“Estamos a começar a fazer frente a uma das indústrias mais poderosas da Terra”

A Colômbia é o 10.º país a assinar o tratado de não-proliferação de combustíveis fósseis. O Azul entrevistou Tzeporah Berman, fundadora da iniciativa para travar o crescimento da indústria poluente.

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“Estamos a começar a fazer frente a uma das indústrias mais poderosas da Terra”, diz Tzeporah Berman, fundadora da iniciativa para travar o crescimento da indústria poluente The Climate Group/Flickr
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Apresentado nos palcos das Nações Unidas no ano passado, o tratado de não-proliferação de combustíveis fósseis acolheu nesta COP28 a Colômbia, o seu 10.º país signatário. Um marco significativo, tratando-se do Estado com maior produção de carvão e gás deste grupo. “Estamos a tentar travar um suicídio, a morte de tudo o que está vivo, de tudo o que existe. Não se trata de um suicídio económico. Estamos a evitar o omnicídio do mundo, do planeta Terra. Não há outra fórmula, não há outro caminho. Tudo o resto são ilusões​” afirmou o Presidente colombiano, Gustavo Petro, no anúncio da adesão.

Além da Colômbia, a adesão é ainda modesta: a iniciativa é subscrita pelos Estados de Vanuatu, Tuvalu, Fiji, Ilhas Salomão, Tonga, Niue, Timor-Leste, Antigua e Barbuda, e agora também Palau e Samoa. Além destes países – na sua maioria pequenos Estados insulares –, também o Parlamento Europeu e a Organização Mundial da Saúde fizeram declarações políticas oficiais a aderir aos princípios deste tratado, que ganha relevância no contexto dos debates desta COP28, em que há um apelo cada vez mais forte a uma declaração final que inclua um compromisso com o fim dos combustíveis fósseis.

Nos corredores da Cimeira do Clima das Nações Unidas, que este ano decorre nos Emirados Árabes Unidos, o Azul conversou com Tzeporah Berman, veterana do activismo ambiental no Canadá, presidente da iniciativa deste tratado de não-proliferação de combustíveis fósseis. “Estamos a começar a fazer frente a uma das indústrias mais poderosas da Terra que se interpõe no nosso caminho para garantir um clima habitável”, diz-nos.

No início da COP28, também uma centena de cidades e governos regionais assinaram este tratado, incluindo Paris, Londres, Roma e Belém (onde decorrerá a COP30) – mas nenhuma cidade portuguesa –, comprometendo-se a integrar nas suas políticas locais os três pilares do compromisso: “Nenhum novo projecto” de expansão de combustíveis fósseis, a eliminação “gradual e justa” de carvão, petróleo e gás, e uma transição energética “justa e equitativa”. Para Tzeporah Berman, a influência do poder local é essencial neste processo.

Por vezes pensamos que os combustíveis fósseis são uma questão a ser decidida pelas empresas ou pelos governos. Qual é o papel das cidades? Como é que estas 100 cidades podem ajudar a pôr isto em prática?
Quando olhamos para a história, as cidades têm desempenhado um papel fundamental, ao unirem-se para usar o seu poder em conjunto para pressionar os Estados em questões em que os países têm sido intransigentes. Se olharmos, por exemplo, para a não-proliferação nuclear, as cidades foram essenciais para pressionar os seus governos a começarem a restringir a proliferação de armas nucleares. Os Estados são muitas vezes fortemente influenciados pelas empresas de combustíveis fósseis, mesmo aqui na COP, e as cidades menos. Por isso, 100 cidades juntaram-se para apelar aos Estados nacionais para que aprovem um tratado de não-proliferação de combustíveis fósseis.

Desde que começou o seu activismo, há várias décadas, tornou-se mais fácil falar sobre a responsabilidade da indústria dos combustíveis fósseis? Actualmente temos um diagnóstico mais sólido sobre o seu papel na equação das alterações climáticas, mas, ao mesmo tempo, é uma indústria que continua a ser protegida.
Existe um ímpeto incrível em torno da ideia de um tratado sobre combustíveis fósseis, em parte porque os países estão a perceber que vamos precisar de um complemento ao Acordo de Paris, se quisermos restringir a produção de combustíveis fósseis. Não há dúvida de que vai ser difícil, mas, ao mesmo tempo, estamos a começar a ver Estados como a Colômbia aqui na COP, apesar de serem nações produtoras de combustíveis fósseis – ou precisamente por serem produtoras de combustíveis fósseis –, a reconhecer que não podem continuar a tornar o problema maior.

Durante mais de 30 anos, os combustíveis fósseis têm sido invisíveis nas negociações sobre alterações climáticas, e isso deve-se a uma estratégia da indústria dos combustíveis fósseis para tornar os seus produtos invisíveis, apesar de o petróleo, o gás e o carvão serem responsáveis por 86% das emissões retidas na nossa atmosfera, causando as alterações climáticas. O que nos traz entusiasmo é que os combustíveis fósseis foram finalmente arrastados para o centro do palco aqui na COP28 e estamos a começar a ter a conversa certa. Estamos a começar a fazer frente a uma das indústrias mais poderosas da Terra que se interpõe no nosso caminho para garantir um clima habitável.

É irónico que um eventual acordo sobre o fim dos combustíveis fósseis possa acontecer numa COP presidida por um patrão da indústria petrolífera...
Mas talvez seja precisamente porque esta COP está a decorrer nos Emirados Árabes Unidos e temos um presidente que é também o CEO de uma empresa petrolífera. Talvez seja por causa da dura realidade, da hipocrisia dos países que dizem que estão a combater as alterações climáticas, enquanto continuam a fazer mais furos para extrair petróleo, e que se tornou agora o centro das atenções, que talvez o presidente da COP apoie uma linguagem sobre a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis porque percebe que tem de fazer alguma coisa para provar que está do lado certo da história.

Será possível chegar a um acordo para uma eliminação progressiva? A questão do “abatimento” das emissões soa a uma armadilha. Acha que será possível chegar a um acordo sobre uma eliminação progressiva sem “abatimento”?
Estamos a viver um momento de ruptura, em que estamos finalmente a ter a conversa certa. Já temos um acordo sobre perdas e danos e estão a decorrer discussões intensas e importantes sobre a linguagem dos combustíveis fósseis. Este ano foram publicados muitos relatórios que demonstram que é impossível “abater” as emissões dos combustíveis fósseis, que essas tecnologias não estão a dar os resultados esperados e que precisamos de um declínio absoluto das emissões e da produção. Penso que o que estamos a ver aqui é o difícil confronto dos Estados, finalmente, com a tarefa que têm em mãos.

O PÚBLICO viajou a convite da Fundação Oceano Azul

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