Há dias em que queríamos fazer a fita da cassete voltar atrás – ou carregar no botão de "rewind", porque as cassetes já são passado – para refazer a realidade. Foi o que aconteceu esta semana, em que dois países, um em cada continente, deram vitórias eleitorais a políticos que nos querem arrastar para trás.

Javier Milei, na Argentina, e Geert Wilders, nos Países Baixos – dois políticos de extrema-direita – ganharam as eleições nos seus países. Milei vai ser Presidente, Wilders só chegará ao poder se conseguir formar uma coligação para governar. Ambos têm propostas que nos farão recuar – nos direitos humanos, na igualdade, na defesa do ambiente, na luta contra as alterações climáticas.

Milei e Wilders querem sair do Acordo de Paris para limitar as emissões de gases com efeito de estufa, querem aumentar a extracção de combustíveis fósseis, manter centrais eléctricas a carvão e gás, desprezam energias renováveis. Os avisos dos cientistas sobre os efeitos das alterações climáticas são reduzidos a histeria, quando não a conluios conspirativos, uma farsa marxista ou anticapitalista.

A mudança cria ansiedade, e o mundo está a mudar rapidamente. A economia em crise deixa as pessoas sem dinheiro para os bens mais básicos – como a habitação. A falta de transparência dos governos na tomada de decisões amplia as suspeitas de corrupção das elites.

E de todas as partes vêm notícias a mostrar-nos a instabilidade do mundo: catástrofes naturais, guerras. Dizem-nos que temos de mudar o nosso modo de vida rapidamente para salvar o planeta. Temos de fazer a "transição": energética, ecológica. Mudar de modelo económico.

O estudo JUSTENERGY, do Centro de Investigação e Intervenção Social do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa, apresentado esta semana, e sobre o qual o Luciano Alvarez escreve aqui, analisou vários jornais portugueses, entre os quais o PÚBLICO, e conclui que "tendem a difundir uma perspectiva simplista da descarbonização e do uso das energias verdes", aquilo a que se costuma designar como transição energética.

Qual é o problema? Ao fugirem a "um debate mais informado e com dados objectivos que integre os vários impactos, positivos e negativos, que as energias renováveis podem ter", diz Susana Batel, uma das autoras, "acrescenta ambivalências que podem, mesmo que indirectamente, incentivar a adesão a discursos dos partidos de extrema-direita em Portugal".

O Chega em Portugal representa este movimento transnacional de partidos de extrema-direita com semelhanças de discursos e acções. Como o Vox em Espanha, que não fala de alterações climáticas, mas de "religião climática".

Embora o ambiente ou o clima estejam praticamente ausentes do programa do Chega – diz que "a preservação do ambiente é uma prioridade pois somos os actuais testamenteiros da herança ambiental intergeracional", sem enumerar quaisquer propostas –, o partido tentou aproveitar a onda de protestos estudantis exigindo acções do Governo pelo clima.

Mas fê-lo de forma curiosa: representantes do Chega foram distribuir panfletos contra o activismo climático na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova, em Lisboa, e foram vaiados pelos estudantes, contou-nos o Nicolau Ferreira. Os panfletos pretendiam "desmontar a crise climática para totós".

"O tema das alterações climáticas é cada vez mais debatido nas nossas sociedades e isto permite a estes actores [partidos de extrema-direita] assumir uma postura de oposição à maioria dos restantes partidos que, de forma mais ou menos consequente, apoiam políticas climáticas", disse Bernhard Forchtner, da Universidade de Leicester (Reino Unido), que tem estudado a relação entre a extrema-direita e a comunicação sobre ambiente. "Neste sentido, os partidos da direita radical usam ‘o tema do clima’ para se posicionarem e darem uma opção mais ou menos distinta aos eleitores", completou.

Esta acção do Chega na FCSH é só o começo da intervenção do partido de extrema-direita neste tema. Será que um dia vamos querer carregar no botão do "rewind", como com as eleições de Javier Milei e Geert Wilders?