Como nasce a sensação de comichão? A resposta vem de uma bactéria

Presente muitas vezes em pessoas com eczema, foi identificada uma bactéria como uma das principais culpadas pela sensação de comichão.

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A comichão pode ser debilitante para pessoas que sofrem de problemas de pele Nelson Garrido
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A comichão para a maioria das pessoas não invoca grandes questões. Sentimos o incómodo e coçamo-nos. No entanto, para a ciência, as causas desta sensação são um mistério que continua a suscitar curiosidade. Graças a um novo estudo feito com ratinhos, uma equipa de cientistas acredita ter encontrado um microrganismo que pode ser o responsável pela comichão, especialmente em pessoas com eczema. O estudo foi publicado na revista científica Cell.

“A comichão é uma sensação que provoca o desejo de coçar. A barreira da pele está constantemente exposta a micróbios e aos seus produtos. No entanto, o papel dos micróbios na produção de comichão é desconhecido”, começa por dizer o artigo científico publicado por investigadores Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Na pele de pessoas com eczema (ou dermatite atópica), o equilíbrio dos microrganismos, que mantém a pele saudável, é muitas vezes afectado. Até hoje, punha-se a hipótese de que a comichão sentida neste problema dermatológico se devia à inflamação da pele, comum nesta patologia.

Agora, graças a este novo estudo, sabe-se que o verdadeiro responsável é uma bactéria – Staphylococcus aureus (S. aureus). Esta bactéria encontra na pele com aquela doença o ambiente ideal para se desenvolver, actuando directamente nas células nervosas e causando assim comichão.

“A comichão pode ser debilitante para pacientes que sofrem de problemas de pele crónicos. Muitos destes pacientes carregam na pele o micróbio que identificámos, pela primeira vez, como o indutor da comichão”, afirma, em comunicado da Faculdade de Medicina de Harvard, Liwen Deng, entre os autores do artigo científico.

Para chegar a estes resultados, os cientistas expuseram a pele de ratinhos à bactéria Staphylococcus aureus. Ao longo de vários dias, os animais desenvolveram comichão intensa e foram ficando cada vez mais sensíveis a estímulos que tipicamente não causariam comichão, como o toque leve.

“A resposta hipersensível, chamada ‘alocinese’, é comum em pacientes com doenças de pele crónicas caracterizadas por comichão persistente. Mas também pode acontecer em pessoas sem nenhum problema de pele – como a sensação de comichão provocada por uma camisola de lã”, explica-se ainda no comunicado.

À procura de mecanismos da comichão

Depois de se ter confirmado a bactéria Staphylococcus aureus como responsável, o próximo passo foi perceber como é que ela provocou os efeitos de comichão.

Para tal, os investigadores testaram versões modificadas da Staphylococcus aureus, concebidas para não terem algumas partes específicas da sua composição molecular. Nesta fase, examinaram-se dez enzimas da bactéria: no fim de tudo, todas foram descartadas, excepto uma, a V8.

Através de exames mais detalhados, concluiu-se que a enzima V8 causa comichão ao activar um receptor chamado PAR1, que está presente nas células nervosas sensoriais da pele, responsáveis por transportar os sinais nervosos – do toque, da comichão, do calor e da dor – desde pele até ao cérebro. Daí que a equipa anuncie, no artigo científico, que identificou a enzima V8 como um mediador importante para a comichão espontânea e a alocinese.

O receptor PAR1 (que é uma proteína) está também associado à coagulação do sangue, recordam os cientistas. Por isso, medicação contra a coagulação do sangue foi também utilizada nas experiências nos ratinhos, para verificar se teria algum efeito na intensidade da comichão.

“Os ratinhos com mais comichão tiveram uma melhoria rápida quando foram tratados com esta droga”, refere o comunicado. “Além disso, ao serem tratados com os bloqueadores do PAR1, os ratinhos deixaram de sentir comichão face ao toque leve [a tal alocinese]”. No artigo científico, os autores dizem ainda que a descoberta deste mecanismo envolvido na comichão pode contribuir para vir a descobrir uma maneira de inibir a sinalização entre a enzima V8 e o receptor PAR1 para tratar comichão.

Isaac Chiu, um dos autores do estudo e professor da Universidade de Harvard, diz que a sua equipa quer agora ir para além da bactéria Staphylococcus aureus. Até porque a sensação de comichão, que nos leva a coçarmo-nos, é uma questão que que há muito intriga a comunidade científica. “Sabemos que muitos micróbios, incluindo fungos, vírus e bactérias, causam comichão. Mas como a causam é que não é claro”, nota Isaac Chiu.

Texto editado por Teresa Firmino

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