Cientista portuguesa ganha bolsa europeia para pensar o espaço marinho da Antárctida

Catarina Frazão Santos ganhou 1,5 milhões de euros do Conselho Europeu de Investigação para estudar o ordenamento do espaço marinho da Antárctida e daí tirar lições para o resto do mundo.

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A investigadora Catarina Frazão Santos DR
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A investigadora Catarina Frazão Santos recebeu uma bolsa do Conselho Europeu de Investigação (ERC) de quase 1,5 milhões de euros num projecto para investigar os processos de ordenamento do espaço marinho da Antárctida a pensar na adaptação e mitigação às alterações climáticas – informou esta terça-feira, em comunicado, a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde a cientista portuguesa é investigadora e docente.

Há sete anos que Catarina Frazão Santos começou a fazer investigação na área do planeamento do espaço marinho, alterações climáticas e sustentabilidade do oceano. Especializada em ordenamento do espaço marinho e sustentabilidade, quis investigar a ligação entre estas questões e as alterações climáticas. “Estudei de que maneira é que o ordenamento de espaço marinho era afectado pelas alterações climáticas e como se podia adaptar e contribuir para diminuir os seus efeitos”, diz a cientista ao PÚBLICO, definindo a sua área de estudo como a “organização do uso do mar no espaço e no tempo”: “Ou seja, diminuir o conflito entre o uso [do mar pelos humanos] e o ambiente.”

Foi com isto em mente que Catarina Frazão Santos desenvolveu o projecto “Planeamento do Uso Sustentável do Oceano na Antárctida num contexto de Alterações Ambientais Globais” (PLAnT), que recebeu agora do ERC uma bolsa de “arranque” (starting grant, em inglês), juntando-se a vários outros portugueses que este ano já receberam bolsa deste organismo financiador da ciência europeia. Mas desta vez irá centrar-se no oceano Antárctico, local que Catarina Frazão Santos considera não ser tão estudado nestas questões, ainda que tenha grande importância ambiental.

“Pela primeira vez, um processo de ordenamento do espaço marinho de larga escala vai ser pensado para uma área gerida internacionalmente (fora de jurisdições nacionais)”, destaca ainda o comunicado.

O trabalho de investigação tem assim como propósito desenvolver uma nova visão sobre o estado actual e as condições futuras dos sistemas ecológicos marinhos na Antárctida, bem como a sua conservação e gestão. “[O objectivo é] contribuir para um oceano sustentável, mas garantindo que o conservamos ao mesmo tempo”, afirma Catarina Frazão Santos. “Não vamos conseguir usar o oceano se não o conservarmos, por isso o objectivo final é apoiar a sustentabilidade do oceano.”

Cinco pilares

Esta tarefa terá uma duração de cinco anos, com o início no primeiro trimestre de 2024. Embora o trabalho esteja centrado na Antárctida, a cientista e a sua equipa esperam que o projecto PLAnT consiga identificar e criar soluções e aprendizagens que depois possam ser transferidas para outras regiões do planeta. A investigadora explica que a Antárctida é uma região com “um papel fundamental na regulação da saúde do oceano e na regulação climática”, por isso, tudo o que ocorre nesta zona irá afectar as restantes regiões costeiras a nível mundial. “Se conseguirmos ajudar a que a Antárctida seja gerida de uma forma ainda mais sustentável, isso vai ter impactos sociais e ambientais muito grandes.”

Os trabalhos vão assentar em cinco grandes pilares de investigação. O primeiro passará por identificar e caracterizar a situação de base tanto dos ecossistemas marinhos da região como a presença humana. “Iremos determinar o que é que existe em termos de uso humano, quais são as expressões humanas [naquele ambiente], quais são os ecossistemas mais importantes de proteger e as áreas de conservação”, explica Catarina Frazão Santos.

O segundo pilar passará por olhar para o futuro. “Iremos analisar como é que esperamos que evolua a situação, tendo em conta as alterações climáticas, e quais são os futuros possíveis, dependendo das acções que se tomam”, diz a cientista. Isto terá dois lados: o lado científico da modulação climática e ecológica; e o das ciências sociais em que, através da observação do estado dos ecossistemas e de entrevistas com especialistas, serão criadas narrativas e cenários imaginados, tanto do que poderá ser o futuro do ordenamento marinho da Antárctica como das suas futuras condições climáticas e ambientais.

O terceiro pilar incluirá a identificação de soluções para os problemas detectados, a nível da adaptação e mitigação climática, e que sejam apoiados “pelo ordenamento do espaço marinho.” Já o quarto pilar consistirá nas questões legais e políticas e na reflexão das limitações a nível social e económico que travem a aplicação de medidas.

Por fim, o quinto pilar irá analisar as potencialidades de transferência das aprendizagens e soluções para o resto do mundo, algo cada vez mais prioritário numa altura de crise climática. “Integrar [as medidas de combate] às alterações climáticas no planeamento do espaço marinho é uma das prioridades estabelecidas pela UNESCO e pela Comissão Europeia para os próximos cinco anos”, destaca Catarina Frazão Santos.

Que tipo de soluções?

O resultado final desta investigação científica poderá vir a ser, por exemplo, a alteração de zonas de pesca ou a criação de mais áreas marinhas protegidas na Antárctida, mas só se saberá com certeza no final dos cinco anos. Uma coisa é certa, as propostas finais irão ser apresentadas aos países-membros do Tratado da Antárctida, de que Portugal faz parte. Este tratado, de 1959, tem como objectivo promover a cooperação internacional relativamente à exploração e investigação científica da Antárctida. Assim sendo, a esperança é que, ao abrigo deste tratado internacional, se tomem decisões que apliquem as propostas.

Os quase 1,5 milhões de euros atribuídos agora pelo Conselho Europeu de Investigação vêm assim impulsionar o trabalho da cientista portuguesa. “De outra forma, não teríamos recursos para atacar este problema em tantas frentes”, conclui Catarina Frazão Santos.

Texto editado por Teresa Firmino

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