Príncipe Alberto II do Mónaco quer mais três áreas marinhas protegidas na Antárctida

A defesa dos oceanos dos pólos é, em última análise, uma questão política, como realçou o príncipe Alberto II do Mónaco, que esteve numa sessão no Oceanário de Lisboa dedicada às regiões polares. Outra “alteza” esteve também presente.

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O príncipe Alberto II do Mónaco esta terça-feira no Oceanário de Lisboa Gaetan Luci/Palais Princier

Assim que entrou no auditório, todos se levantaram. O Príncipe Alberto II do Mónaco, que veio à Conferência das Nações Unidas dos Oceanos em Lisboa, quis realçar o papel político que as regiões polares têm nas questões globais do oceano, para lá do papel geofísico e biológico. “Os pólos são de facto um componente-chave do sistema oceânico”, começou por dizer Sua Alteza Sereníssima (SAS), como é tratado, perante um auditório repleto no Oceanário de Lisboa ao fim da tarde de terça-feira. “Da minha parte, devo destacar até que ponto este papel é também de natureza política, na medida em que a maioria dos desafios que enfrentamos na implementação de acções para o oceano está concentrada nos pólos”, referiu Alberto II na sessão Oceanos Polares: Motor para um Oceano Global.

As regiões polares, segundo Alberto II do Mónaco, são um laboratório onde confluem e se concentram os desafios e dificuldades globais relativos ao oceano, elencando de seguida alguns desses problemas. “Há uma dificuldade em levar a cabo uma acção global para combater as alterações do clima, que sabemos que representam a principal ameaça que paira sobre estas regiões”, disse, acrescentando que a acumulação de problemas ambientais nas regiões marinhas polares tem aí um efeito multiplicador. “Há também a crescente cobiça de certos interesses privados, que aumentam rapidamente à volta dos pólos, à medida que o aquecimento e o progresso tecnológico tornam o seu acesso mais fácil.”

Depois, veio a parte política. “Há uma complexidade política – que é maior nas regiões polares do que em qualquer outro lado –, que tem sido mais exacerbada pela actual tensão internacional. Isto é uma ilustração das dificuldades que enfrentamos sempre que queremos avançar com soluções multilaterais para o oceano, especialmente no alto-mar.”

O melindre das questões políticas nas regiões polares foi retomado por Olivier Poivre D’Arvor, embaixador para os pólos e desafios marítimos de França, no encerramento da sessão no Oceanário de Lisboa, organizada pela Fundação de Alberto II do Mónaco, o Instituto Oceanográfico do Mónaco e a Fundação Oceano Azul. “A situação é crítica”, considerou Olivier Poivre D’Arvor: “Para concluir com más notícias, a juntar às alterações climáticas, enfrentamos uma grande desordem geopolítica. A 24 de Fevereiro a guerra começou e o mapa do Árctico mudou muito”, disse ainda, realçando que a situação nos pólos é “muito preocupante”. “Não estamos numa área sossegada nos dois pólos.”

Apesar das dificuldades, as regiões polares também oferecem perspectivas de soluções, realçou, desde logo um “trabalho científico concertado” – “o trabalho cientifico é absolutamente essencial” – e a partilha de conhecimento entre peritos. Por isso, disse, a Fundação Príncipe Alberto II do Mónaco lançou este ano uma iniciativa que reunirá especialistas do Árctico e da Antárctida de dois em dois anos no Mónaco, como já aconteceu num simpósio em Fevereiro deste ano.

“Outro aspecto do laboratório representado pelos pólos é o das campanhas de consciencialização do público em geral que precisamos de levar a cabo, bem como dos actores políticos e económicos e, para isso, o Instituto Oceanográfico [do Mónaco] é uma ferramenta inestimável.”

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A oceanógrafa Sylvia Earl também esteve na conferência Nuno Ferreira Santos

As três áreas a proteger na Antárctida

Por fim, Alberto II destacou as iniciativas concretas de conservação nas regiões polares, que “também desempenham um papel central na nossa ambição de proteger o oceano”: “Estou a pensar em particular nas áreas marinhas protegidas, como aquela que foi criada há alguns anos no Mar de Ross, em que estive activamente envolvido. Precisamos de continuar estes esforços, especialmente no Árctico e em três áreas prioritárias da Antárctica: a Península Antárctica, o Mar de Weddell e a Antárctida Oriental.”

Criada em 2016, a área marinha protegida no Mar de Ross tem 1,5 milhões de quilómetros quadrados. Além desta, neste momento existe apenas uma outra área marinha protegida no oceano Antárctico, a sul das ilhas Órcades do Sul, criada em 2009, com 94 mil quilómetros quadrados. Alberto II estava assim a defender a criação de um gigantesco santuário no oceano Antárctico, composto por três novas áreas, e que tem saltado de ano para ano, desde que a proposta foi avançada em 2010 pela Austrália, França e a União Europeia. Os entraves políticos têm surgido, no entanto, pelo caminho, uma vez que a China e a Rússia não querem que a pesca seja proibida nessas áreas.

“Estas áreas marinhas protegidas, incluindo em águas internacionais, devem inspirar o nosso programa mais abrangente de trabalho pelo oceano. É por isso que os pólos, cujo papel físico e biológico é tão importante para todo o sistema oceânico, também desempenham um papel central do ponto de vista político”, rematou Alberto II, que horas antes, numa sessão na Conferência das Nações Unidas dos Oceanos, tinha falado dos esforços do Principado do Mónaco em prol do oceano, em particular de uma iniciativa para lutar contra a poluição dos plásticos no Mediterrâneo, a BeMed, lançada pela sua fundação em colaboração com outras entidades.

Do simpósio de Fevereiro no Mónaco resultou “uma chamada para a acção imediata” de protecção das regiões polares, que foi divulgada após a sessão no Oceanário de Lisboa. Tem cinco pontos: combater as alterações climáticas é de máxima “urgência”; aumentar o investimento na investigação polar é crucial; há que minimizar outras pressões, como a poluição e a invasão de espécies; pôr as comunidades científicas do Árctico e da Antárctida a trabalhar em conjunto; e dar voz e visibilidade às questões polares na sociedade, para lá da comunidade científica.

A sessão, onde vários cientistas e outras vozes chamaram a atenção para o seu trabalho relativo às regiões polares, tinha sido aberta por José Soares dos Santos, presidente do conselho de administração da Fundação Oceano Azul, que destacou a voz que Alberto II do Mónaco tem sido em defesa do oceano. A meio das boas-vindas, entrou no auditório uma outra “alteza” – Sylvia Earle, oceanógrafa, exploradora do mar profundo e, aos 86 anos, uma defensora activa do oceano e do planeta. Recebeu de todos um aplauso e Alberto II levantou-se. Pelas suas aventuras como aquanauta nos anos 70, em que caminhou no fundo do mar com um fato de mergulho especial, a 381 metros de profundidade, durante mais de duas horas, Sylvia Earle ganhou a alcunha de “Sua Alteza das Profundezas”. Neste encontro de altezas em defesa do oceano, Sylvia Earle sentou-se na fila da frente do auditório.

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