Fundo de perdas e danos aprovado na COP28, falta garantir financiamento

É a primeira vitória no primeiro dia da COP28, no Dubai, que começou esta quinta-feira. A criação de um fundo de perdas e danos foi decidida no ano passado, na COP27, no Egipto.

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Simon Stiell, secretário-geral da UNFCCC Reuters/COP28
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Os países que participam na COP28, a cimeira do clima da ONU que começou nesta quinta-feira, aprovaram formalmente um acordo sobre o fundo de perdas e danos, destinado a apoiar países vítimas de catástrofes climáticas. A aprovação foi recebida com uma ovação em pé por parte dos delegados na sala: esta ideia é discutida há três décadas.

O acordo foi adoptado durante a tarde de quinta-feira (hora local), numa sessão logo depois da cerimónia de abertura da COP28, mas só será formalmente adoptado no fim da cimeira no Dubai.

O documento prevê a criação de um fundo para ajudar as nações mais vulneráveis a enfrentar os custos dos danos causados por fenómenos climáticos extremos, como inundações e tempestades, secas ou ainda a subida do nível do mar. Mas não especifica qual o montante do fundo.

“Após 32 anos de pressões e passadas 27 COP, finalmente temos um fundo de perdas e danos. Apesar das limitações da sua estrutura, é um passo muito bem-vindo no sentido de apoiar a recuperação das consequências graves e irreparáveis dos desastres intensificados pelas alterações climáticas”, comentou Lyndsay Walsh, da Oxfam, num comunicado de imprensa da Coligação para as Perdas e Danos, que agrupa decisores políticos, activistas, artistas e advogados.

Depois da decisão tomada no ano passado em Sharm el-Sheik de criar o fundo de perdas e danos, previsto no Acordo de Paris, os detalhes foram negociados ao longo do último ano por representantes dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, durante reuniões que tiveram vários momentos de tensão. Apenas no início de Novembro, pouco antes da COP28, houve um acordo para o alocar no Banco Mundial temporariamente, durante quatro anos.

Descontentamento com o Banco Mundial

As organizações não-governamentais e os países mais vulneráveis a catástrofes climáticas resistiram à ideia de sediar o fundo no Banco Mundial. Prefeririam que fosse criada uma nova identidade independente para o administrar.

Vêem este banco multilateral de desenvolvimento, cuja presidência é normalmente escolhida pelos Estados Unidos, como parte do sistema financeiro global, que mais facilmente atribui empréstimos com juros que contribuem para crise da dívida nos países mais vulneráveis, em vez de distribuir subvenções – apoios cujo valor não tem de ser reembolsado.

“Embora tenha sido dado um passo histórico com este fundo, os países ricos enfraqueceram o compromisso com a justiça climática ao insistirem que o Banco Mundial fosse a sua sede temporária. Com esta decisão arrisca-se a excluir alguns países devido às regras desactualizadas que utiliza, e a aprofundar a crise da dívida, se o apoio for prestado através de empréstimos, e não subvenções”, comentou Izzie McIntosh , da organização Global Justice Now, em comunicado.

O dinheiro canalizado para este fundo deve ser novo, e não desviado para lá, de outros projectos de apoio ao desenvolvimento ou com fins humanitários. "Seria contraproducente", salienta a Coligação para as Perdas e Danos. As organizações não-governamentais gostariam igualmente que da COP28 saíssem decisões para desenvolver as chamadas "fontes inovadoras" de financiamento. Estas baseiam-se no princípio do "poluidor-pagador" e podem traduzir-se, por exemplo, em taxas sobre a indústria dos combustíveis fósseis, um imposto para os viajantes frequentes de avião... Medidas que não são populares.

Vários países anunciaram já a contribuição que tencionam fazer para o fundo de perdas e danos. Os Emirados Árabes Unidos foram os primeiros, e prometeram 100 milhões de dólares (cerca de 91 milhões de euros). Também a Alemanha se comprometeu a doar 100 milhões de dólares; o Reino Unido anunciou 40 milhões de libras (cerca de 46 milhões de euros) e 20 milhões de libras (cerca de 23 milhões de euros) para outros acordos; os EUA comprometem-se com 17,5 milhões de dólares (cerca de 16 milhões de euros) e o Japão contribuirá com dez milhões de dólares (cerca de 9,1 milhões de euros).

Estas somas ficam, no entanto, muito aquém dos valores que se estima serem necessários. O relatório Lacuna de Adaptação 2023 (Adaptation Gap), lançado pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA) estimava que seria necessário um fluxo de cerca de 387 mil milhões de dólares (354 mil milhões de euros) anuais para a adaptação dos países em desenvolvimento às alterações climáticas.

“Os compromissos que foram avançados hoje são um primeiro passo, um passo de bebé, na direcção daquilo que precisamos. Precisamos de muito mais para ter no fim da COP28 um fundo capitalizado com pelo menos 400 mil milhões de dólares”, considerou Erin Roberts, da Colaboração Perdas e Danos, uma organização não-governamental que reúne activistas e cientistas.

Falta também definir como dar continuidade ao fundo. “A ausência de definição de um ciclo de reposição do financiamento levanta questões sérias sobre a sustentabilidade a longo prazo do fundo”, salientou Harjeet Singh, da Rede Internacional de Acção Climática.

O PÚBLICO viajou a convite da Fundação Oceano Azul

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