Agora é agora, depois não se sabe

Vivemos um período de sérios riscos quanto ao futuro da democracia em Portugal. Talvez um grande número de portugueses não se tenha dado conta. Não é tarefa para apenas um ou dois atores partidários.

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Desde sempre (salvo raros momentos) que há uma doença que mina a esquerda e da qual esta custa a libertar-se. Devido à aura que a busca de uma justiça social mais autêntica e igualitária lhe confere, perde muitas vezes a noção da acumulação de forças para lograr as transformações a que se propõe. Referimo-nos naturalmente às esquerdas que se posicionam à esquerda da social-democracia.

No atual contexto mundial há uma acentuada viragem à direita com resultados relevantes para a extrema-direita fascizante que vai do Sul ao Centro e ao Norte da Europa e um pouco por todo o mundo, como recentemente aconteceu na Argentina.

Em Portugal, há um sério perigo da direita se coligar com as forças de extrema-direita, podendo obter uma maioria, sendo uma prioridade democrática forjar condições políticas para que PS, PCP, BE e Livre alcancem uma maioria parlamentar. E não é preciso ir muito longe para averiguar como uma política unitária e reformadora gera maiorias, basta atravessar a fronteira.

É assim uma necessidade que os partidos à esquerda do PS cuja ação política demonstra terem um conjunto interessante de denominadores comuns programáticos façam desses pontos uma batalha contra a direita e a extrema-direita.

Nesse sentido impunha-se encontrarem-se e apostarem nos denominadores comuns em que convergem e apresentarem assim uma alternativa credível, em vez de ser cada um a puxar para seu lado.

Tal proposta encontraria certamente apoio em todo o povo de esquerda que compreenderia a importância de se mobilizar para derrotar a possibilidade de formação de um Governo do PSD com a extrema-direita, precisamente no 50.º aniversário da revolução de Abril.

O PS (em campanha eleitoral interna) fez em 2015 acordos de incidência parlamentar com o PCP e com o BE, e de tal experiência ganhou apoio popular e parlamentar, ao contrário das vezes em que se meteu pelo centrão onde não há propriamente distinção entre PS e PSD, como reza a história da nossa democracia.

Pelo que se vai vendo, nem o real perigo de a extrema-direita chegar ao Governo cria no PS um estado de alarme, pretendendo que sozinho está em condições de vencer o desafio, o que não é verosímil como se tem visto pela ação governativa.

Mas à esquerda do PS o panorama é deveras incompreensível, nomeadamente no que concerne à postura do PCP, do BE e do Livre.

Sabendo da importância de somar votos para condicionar o PS (o PSOE também não se deixava condicionar), em vez de fazer força no que os une –​ só o voto naqueles partidos é garantia da defesa de serviços públicos modernos, da Escola Pública, do SNS e do reforço democrático das instituições –, enveredam pelo acentuar das diferenças, de que é exemplo a entrevista de Mariana Mortágua à CMTV. Já antes Paulo Raimundo por lá tinha passado todo contente com o seu PCP imutável e incapaz de assumir a extraordinária tradição unitária que durante décadas foi marca do partido.

O Livre, por muito que o PS lhe pisque os olhinhos, não será como muleta do PS que se afirmará no panorama partidário de esquerda.

Vivemos um período de sérios riscos quanto ao futuro da democracia em Portugal, tal como ela se consolidou saída da Revolução de Abril. Talvez um grande número de portugueses não se tenha ainda dado conta. Não é tarefa para apenas um ou dois atores partidários. Pelos erros praticados por sucessivos governos, é trabalho para todos os democratas de Abril.

Não importa a diferença ali ou acolá no plano externo, na eutanásia ou noutras áreas, que não são tão decisivas como os alicerces do regime, onde, aí sim, tudo se poderá discutir e onde as diferenças poderão justificar a existência de cada partido.

As esquerdas têm de abrir as janelas e não olharem apenas para as diferenças ou, talvez ainda mais perversamente, para a forma de as acentuar, para um ou outro obter mais uns tantos votos. Cada formação de esquerda reflete o universo onde se move e por mais voltas que se deem, qualquer partido de esquerda devia ter como missão, neste momento tão peculiar e perigoso, contribuir para impedir uma maioria de direita e de extrema-direita.

Aos poucos, as democracias liberais vão deslizando para abraçarem liberalmente formações de extrema-direita e forças fascizantes, catapultando-as para os diversos governos. Os sinais são claros e múltiplos. Os cegos que o são realmente não são os mais cegos, os que não querem ver são muito mais.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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