Impasse nas negociações do fundo de perdas e danos já ensombra cimeira do clima

Países em desenvolvimento e os países desenvolvidos estão em desacordo sobre questões centrais: que entidade deve acolher o fundo, quem deve pagar e quais os países elegíveis para o financiamento.

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O acolhimento do fundo de perdas e danos pelo Banco Mundial (presidido por Ajay Banga, na foto) é um dos pontos de divergência Reuters/SUSANA VERA

A pouco mais de um mês do início das negociações cruciais das Nações Unidas sobre o clima, no Dubai, os países estão num impasse sobre a configuração do fundo de perdas e danos, destinado a ajudar os países a restabelecerem-se dos danos causados pelas alterações climáticas.

Os países que integram a comissão encarregada de conceber este fundo de perdas e danos terminaram a última reunião na madrugada de sábado em Assuão, no Egipto, com os países em desenvolvimento e os países desenvolvidos em desacordo sobre questões centrais: qual a entidade que deve supervisionar o fundo, quem deve pagar e quais os países elegíveis para receber financiamento.

Esperava-se que a comissão elaborasse uma lista de recomendações para a execução do fundo, que foi acordado no ano passado na COP27 em Sharm el-Sheikh, no Egipto, e que seria o primeiro fundo das Nações Unidas dedicado a fazer face aos danos irreparáveis provocados pelo clima, como a seca, as inundações e a subida do nível do mar.

Em vez disso, o grupo decidiu agendar uma nova reunião em Abu Dhabi, nos dias 3 e 4 de Novembro, para tentar ultrapassar as divisões, o que poderá dar o mote para as duas semanas de negociações sobre o clima na COP28, no Dubai, que arrancam a 30 de Novembro.

"Todas as negociações da COP28 podem descarrilar se as prioridades dos países em desenvolvimento em matéria de financiamento para perdas e danos não forem adequadamente contempladas", afirmou Preety Bhandari, conselheira sénior para as finanças do World Resources Institute.

Banco Mundial na berlinda

Entre as questões mais polémicas da semana passada estava a de saber se o Banco Mundial deveria acolher o fundo - uma posição defendida pelos EUA e pelos países desenvolvidos - ou se a ONU deveria criar um novo organismo para gerir o fundo, como os países em desenvolvimento têm insistido.

A criação de um fundo no Banco Mundial, cujos presidentes são nomeados pelos Estados Unidos, daria aos países doadores uma influência excessiva sobre o fundo e poderia resultar em taxas elevadas para os países beneficiários, argumentam os países em desenvolvimento.

"A sua cultura operacional, a forma como o Banco Mundial tem ajudado os países nas suas políticas de desenvolvimento, penso que não é adequada ao objectivo que procuramos com este novo fundo para o clima", disse o embaixador de Cuba na ONU, Pedro Pedroso Cuesta, presidente do G77 (países em desenvolvimento) e da China.

A criação de uma "nova entidade independente" para gerir o fundo é o cerne da sua posição.

Em resposta a estas críticas, um porta-voz do Banco Mundial disse à Reuters: "Estamos a apoiar o processo e estamos empenhados em trabalhar com os países quando chegarem a acordo sobre a forma de estruturar o fundo de perdas e danos".

Quem deve pagar?

Embora a questão do organismo que acolherá o fundo tenha dominado a reunião, outras questões fundamentais continuam por resolver. Os Estados Unidos, a União Europeia e outros países querem um fundo mais direccionado. A UE quer um fundo dedicado aos mais "vulneráveis", enquanto os EUA afirmaram que o fundo deveria centrar-se em áreas como os impactos climáticos de início lento, como a subida do nível do mar.

Os países também estão divididos em relação a quem deve pagar.

Brandon Wu, director de políticas e campanhas da ONG ActionAid USA, apelou aos Estados Unidos que abandonassem a sua insistência para que o Banco Mundial seja o responsável pelo fundo.

Um representante do Departamento de Estado norte-americano disse na segunda-feira que o apoio dos EUA ao Banco Mundial como sede do fundo não é uma linha vermelha para as negociações e que está aberto a outros acordos. Por exemplo, uma das propostas apresentadas na reunião foi de que o Banco Mundial acolha o fundo numa base provisória, enquanto os países avaliam o seu desempenho.

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