2024, sem “vacina” para as alterações climáticas nem plano B

A exemplo do que ocorreu com a pandemia, o controlo da crise humana ligada às alterações climáticas deverá passar pela consciencialização, percepção do risco e adesão às medidas de mitigação.

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Vivemos recentemente uma pandemia causada por uma doença infecto-contagiosa, de origem viral, que se propagou pelo mundo inteiro. E, mesmo depois de vacinada, a maior parte, já com alguma imunidade, foi reinfectada apesar do reduzido impacto. Graças ao rápido desenvolvimento de uma vacina, conseguiu-se minimizar os impactos na saúde pública e na mortalidade. O flagelo foi tão rápido a aparecer como a desaparecer, graças ao esforço da ciência que globalmente colaborou como nunca. Num curto período, experienciámos, vivemos e sentimos de perto o impacto de uma crise humana à escala global.

E se uma outra crise humana surgir à escala global, não num curto período, mas desenvolvendo-se lentamente ao longo do tempo, teremos a mesma capacidade de nos adaptarmos e de minimizarmos o seu impacto? Conseguiremos descobrir a tempo uma “vacina”?

Há mais de 70 anos, iniciou-se uma crise climático-ambiental que nos está a conduzir para outra crise humana à escala global. Será uma crise sem precedentes na história da Humanidade? O que importa é que a esta crise não estamos a reagir como rapidez suficiente como reagimos na de covid-19, muito menos encontrámos uma vacina para a sua cura ou erradicação.

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A mitigação climática exige uma redução drástica da queima de combustíveis fósseis Stephane Mahe/Reuters

Apesar de muitos acreditarem que sim, que a ciência e a tecnologia, através da prometida transição tecnológica, vão conseguir uma “vacina” a tempo de podermos evitar um aquecimento global e uma degradação ambiental de elevado impacto sobre a Humanidade. Muitos contam, incluindo as instituições internacionais e os Governos, com a técnica de captura e sequestro de carbono, para além de outras tecnologias ao nível da transição energética.

No período pré-vacinal da pandemia de covid-19 havia uma mensagem que se traduziu globalmente nas políticas públicas de controlo sanitário, através das medidas de confinamento, ou medidas não-farmacológicas: a necessidade de consciencialização, percepção e adesão.

Consciencialização da existência de uma doença infecto-contagiosa causada pelo vírus SARS-CoV-2 que se tornou numa pandemia e da necessidade de mudar comportamentos. Percepção do risco que essa doença tinha na saúde pública e na pressão sobre SNS. Adesão efectiva às medidas não-farmacológicas (regra dos 3C: evitar closed spaces (lugares fechados), crowded places (espaços cheios de gente) e close contacts (proximidade física), e do uso de máscaras) e adesão à vacinação. Só assim se pôde controlar a propagação das ondas pandémicas, tanto na fase pré-vacinal como na fase vacinal, e evitar, salvo raras excepções, a sobrecarga de sistema de saúde, bem como, o aumento de mortalidade.

A estratégia de controlo desta nova crise humana, que resulta das alterações climáticas relativas a um cenário de aquecimento global acima de 2 graus Celsius, deverá passar também por: consciencialização do problema global das mudanças do clima e das acções necessárias à sua mitigação; percepção do elevado risco das alterações climáticas sobre a economia e a Humanidade; e, adesão às medidas de mitigação.

Por outras palavras, sem a verdadeira consciencialização do problema, a percepção do risco e sem a adesão de todos a medidas “não-farmacológicas”, i.e., a medidas que não dependam de uma qualquer tecnologia salvadora, a “vacina”, não haverá mitigação eficiente às alterações climáticas, a fim de evitarmos um aquecimento para lá dos 2 graus. O falhanço desta estratégia impossibilitará por completo qualquer Plano B, porque depois de falharmos já não haverá remédio.

De igual modo, à semelhança do que foi também feito na pandemia, é necessário achatar a curva (ver artigo anterior), ou melhor, é necessário achatar as várias curvas. Não só achatar a curva das emissões de gases com efeito de estufa (ver imagem abaixo), mas também achatar a curva do consumo da maior parte dos recursos minerais. A começar pela curva do consumo de combustíveis fósseis, seguida da curva do consumo dos minerais raros (como cobalto e lítio) e dos recursos necessários a todos os produtos de consumo, incluindo a alimentação, a água potável, o vestuário e o equipamento tecnológico, e ainda, a curva dos plásticos e da poluição.

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Redução de emissões necessárias para se atingir a meta de 2 graus Celsius de aquecimento global até 2100, com início entre 2000 e 2024 (fonte de dados: Robbie Andrews (2019); Global Carbon Project (2018); IPCC SR15 (2018)) DR

Não há planeta B que nos possa fornecer a quantidade de recursos minerais necessária ao crescimento económico ilimitado e a mais de 10 mil milhões de pessoas para lá de 2050, e para o qual possamos transportar a poluição e os resíduos.

O elevado nível de consumo per capita de energia (21 MWh/ano) e de recursos naturais (13 toneladas/ano) conduziu a um elevado impacto individual de emissões (seis ton/ano de dióxido de carbono equivalente). Para a extracção, a transformação, a produção, o transporte e a comercialização de qualquer produto que é consumido são despendidas elevadas quantidade de energia, que dependem em 83% de fontes fósseis, elevadas quantidades de recursos minerais, com elevado impacto ao nível da emissão de gases com efeito de estufa e de poluentes, e de grandes quantidades de água. Não há nenhum produto nas prateleiras de um supermercado que não necessite de petróleo para ali chegar.

Para se reduzir o elevado impacto per capita não basta esperar que os políticos, os grandes bancos (por via do financiamento) e as grandes empresas petrolíferas e da indústria façam uma mudança radical através de medidas de transição energética. Todos eles respondem simplesmente ao nosso consumo. É, pois, necessário e fundamental, que cada um de nós, principalmente ao nível dos países da OCDE, dos países em desenvolvimento e das economias emergentes, adira a um conjunto de medidas ao nível da mudança de consumo, de forma a minimizar o impacto per capita. Só depois de uma adesão generalizada na mudança dos comportamentos de consumo, poderemos começar a ter esperança na efectiva mitigação climática.

Para cumprir a meta da neutralidade carbónica em 2050, e admitindo que em média são emitidas, ao nível mundial, 4,8 toneladas/ano de dióxido de carbono per capita, então cada um terá de reduzir, em média, 50% das suas emissões até 2030, para 2,4 ton/ano. Reduzir novamente 50% das emissões até 2040, para 1,2 ton/ano, e de novo 50% até 2050, para cerca de 600 kg de emissões anuais de dióxido de carbono. Totalizando a nível mundial, uma redução para cinco a seis mil milhões de ton/ano de dióxido de carbono emitidas para a atmosfera, face aos actuais 42 mil milhões ton/ano de origem fóssil e uso do solo.

Pessoalmente, emito cerca de 4 ton/ano, pelo que terei de reduzir (como qualquer pessoa em Portugal) para 2 ton/ano até 2030, para uma ton/ano em 2040 e para 500 Kg/ano em 2050. Se só em transportes, estimo uma emissão entre os 1,4 e 1,8 ton/ano de dióxido de carbono (33 a 43% das emissões anuais), como poderei eu reduzir a minha pegada de carbono a 500 kg/ano até 2050?

Erradicar por completo as emissões de transportes (viajando apenas de bicicleta, a pé e em transportes públicos) não chega sequer a 50% de redução de emissões para cumprir a minha meta até 2030. Por isso, terei de cortar também nas emissões do consumo, como por exemplo, nos produtos que escolho, na origem dos produtos que compro, reduzir a energia consumida, e essencialmente, reduzir no volume generalizado de consumo.

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