Sem decisão na data marcada, COP28 mergulha nas negociações de bastidores

Operação logística da cimeira do clima, que deveria ter terminado esta terça-feira, foi estendida até quinta-feira. Depois das críticas à primeira proposta, negociações foram feitas à porta fechada.

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Crachás da conferência continuarão válidos até quinta-feira Reuters/YVES HERMAN
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“Passámos a última noite a conversar, absorvendo o feedback, e isso pôs-nos em posição de redigir um novo texto.” As palavras de Majid Al Suwaidi, um dos principais negociadores da presidência da Cimeira do Clima no Dubai (COP28), proferidas na manhã de terça-feira, trouxeram uma certa esperança de que o balanço global (global stocktake, ou GST), um dos documentos principais que sairá desta cimeira, ficasse concluído ainda durante o dia. Pura ilusão.

Depois de muitos países terem criticado a versão preliminar publicada pela presidência da COP28 na segunda-feira à tarde, considerando-a demasiado fraca por não referir a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis (uma das principais expectativas para esta COP), seguiram-se negociações até de madrugada entre os representantes das delegações e um dia de reuniões à porta fechada entre os governos.

Ao início da tarde, corria a informação de que a próxima versão do documento — que poderá ser apenas mais um rascunho, ou já a proposta final — seria publicado até às 18h (14h em Lisboa). Já eram quase 22h quando os jornalistas receberam uma nota da presidência a avisar que “o Presidente da COP28 e a sua equipa têm estado envolvidos em consultas alargadas com uma ampla representação dos grupos de negociação e das partes”, com o objectivo de garantir que “todas as opiniões sejam consideradas”. “O Presidente está determinado a apresentar uma versão do texto que tenha o apoio de todas as partes”, lê-se no curto comunicado, que finalmente termina em tom agridoce: “As consultas continuarão até às 3h”. Mais tarde, nova actualização: "O texto está programado para ser publicado às 6 horas, após o que o presidente convocará uma sessão plenária às 9h30".

Adiamentos sucessivos

Ao longo do dia, as negociações nos bastidores pareciam fervilhar. Ao início da tarde, as conferências de imprensa com representantes dos grandes países, ainda a braços com as difíceis negociações, começaram a ser sucessivamente canceladas. A conferência de imprensa do enviado dos EUA para o clima, John Kerry, que tinha sido marcada com antecedência para as 16h de terça-feira, passou para o dia seguinte.

O principal problema é que, em quase todos os pontos, o documento dá uma no cravo e outra na ferradura: refere os diagnósticos duros sobre o que é preciso fazer, mas não apresenta medidas com um nível de clareza (ou compromisso) que responda efectivamente a esses alertas de urgência.

E a falta de referência ao fim dos combustíveis fósseis não é o único problema da proposta da presidência da COP28 para o balanço global, o primeiro balanço sobre o que foi feito desde o Acordo de Paris, que deveria conter metas e orientações sobre o que deve ser melhorado nas próximas "Contribuições Nacionalmente Determinadas" (NDC, na sigla em inglês). Deste texto dependem também outros documentos importantes desta COP28, como o Objectivo Global de Adaptação, que só poderá ser desbloqueado depois de definidos pormenores no GST.

Da parte dos países menos desenvolvidos, há também posições em conflito sobre os problemas do texto. “A República das Ilhas Marshall não veio aqui para assinar a sua sentença de morte. Viemos para lutar pelo objectivo de 1,5 graus e a única forma de o conseguir: abandonar os combustíveis fósseis”, afirmou na segunda-feira John Silk, o chefe da delegação deste país do Pacífico. “O que vimos hoje é inaceitável. Não vamos marchar silenciosamente para as nossas sepulturas nas águas”, assegurou Silk. Por outro lado, na terça-feira de manhã, o ministro do Ambiente da Nigéria, Iziaq Kunle Salako, afirmou que “pedir a África para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis é pedir-nos que deixemos de respirar sem suporte de vida”.

Enquanto isso, os países mais ricos também estão debaixo de fogo por resistirem a compromissos firmes de financiamento, que são necessários para ajudar os países em desenvolvimento tanto em termos de mitigação, em particular no investimento em energia renovável, como de adaptação, para que consigam tornar os seus territórios mais resilientes às alterações climáticas que já se fazem sentir sobre as populações.

E se não houver acordo?

As expectativas para esta COP28 eram altas, assim como as garantias de Sultan Al Jaber de que esta seria a “cimeira da acção”. Mas o facto é que o impasse nas negociações, que já se começava a desenhar desde a primeira semana, no período de concertação mais técnica, e que se tornou claro perante um texto preliminar tão incoerente, tem trazido cada vez mais a dúvida: será que esta COP tão promissora poderá ser, afinal, um falhanço?

“A COP28 está à beira do fracasso total”, afirmou Al Gore, ex-vice-Presidente dos Estados Unidos e activista contra as alterações climáticas, em reacção à proposta lançada na segunda-feira. “Este é um texto subserviente à Organização dos Países Produtores de Petróleo, como se a OPEP o tivesse ditado palavra a palavra”, declarou.

No ar paira o fantasma de Copenhaga. A COP15, em 2009, vinha sendo preparada com dois anos de antecedência. Aproximando-se o fim do prazo previsto para o Protocolo de Quioto, o desejo era de chegar a um acordo global e vinculativo para conter as alterações climáticas.

Mas o fosso entre países industrializados e os menos desenvolvidos tornou-se claro. Na recta final, o chamado grupo BASIC Brasil, África do Sul, Índia e China juntou-se aos Estados Unidos, liderados por Barack Obama, para desenhar o Acordo de Copenhaga. Mas o plenário da COP15 não gostou desta solução feita à medida dos países industrializados e o acordo acabou por não ser adoptado, apenas registado (“noted”). O grande acordo global acabou por chegar seis anos depois, na COP21, em Paris.

O economista político Michael Jacobs, da Universidade de Sheffield, observador de longa data das cimeiras do clima citado pelo jornal The Guardian, reconhece que uma interrupção das negociações poderia ser preferível ao actual acordo proposto. Em vez de um compromisso que abandone efectivamente os objectivos do Acordo de Paris, Jacobs considera que o fracasso das negociações iria, pelo menos, galvanizar o debate global sobre o clima. Outra opção seria, ao invés de dar a cimeira como encerrada sem nenhum acordo, adiar os trabalhos, como aconteceu com a COP6, em Haia, que se desdobrou na COP6bis, sete meses depois, em Bona.

Como refere o especialista em políticas públicas globais David G. Victor, num artigo publicado na semana passada pelo think tank Brookings, o grande “fantasma de Copenhaga” é a incapacidade dos países desenvolvidos darem verdadeiras respostas às necessidades dos mais pobres, focando o debate em “soluções inadequadas para os problemas errados”.

Ficar ou ir dormir?

Nos corredores do pavilhão onde se localizam as salas de reuniões, apenas se viam jornalistas, observadores de ONG e centros de investigação e alguns participantes credenciados pelas delegações.

As informações são colhidas a custo junto de delegados dos diferentes países, transmitidas aos colegas mais próximos, confirmadas junto de outras fontes de confiança. A meio da tarde, circula a informação de que uma aliança de mais de 100 países estaria a elaborar uma versão mais curta do balanço global, mas pouco depois uma investigadora de um think tank ajuda a verificar que a informação não é certa. Ao final da tarde, a questão já era menos “será que o texto ainda sairá hoje?” e mais “talvez seja melhor regressar ao hotel”.

Uma versão preliminar do texto com indicação de ter sido fechada às 18h, a que o PÚBLICO teve acesso, mostra algum avanço na referência à transição para um sistema energético com menos combustíveis fósseis — mais precisamente, “neutro” em emissões — até 2050, “de uma forma justa, ordenada e equitativa”. Onde antes se apelava aos países a “reduzir tanto o consumo como a produção de combustíveis fósseis”, agora pede-se uma “transição para o abandono dos combustíveis fósseis nos nossos sistemas energéticos, com início ainda nesta década”. Não foi possível confirmar a legitimidade do documento junto de fontes oficiais, mas é possível ver no texto algum reflexo das posições efectivamente declaradas por algumas partes.

A menção “histórica” ​​sobre o futuro dos combustíveis fósseis, como mencionou Majid Al Suwaidi, fica ainda por confirmar. Resta saber se a noitada da equipa de Sultan Al Jaber será suficiente para chegar a um texto do balanço global que reúna consenso de todas as partes. Uma coisa é certa: num e-mail enviado perto da meia-noite pela equipa de logística, avisa-se que os crachás continuarão activos até quinta-feira.

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