Brasil ganha “prémio” de fóssil do dia por aderir à OPEP+

Distinção negativa atribuída diariamente por organizações ambientalistas para os países que mais fazem para atrasar a acção climática na COP28.

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O anúncio da entrada do Brasil para a OPEP+ ensombrou a passagem de Lula pela COP28 Thaier Al Sudani/REUTERS
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O Brasil ganhou o prémio Fóssil do Dia na Cimeira do Clima das Nações Unidas, atribuído pela Rede de Acção Climática (CAN, na sigla em inglês), formada por cerca de 1300 organizações de defesa do ambiente de 130 países. O motivo desta distinção negativa foi a aceitação pelo Brasil do convite para integrar a OPEP+ (Organização dos Países Exportadores de Petróleo e da Rússia).

“A excitação na cimeira do clima do ano passado era palpável, quando o Brasil de Lula da Silva prometeu ser uma lufada de ar fresco, como campeão do clima”, diz o comunicado de imprensa da CAN, referindo-se ao sucesso que foi a passagem do então Presidente eleito brasileiro pela COP27, no Egipto, dizendo que “o Brasil está de volta”. Entre as mensagens que trazia estava a oferta para organizar a cimeira das alterações climáticas de 2025, na Amazónia.

Com grande poder, no entanto, “vem grande responsabilidade”, sublinha a CAN. “O Brasil é o fóssil do dia hoje [segunda-feira] porque parece ter baralhado a produção de petróleo com a liderança climática”, diz a organização. A associação ambientalista portuguesa Zero – que também faz parte da CAN – tinha já dado um sinal vermelho ao Brasil, pelo mesmo motivo, no seu balanço do dia de domingo na COP28, que está a decorrer no Dubai.

Em 2021, o Brasil, então tendo ainda Jair Bolsonaro na presidência, que pôs em prática múltiplas políticas que prejudicaram o ambiente, ganhou por duas vezes este prémio que distingue o pior que se passa nas cimeiras do clima das Nações Unidas. Em 2019, o primeiro ano de Governo Bolsonaro, na COP25, em Madrid, o Brasil foi vencedor do Fóssil Colossal. Para a CAN, o Brasil tinha “ultrapassado os outros na destruição do clima, no terreno e nas negociações, atacando e matando as mesmas pessoas que estão a proteger um ecossistema único: os povos indígenas”.

Divisão no Governo

O anúncio da adesão do Brasil à OPEP+ foi feito um dia antes do início da COP28 e acabou por ser confirmada pelo Presidente Lula da Silva. Vários media brasileiros dão conta de que existia uma divisão no Governo brasileiro, entre os que valorizam a defesa do ambiente e os que estão a fazer da integração do país no cartel dos grandes produtores petrolíferos.

As negociações foram conduzidas pelo ministro das Minas e da Energia, Alexandre Silveira, diz o site G1 (da Globo) e há uma divisão no seio do Governo brasileiro, entre os que valorizam a defesa do ambiente, bem como o próprio Ministério dos Negócios Estrangeiros, e o sector ligado à exploração do petróleo e energia, diz Jamil Chade, na sua coluna no UOL.

Na avaliação do Ministério dos Negócios Estrangeiros, a adesão do Brasil à OPEP+ não traria grandes ganhos para o país, e teria custos políticos elevados. O momento em que foi anunciada, durante a COP28, é particularmente desfavorável.

Depois de, no seu discurso na COP28, ter deixado no ar a pergunta "quantos líderes estão de facto comprometidos em salvar o planeta?", o Presidente Lula da Silva tentou relativizar. Disse que o Brasil “nunca será membro da OPEP”, do núcleo duro de países da organização, que o país entraria só como observador. “O Brasil não será membro nunca da OPEP porque nós não queremos. Observador vai para ouvir e dar palpite”, assegurou, citado pelo site Poder360.

Além disso, defendeu que a entrada do Brasil serviria para acelerar a transição energética nos países produtores de petróleo. “Acho que é participando desses fóruns que a gente vai convencer as pessoas que uma parte dos recursos ganhos com o petróleo deve ser investido para a gente ir anulando o petróleo, criando alternativas”, afirmou, citado pelo Poder360. Mostrar aos grandes produtores de petróleo que podem financiar etanol, biodiesel, hidrogénio verde e energia solar. “Esse é o nosso papel”, afirmou Lula da Silva.

O exemplo que está a dar, no entanto, não convence os ambientalistas. “Não se pode liderar o Sul Global contra a crise climática investindo no produto que a provoca”, afirmou Claudio Angelo, coordenador de política climática do Observatório do Clima, uma plataforma de organizações socioambientais brasileiras, em reacção ao prémio atribuído ao Brasil.

“Ao reduzir o desmatamento em 22% em apenas 11 meses no cargo, o Presidente Lula deu uma das contribuições mais significativas para mitigar o aquecimento global em 2023. Porém, com um grande poder vem uma grande responsabilidade”, disse Claudio Angelo, repetindo a mensagem da CAN.

“Brasil, não queremos uma visita guiada dos poços de petróleo quando estivermos em Belém em 2025 [na COP30, na Amazónia]. Se quiserem juntar-se a um clube, sugerimos que sigam o exemplo do vosso vizinho do lado, a Colômbia, que assinou o tratado de não-proliferação dos combustíveis fósseis”, diz ainda o comunicado da CAN sobre a distinção de fóssil do dia de 4 de Dezembro.

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