará junta líderes dos países amazónicos para coordenar políticas. Salvar a floresta é só travar a desflorestação?

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Protesto contra a exploração de petróleo na Amazónia, em Belém Ueslei Marcelino/REUTERS
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Vale a pena tentar travar a desflorestação da Amazónia e ao mesmo tempo investir na exploração de petróleo na maior floresta tropical do mundo? É um paradoxo que o Presidente da Colômbia, Gustavo Petro, atirou esta terça-feira ao Presidente brasileiro Lula da Silva, no primeiro de dois dias da Cimeira da Amazónia, em Belém (Pará).

“Há um enorme conflito ético, sobretudo por forças progressistas, que deveriam estar ao lado da ciência”, afirmou Gustavo Petro, na abertura desta reunião dos oito países que têm a floresta amazónica no seu território. “Cuidar da floresta de verdade não é só pensar em desmatamento”, afirmou, citado pelo jornal Folha de S.Paulo.

O aquecimento global é outro motor da degradação da floresta. E os combustíveis fósseis, como o petróleo, estão na origem das emissões de gases com efeito de estufa que o provocam. Petro desafiou os outros países da região: quer que se comprometam a não autorizar novas explorações petrolíferas na Amazónia. Coisa que o Brasil, e outros países, não parecem dispostos a aceitar.

Com esta cimeira, Lula quer focar a atenção num compromisso internacional sobre desmatamento zero até 2030. No que se sabe da declaração final que sairá da reunião de Belém do Pará, é mencionado o objectivo de evitar o ponto de não-retorno da floresta amazónica: não ultrapassar o limite de 20 a 25% de desflorestação.

Estamos a rasar os limites: em toda a Amazónia, já 15% das árvores foram abatidas, e no Brasil mais de 20%, disse a cientista brasileira Luciana Gatti, que em 2021 mostrou que o Sudeste da Amazónia já emite mais gases de efeito estufa do que absorve, numa conferência de imprensa do Observatório do Clima, antes do início da cimeira.

Na verdade, não é certo que não ultrapassar esses valores de desflorestação permita evitar que a floresta amazónica se degrade e se transforme numa savana: “As coisas estão muito piores e esse objectivo que a gente tinha lá atrás não serve mais. Não e só parar de desmatar, é preciso recuperar floresta perdida”, disse Luciana Gatti.

Aliança das florestas

O Governo brasileiro quer que a declaração que saia de Belém, que tocará vários pontos como a luta contra o crime internacional, mas dará grande atenção à protecção da floresta, sirva para que o Brasil, a Colômbia, a Bolívia, a Venezuela, o Equador, o Peru, o Suriname e a Guiana Francesa se coordenem como um bloco regional em negociações internacionais – por exemplo, já na próxima Cimeira do Clima das Nações Unidas, a COP28, nos Emirados Árabes Unidos, no fim de Novembro.

O objectivo é reanimar a Organização do Tratado de Cooperação Amazónica. Fundada em 1978, os seus membros não se reuniam há 14 anos, mas agora há propostas para criar vários órgãos, incluindo um painel científico à semelhança do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), que trabalha sobre a égide das Nações Unidas.

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Os Presidentes da Colômbia (à esquerda), Gustavo Petro do Brasil, Lula da Silva (ao centro) e Luis Arce (Bolívia, à direita) Cristian Garavito/Presidência da Colômia/REUTERS

Foram também convidados para a cimeira de Belém outros países com grandes florestas tropicais: a República do Congo, a República Democrática do Congo e a Indonésia. O objectivo é alargar a coordenação para a região amazónica também a estas nações, defendendo interesses comuns em negociações internacionais. Foram igualmente convidadas Noruega e Alemanha, países doadores do Fundo Amazónia.

"Preservar ganhando dinheiro"

Mas, na visão de Lula da Silva, a Amazónia deve ser “não um santuário, mas fonte de aprendizado da ciência do mundo inteiro”. É preciso combinar a conservação da natureza com o desenvolvimento sustentável, que garanta o emprego e direitos de quem habita a região. “Para que a gente possa encontrar um jeito de preservar ganhando dinheiro, para o povo que aqui mora possa viver dignamente”, afirmou nesta terça-feira, citado por vários media brasileiros.

Isso implica a extracção de recursos. Enquadrados na visão de desenvolvimento da Amazónia estão os planos do Governo brasileiro para abrir portas ao sector privado para ajudar a proteger grandes áreas da floresta, atribuindo concessões de terras de propriedade pública para replantar 12 milhões de hectares com espécies de árvores nativas e de alto valor económico, como o mogno, até 2030, diz a Reuters.

Seria ainda possível extrair outros produtos, como fibras, resinas e comercializar créditos de carbono, explicou a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. “Seriam concessões por 30 ou 40 anos”, afirmou.

A questão é que o Brasil não põe de parte a exploração de petróleo na Amazónia. A declaração da cimeira de Belém, segundo o jornal Folha de S.Paulo, não menciona sequer a expressão “combustíveis fósseis”. Diplomatas brasileiros disseram à Reuters que a questão do desenvolvimento económico em geral continuava a ser discutida.

Mas há muita exploração de petróleo na Amazónia e a expectativa é que haja mais. A Petrobras, a petrolífera estatal brasileira, pretende abrir poços na bacia da Foz do Amazonas, e está a tentar obter autorização para isso do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para iniciar a prospecção. O Presidente Lula da Silva disse recentemente que o estado do Amapá “pode continuar sonhando” com a exploração de petróleo na Foz do Amazonas.

Numa rota oposta vem o Presidente colombiano, Gustavo Petro, que anunciou que o seu país deixaria de conceder novas licenças para exploração de petróleo na Amazónia. Numa reunião em Julho, na Colômbia, para preparar a cimeira em Belém, questionou os seus vizinhos sobre o que fariam com as reservas de petróleo. “Vamos permitir a exploração de petróleo na Amazónia? Vamos entregar blocos para exploração? Isso é gerar riqueza ou é a morte da humanidade?”, interrogou. Ao lado, estava Lula da Silva, que não respondeu, relata a BBC News Brasil.

Durante o fim-de-semana, decorreu uma fase pré-cimeira, baptizada como Diálogos Amazónicos, para os quais foram convocados representantes de povos indígenas, ambientalistas e movimentos sociais, para debates que produziram um conjunto de propostas para apresentar aos chefes de Estado da região. Duas questões preponderantes foram travar a desflorestação e a exploração de petróleo na Amazónia, diz um comunicado do Observatório do Clima.

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