Tires põe Portugal no “top 3” da intensidade de emissões de CO2 de jactos privados

Em 2022, a rota entre os aeroportos de Lisboa e Tires, uma distância de 20,37 quilómetros, foi a segunda com maior intensidade carbónica da aviação privada, diz relatório divulgado pela Greenpeace.

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As cidades europeias ligadas por uma malha mais apertada de voos são centros económicos como Paris, Londres, Genebra e Milão Denis Balibouse/REUTERS

Portugal surgiu nos últimos dois anos no “top 3” das rotas da aviação privada europeias com maior intensidade de emissões de dióxido de carbono (CO2), e é um dos dez países com mais emissões causadas pelos voos de jactos privados em 2022, de acordo com um relatório da consultora ambiental CE Delft e da organização ambientalista Greenpeace. O aumento de tráfego entre o aeroporto de Lisboa e o Aeroporto Municipal de Cascais (Tires) – uma distância de 20 quilómetros – foi o que colocou Portugal no topo desta tabela desde 2021.

Se o Reino Unido está a frente no número de voos (90.526) e quantidade de emissões (501.077 toneladas de CO2) em 2022, Portugal, embora não esteja entre os países com maior número de voos, está em nono lugar na lista dos que têm mais emissões: para 7994 voos teve um total de 65.323 toneladas de emissões. O facto de Portugal ter entrado neste “top 10” pode estar associado a voos privados mais longos, em média, ou ao uso de aviões maiores, diz o relatório, que analisa a situação dos voos privados e as suas emissões de CO2 na Europa, entendida como os 27 países da União Europeia, mais o Reino Unido, a Noruega e a Suíça.

Portugal fica mal na fotografia também na lista das rotas com maior intensidade carbónica: o percurso Lisboa-Tires/Tires-Lisboa, uma distância de 20,37 quilómetros, está em segundo lugar na tabela com maior intensidade carbónica, com 118 voos e a emissão de 261 toneladas de dióxido de carbono (CO2). Há um aumento em relação a 2021, quando se realizaram 97 voos, e foram emitidas 189 toneladas de CO2, segundo este relatório. Mas em 2021 a rota Lisboa-Tires estava na terceira posição das mais intensas em emissões de CO2.

Mas como se calcula a intensidade de carbono? Dividem-se as emissões totais de CO2 pelo número de voos e a distância percorrida, diz o relatório. Portanto, este valor pode ser descrito como a emissão média de CO2 por um jacto médio para voar um quilómetro.

Para compensar o dióxido de carbono extra emitido quando os aviões levantam voo e aterram, há uma ferramenta de cálculo que acrescenta o CO2 equivalente a mais 95 quilómetros de voo. “É óbvio que rotas mais curtas terão uma intensidade de CO2 mais elevada, porque o incremento de 95 quilómetros [de emissões] terá um maior peso relativo”, lê-se no relatório, a que o PÚBLICO teve acesso.

Isso acontece com a rota que está no topo das mais intensas em CO2 em 2022, que é a que liga Farnborough a Blackbushe (perto de Londres), uma distância de apenas 7,41 quilómetros. Qual o sentido desta viagem tão curta?

Em Farnborough, no Hampshire (Sul de Inglaterra), estão sediadas várias companhias aéreas privadas. Ali fica também a multinacional de armas, segurança e aeroespacial BAE Systems, a maior empresa de defesa europeia, e a viagem até Blackbushe é uma ligação a Londres. A viagem entre a capital britânica e Farnborough foi a rota de menos de 100 quilómetros mais frequente em 2022.

De Roma a Paris 16 vezes

“As emissões de CO2 médias de cada voo de avião privado na Europa em 2022 foram 5,9 toneladas, o que é mais do que conduzir um carro médio a gasolina durante 23 mil quilómetros — ou viajar de Roma a Paris 16 vezes”, diz a Greenpeace, num comunicado de imprensa.

“É tremendamente injusto que pessoas ricas possam causar danos ao clima desta maneira, poluindo mais do que uma viagem de 23 mil quilómetros num só voo. A poluição devido a luxos perdulários deve ser a primeira coisa a eliminar. Precisamos de uma proibição dos voos de jactos privados”, comentou Thomas Gelin, activista da Greenpeace para a área dos transportes.

O tráfego de passageiros em aviões privados aumentou de forma quase ininterrupta — uma excepção notável foi 2020, o ano em que a pandemia de covid-19 mais penalizou as movimentações e o comércio em todo o mundo.

Vejamos os dados do relatório: em 2020 são contabilizados 118.756 voos de jactos privados, com emissões de 354.690 toneladas de CO2. Nos anos seguintes, houve um grande aumento destes valores.

Em 2021, o relatório contabiliza 350.078 voos privados, mais do que o dobro do ano anterior, e a emissão de 1.637.623 toneladas de dióxido de carbono (4,6 vezes mais que em 2020). Em 2022, o aumento é ainda mais expressivo: foram recenseados 572.806 voos de jactos privados, que emitiram 3.385.538 toneladas de CO2.

A actividade no Aeroporto Municipal de Cascais, em Tires, atraiu uma série de empresas de aviação privada e escolas de aviação civil. A título de exemplo, vemos o grupo português Omni Aviação, a Heliportugal, que é uma empresa privada portuguesa de helicópteros que oferece serviços como operações offshore e combate a incêndios florestais, ou empresas do grupo Sevenair, que diz ser “a maior empresa de aviação geral em Portugal e uma das maiores da Europa”, que, além do transporte de passageiros, faz também manutenção de aeronaves. Ou a International Flight Academy, uma escola de pilotos.

A criação deste núcleo de empresas no aeródromo de Tires ajudou a que Portugal subisse na tabela das rotas da aviação privada europeias com maior intensidade de emissões de dióxido de carbono. Mas o aeroporto português que mais acolhe voos de aviões privados é o de Faro, e a rota mais frequente é a que liga Faro a Londres.

O efeito-pandemia é bem claro também aqui: em 2020 o relatório regista 68 voos entre Faro e Londres, com 528 toneladas de emissões de CO2. O crescimento em 2021 é abissal: 331 voos, e 2138 toneladas de emissões, enquanto em 2022 são registados 543 voos nesta rota, e 3565 toneladas de emissões de CO2.

O problema dos voos privados é que têm emissões de gases de efeito de estufa por quilómetro e passageiro significativamente mais elevadas do que outros meios de transporte, salienta o relatório. Segundo um estudo de 2021 da organização não-governamental Transporte e Ambiente, os aviões privados têm uma intensidade carbónica dez vezes maior, em média, do que os voos de companhias de transporte colectivo de passageiros, e são 50 vezes mais poluidores do que os comboios.

Alguns jactos privados emitem duas toneladas de CO2 por hora enquanto a pegada carbónica anual de um cidadão da União Europeia, que é elevada, é de 8,3 toneladas de CO2 equivalente (medida utilizada para comparar as emissões de vários gases com efeito de estufa, baseada no seu potencial para alterar o clima). Segundo o Eurostat, organismo de estatística da União Europeia, o sector dos transportes é aquele em que mais estão a aumentar as emissões de gases com efeito de estufa e, neste sector, o maior aumento projectado até 2030 é o da aviação, salienta o relatório.

Por isso, existe uma campanha internacional de grupos ambientalistas, entre os quais a Greenpeace, para abolir os jactos privados, que já teve expressão em Portugal em Novembro de 2022 e Fevereiro deste ano, quando grupos de activistas do movimento Scientist Rebellion e da campanha Aterra e Abolir Jactos Privados protestaram junto ao aeroporto de Tires, juntando-se a dias de protesto internacionais.

Comboio pode ser alternativa

Embora em 2021 e 2022 tenha aumentado o número de voos privados que percorrem distâncias superiores a 3001 quilómetros (9% dos voos privados em 2022), a maior parte dos voos de jactos privados na Europa são distâncias pequenas: entre 251 quilómetros e 500 quilómetros (24% dos voos em 2022). A segunda categoria mais elevada é entre zero e 250 quilómetros (15% dos do ano passado).

As cidades europeias ligadas por uma malha mais apertada de voos são centros económicos como Paris, Londres, Genebra e Milão. Na verdade, os três destinos mais populares das viagens em jacto privado no ano passado na Europa foram Nice, Paris e Genebra. A rota mais movimentada foi a de Paris-Londres, com uma média de nove voos de jactos privados diariamente.

Mas há outras rotas, como entre Guernsey e Southampton (Reino Unido), que se explica porque há uma ligação regular da multinacional de óptica Specsavers, assinala o relatório.

Estes voos são evitáveis? A verdade é que a maior parte destes grandes centros económicos europeus estão ligados por linhas ferroviárias com viagens rápidas e frequentes, que seriam uma alternativa com menores emissões de CO2, sublinha o relatório.

Para citar os melhores exemplos, entre Paris e Genebra, uma rota do “top 10” das mais viajadas por jactos privados, há uma ligação directa por comboio que demora 3h15m, com oito comboios diários (ida e volta). Entre Londres e Paris, igualmente no “top 10”, existe igualmente uma ligação por comboio que demora 2h37m, do centro de uma capital à outra, com dez comboios diários.

Outras ligações menos atractivas podem ser a ligação entre Paris e Nice (igualmente no “top 10” das viagens em jacto privado), em que a viagem média por comboio demora sete horas. O relatório sugere apanhar o comboio nocturno que liga as duas cidades francesas, que demora 12 horas.