Eleições, e a emergência climática?

O esforço necessário para limitar o aquecimento global tem vindo a aumentar de ano para ano, sendo cada mais difícil a mitigação. Os políticos que vão a votos e os eleitores têm consciência disto?

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Nos artigos de Novembro e Dezembro, mostrei como será muito complicado, ou quase impossível, qualquer transição energética necessária para alcançar os mínimos exigíveis na actual emergência climática. A economia mundial tem sido até agora intensiva no consumo de energia e nas emissões de carbono, verificando-se ao longo dos últimos 30 anos a difícil tarefa de reduzir tal dependência.

Este contexto denuncia uma elevada probabilidade de se tornar impossível a estratégia global de mitigação climática adoptada para cenários até 2 graus Celsius. Se já estávamos em emergência devido à rápida evolução dos indicadores climáticos, como o demonstram os últimos dez anos, em particular 2023, então face a esta dificuldade na efectiva transição energética eleva-se ainda mais o nível de emergência climática.

Contudo, e depois de vermos os resultados das conclusões da COP28, no Dubai, de uma mera retórica do discurso política afastado do discurso científico, o tema da emergência climática esteve quase ausente em Davos e desapareceu por completo dos media, tal como no discurso e no debate político em vésperas de eleições nacionais e europeias. Bem como na opinião pública, assim o demonstram as sondagens. E este será um ano de eleições climáticas de cerca de 4 mil milhões de votantes.

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Redução de emissões necessárias para se atingir a meta de 2 graus Celsius de aquecimento global até 2100, com início entre 2000 e 2024 (fonte de dados: Robbie Andrews (2019); Global Carbon Project (2018); IPCC SR15 (2018)) DR

Volto ao gráfico do último artigo para relembrar o esforço necessário para limitarmos o aquecimento global até 2 graus Celsius, assim como o facto evidente de que o esforço necessário tem vindo a aumentar de ano para ano (de 1,8%/ano em 2000 para 5,3%/ano em 2024), tornando-se cada vez mais difícil ou mesmo impossível a mitigação. Os políticos que vão a eleições e os eleitores têm consciência disto?

A emergência climática não é um cliché de uns quantos cientistas ou extremistas do clima, é um imperativo global da humanidade. Deve ser entendido como um desígnio mundial, ao qual todos, incluindo políticos, governantes, instituições nacionais e internacionais, grandes, pequenas e médias empresas, líderes mundiais, organizações e associações, clubes, igrejas e religiões, todos sem excepção devem aderir.

A redução de emissões de gases de efeito estufa não é apenas uma tarefa dos governos, das petrolíferas, das grandes empresas e dos países com mais emissões. Ela é uma tarefa de todos, começando pelos países que lideram a economia mundial e pelas pessoas e organizações que consomem mais energia e mais recursos naturais.

Se Portugal se comprometeu, tal como os países europeus e a União Europeia, a reduzir as emissões na ordem dos 50% a cada dez anos para chegar à neutralidade carbónica em 2050, então essa não será apenas uma responsabilidade dos governos. Toda as pessoas e organizações, públicas e privadas, têm obrigatoriamente de ter o seu plano de redução de emissões, tal como está inscrito na Lei de Bases do Clima.

No último artigo, mostrei como para mim será difícil conseguir essa redução. Tal como a média dos portugueses, sou responsável pela emissão de 4,2 toneladas de dióxido de carbono por ano. Mas haverá muitos portugueses que, devido ao seu elevado consumo, emitirão muito mais, podendo alguns ultrapassar as 100 toneladas/ano. Para se cumprir a meta da neutralidade carbónica até 2050, em média um português terá de reduzir as suas emissões para 500 kg/ano em 25 anos. Um esforço gigante, que não poderá ser conseguido apenas com uma mudança do modelo de mobilidade e transportes, e com o aumento de produção de energia eléctrica a partir de energia renovável.

Eu tenho planos de redução até 2030, que implica deixar de viajar, mas não sei o que fazer a seguir. Simplesmente, não tenho solução para reduzir abaixo das 2 toneladas/ano. Será que alguém já pensou nisto? Como irá cada um dos portugueses, na sua vida privada e na sua organização ou empresa, contribuir para a redução das emissões que é necessário para Portugal poder cumprir com a neutralidade carbónica e com os objectivos da mitigação climática inscritos na Lei de Bases do Clima e no Roteiro da Neutralidade Carbónica?

É hora de perguntar: o Presidente da República tem um plano para a redução das suas emissões e das emissões da Casa da Presidência até 2050? O Governo tinha um plano de redução de emissões de todos os ministros, secretários de Estados e seus ministérios até 2050? E o Governo que virá a seguir vai ter esse plano? A Assembleia da República tem um plano de redução de emissões dos deputados e da Assembleia até 2050? As câmaras municipais, as repartições públicas, os hospitais, as escolas e universidades, as forças armadas e de segurança têm os seus planos de redução de emissões? Os partidos políticos que se apresentam agora às eleições têm o seu plano de redução de emissões? Os clubes de futebol, a Federação Portuguesa de Futebol, a Liga de Clubes, os futebolistas e agentes desportivos, especialmente, os que têm elevados rendimentos financeiros, já têm um plano de redução de emissões? Os clubes ingleses já têm, foram obrigados.

Ao contrário do que os activistas climáticos reclamam, não deve ser apenas aos governos e às empresas de energia fóssil a quem devemos reclamar acção climática. Devemos também pedir contas e reclamar acção aos líderes políticos, às instituições, aos ídolos do desporto e do espectáculo, àqueles que consomem elevadas quantidades de energia e recursos naturais. Principalmente a esses, pois não serão os que emitem pouco, devido ao pouco que consomem, que devem fazer o maior esforço. Deve haver justiça climática nas medidas de mitigação. Não só devem ser os países que mais poluíram no passado e os que mais poluem actualmente que devem fazer o maior esforço, mas também os mais ricos, os que mais emitem devido aos seus elevados níveis de consumo.

Vejamos um simples caso de injustiça. É indigno que se cobre uma taxa de apenas dois euros por passageiro num voo de jacto privado (medida imposta pelo Governo em Julho de 2023). Se a captura de uma tonelada de dióxido de carbono da atmosfera custa, com a tecnologia actual, na ordem dos 200 euros, e se uma hora de voo de um jacto privado pode emitir mais de duas toneladas de dióxido de carbono por hora, no mínimo os passageiros de jactos privados deveriam pagar 400 euros de taxa de carbono por hora de voo. Esta deveria ser a taxa que o Governo deveria ter aplicado, mas não, ficou-se pelos meros 2 euros por passageiro.

Quais as propostas e projectos de acção climática inscritas nos planos eleitorais dos partidos que se apresentam às eleições? Quais são as ideias e intenções para o próximo mandato legislativo? Quais as medidas de mitigação climática e ambiental dos candidatos às eleições europeias para levarem ao Parlamento Europeu?

E os analistas políticos e analistas económicos, bem como comentadores, jornalistas e directores de redacção, quando é que introduzem o tema da emergência climática de forma regular nas suas análises geopolíticas e geoestratégicas, e nos programas e debates televisivos? Quando se questionará o Presidente da República, os líderes políticos, os empresários e já agora o CR7 e outras individualidades públicas e do jet set, sobre como irão reduzir 50% das suas emissões até 2030 e 90% até 2050?

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