O último ano do mandato de Lucília Gago

A procuradora-geral da República quebrou o silêncio sobre a Operação Influencer mas não acalmou tensão.

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Desde dia 7, momento em que decorreram buscas em vários locais, incluindo o escritório do chefe de gabinete do primeiro-ministro, que a procuradora-geral da República, Lucília Gago, tem sido instada a dar explicações ao país. Comentou a Operação Influencer nesta quinta-feira, num breve encontro com os jornalistas na PJ, à margem de uma conferência sobre violência doméstica. Foi positivo ter quebrado o silêncio? Foi. Deu explicações claras? Não.

Lucília Gago fez bem em desdramatizar o encontro que teve com o Presidente da República, no Palácio de Belém, no final da manhã de dia 7 (“É o Sr. Presidente que me nomeia e é normal que queira comigo conversar sobre temas relevantes”), bem como a questão da redacção do comunicado do mesmo dia sobre o qual o Expresso escreveu que continha um parágrafo relativo a António Costa escrito pela pena de Lucília Gago (“As notas para a imprensa são sempre trabalhadas pelo gabinete de imprensa, como foi o caso, e em situações mais melindrosas e sensíveis são acompanhadas de perto — muito de perto — na sua redacção, pelo impacto público [que comportam]”).

A procuradora-geral teve, no entanto, uma frase infeliz e uma contradição que ficou por explicar. A frase infeliz foi ter dito que não se sentia “responsável por coisa nenhuma”. A pergunta era sobre a demissão de António Costa, mas rapidamente a sua resposta começou a ser usada por socialistas como uma prova de irresponsabilidade. Objectivamente, Lucília Gago tem razão, mas é surpreendente como em duas semanas não teve tempo para preparar uma reacção serena e que contribuísse para a descrispação do actual momento.

A contradição tem que ver com o dever de “transparência” evocado nesta quinta-feira para justificar o parágrafo que os socialistas reclamam ter derrubado o Governo. Se foi a bem da “transparência”, porque é que só três dias depois houve novo comunicado da PGR a dizer que, afinal, o inquérito relativo a António Costa havia sido instaurado no Supremo Tribunal de Justiça a 17 de Outubro? Transparência não casa bem com informação a conta-gotas.

Lucília Gago, recorde-se, esteve na origem de uma guerra entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa em 2018, em que o Presidente começou por defender a continuidade da então procuradora-geral, Joana Marques Vidal, e acabou ao lado do primeiro-ministro a defender a renovação de mandatos, argumentando que o princípio da “autonomia do MP”, afinal, implicava “um mandato longo e único”.

A actual procuradora está agora a terminar o seu mandato de seis anos, que, segundo o entendimento do Presidente, será o último. Caberá a Marcelo Rebelo de Sousa nomear o sucessor com o acordo do futuro governo. A bem da justiça e das instituições, seria aconselhável que essa decisão não fosse tomada no actual clima de suspeições e crispação.

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