“Carros não são o inimigo”, mas há que usá-los com moderação

No debate “Para quando menos carros?”, organizado pela associação Zero em parceria com o PÚBLICO, discutiram-se soluções possíveis para resgatar a cidade dos carros.

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Tornar os transportes públicos mais atractivos e eficazes é a principal solução para a redução de automóveis nas cidades Tiago Bernardo Lopes
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Foi com uma certa unanimidade que se concluiu, esta segunda-feira, o debate “Para quando menos carros?”, que teve lugar na Casa Comum, no Porto: os carros não deixarão de existir, mas é necessário reduzir a sua utilização e, principalmente, a necessidade da sua utilização nas cidades. Algumas das soluções avançadas passam não apenas por tornar os transportes públicos mais atractivos e eficazes, mas por formas de penalizar a utilização de carros e reduzir o espaço a eles destinado na via pública.

Organizado pela associação ambientalista Zero em parceria com o PÚBLICO, este foi o primeiro de dois debates dedicados aos desafios da mobilidade no Porto e em Lisboa, promovendo reflexões sobre os caminhos possíveis rumo a um futuro sem carros.

Para o investigador Álvaro Costa, do Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente, as políticas públicas têm desempenhado o seu papel no caminho para a mobilidade sustentável no Porto, destacando como exemplo a construção de novas linhas de metro na cidade do Porto, em particular a futura linha Rubi, um “quarto atravessamento” de Vila Nova de Gaia para o Porto.

O académico explica que o trânsito no Porto se deve não apenas à falta de oferta de transportes públicos na metrópole, mas também à degradação das redes de transporte nos concelhos periféricos. Álvaro Costa considera também “que o problema não está no preço” dos transportes públicos - aliás, para o investigador, a descida do preço nos passes metropolitano foi mesmo um “momento de disrupção”, que trouxe consigo um certo congestionamento dos sistemas no caso do Porto.

Planeamento e diálogo

Na mesma linha, também Jorge Morgado, director do gabinete de comunicação da Metro do Porto, avança que estão a ser feitos investimentos consideráveis no que chama de “Metro 2.0”. Esta junção de novas linhas de metro "metrobus" irão, segundo o responsável da Metro do Porto, retirar “34.360 automóveis das ruas do Porto até 2026”. Jorge Morgado traz ainda para o debate o que considera serem as três linhas orientadoras para uma mobilidade sustentável: a mobilidade pedonal, a promoção do transporte público e a penalização da utilização dos automóveis.

É preciso, contudo, olhar para outras dimensões do planeamento do espaço público. Hugo Silveira Pereira, representante do Movimento Jardim Ferroviário Boavista, falou sobre as motivações do movimento cívico que se opôs à criação de um El Corte Inglés na zona da antiga estação ferroviária da Boavista, apresentando uma proposta alternativa que consiste na criação de um jardim.

De acordo com o representante do movimento, a criação de um novo centro comercial na Boavista vai na direcção contrária às políticas de redução de automóveis na cidade. Este projecto iria “aumentar consideravelmente a circulação de carros numa zona, por si só, já congestionada”, para além do impacto na qualidade do ar e na poluição sonora da área, explicou. A contraproposta do movimento é a construção de uma “zona verde” na antiga paragem ferroviária, mas Hugo Silveira Pereira avança que “existe pouca vontade política” em que a sua proposta seja implementada.

Devolver as ruas aos peões

Na segunda parte do debate, dedicada a estratégias e políticas para o futuro, o urbanista Daniel Casas-Valle sublinhou a importância de “reduzir o espaço dos carros na cidade”. A construção de ciclovias, conjugada com o aumento da largura dos passeios, tiraria “espaço aos carros” devolvendo a via pública aos peões.

Também Peter Füssy, jornalista e escritor, apresenta uma visão semelhante. Para o autor do livro infantil Se Essa Rua Fosse Minha, que veio para o Porto com a família depois de viver quatro anos em Amesterdão (Países Baixos), é essencial a fiscalização e penalização dos carros, principalmente quando estão estacionados em cima dos passeios ou nas faixas bus. “Os carros já têm 90% dos espaços públicos, é necessário transformar isso”, reforça o escritor brasileiro.

Teresa Stanislau, do Conselho de Gerência da STCP Serviços, começa por dizer que “o carro não é o inimigo, mas deve ser utilizado com parcimónia”. Tal como os outros oradores, a engenheira concorda que as redes de transporte público não se encontram ajustadas às necessidades da população e que existe pouca coordenação entre entidades.

Para a especialista em transportes públicos, quando se fala de mobilidade, os municípios “isolados” têm muito pouco poder, sendo necessária a comunicação entre as diferentes autarquias e entidades públicas e privadas. Quando não existe articulação, conclui Teresa Stanislau, o resultado são “grandes distâncias percorridas a pé e longos tempos de espera”, o que reduz a atractividade do transporte público.

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