A revolução das pequenas (e das não tão pequenas) coisas

Propus-me, como deputado, a resolver problemas e não apenas ser um grilo falante. Saibamos continuar e, nos três anos de mandato que temos pela frente, cumprir, renovar e honrar esse compromisso.

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Quatro anos depois de tomar posse como deputado à Assembleia da República, cumpridos no passado dia 25 outubro, cabe-me um exercício de prestação de contas. Foram anos intensos, de intervenção e aprendizagem, partilhados com outros deputados, jovens socialistas e não só, em especial com a confiança dos meus líderes parlamentares, Ana Catarina Mendes e Eurico Brilhante Dias, e que me permitiram participar num conjunto de reformas legislativas que, todas juntas, perfazem o que poderíamos chamar de uma “revolução das pequenas coisas”.

Cheguei ao Parlamento como o deputado mais jovem do hemiciclo aos 25 anos. Estar na posição de deputado significa, para mim, ser empreendedor de políticas públicas, com toda a responsabilidade que isso acarreta – escutar, investigar, pensar, propor. Nesses dias iniciais, depois do PAN ter avançado com um projeto inicial, escrevi a primeira versão do projeto do PS da Lei de Bases do Clima. Este processo, que avançou a várias mãos dentro e fora do PS, viria a ser concluído apenas dois anos depois, em novembro de 2021. Foi (e talvez ainda seja) dos mais desafiantes exercícios de construção de política pública em que já participei – não só pelo impacto que as alterações climáticas podem ter no nosso planeta e nas nossas condições de vida, mas também pela sua elaboração participativa, ambição programática e exigência sistémica.

Esses primeiros meses colocaram-me também o desafio de coordenar o Grupo de Trabalho das Comissões Bancárias, liderando a fusão de ambiciosos projetos que vieram limitar as comissões bancárias no crédito habitação e no MB Way. Este primeiro pacote de 2020 já teve sequência numa nova iniciativa de comissões bancárias nesta legislatura, apoiando também a renegociação de créditos neste momento tão difícil da subida das taxas de juro.

Os Orçamentos do Estado revelaram-se, a cada ano, exercícios crescentemente frutíferos, com a Juventude Socialista a credibilizar-se como construtora de soluções. Podemo-nos orgulhar que, graças à nossa ação, há jovens que no momento da matrícula já sabem que vão ter bolsa de ação social. As propinas têm sido congeladas e agora vão mesmo ser devolvidas. O complemento de alojamento foi mais que duplicado e foi criado o complemento de deslocação, bem como o programa de promoção de saúde mental no ensino superior. A par do IRS jovem, que este ano vai ser reforçado, vamos reformar o IRS dos recibos verdes e introduzimos no Acordo de Rendimentos um incentivo a valorização salarial e apoios à contratação sem termo e com um salário acima da média, tanto no público como no privado. Também assim conseguimos aprovar um programa-piloto de semana de quatro dias, proposta que partilhámos com o Livre, bem como o reforço do financiamento das políticas de integração de imigrantes e minorias étnicas, entre dezenas de outras iniciativas.

A força de termos, numa primeira fase sete e, depois, numa segunda, dez deputados jovens socialistas, assegurou que, na reforma das ordens profissionais, acabássemos com os estágios não-remunerados e exames que repetem o que foi avaliado na faculdade. Foi essa força que acabou com a discriminação na dádiva de sangue para homens que fazem sexo com homens e que está a criminalizar as terapias de conversão e agilizar mudanças de registos do sexo, num trabalho da JS em conjunto com a Isabel Moreira e o Pedro Delgado Alves. A pandemia marcou de forma incontornável este quadriénio. Muitas vezes levantámos a voz para assegurar melhor proteção dos jovens trabalhadores, dos estudantes e dos serviços essenciais. Na regulamentação do teletrabalho conseguimos mesmo incluir uma regra que fez notícia internacionalmente ao estabelecer um dever de não-conexão do empregador associado ao direito a desligar.

Trabalhámos em conjunto com o Governo, a começar pelo próprio primeiro-ministro, influenciando a sua ação. Alargou-se, assim, o Porta 65, passando a ser um programa que apoia todos os candidatos elegíveis e não só os que cabem dentro do financiamento inicialmente atribuído. Avançámos também na atribuição automática de prestações sociais, bem como na fiscalização do cumprimento das leis laborais, onde já 350.000 trabalhadores beneficiaram de uma ação inspetiva da ACT para travar os contratos a termo que já tinham passado o termo máximo que podiam ter. A estas medidas somam-se dezenas de outras, como a saída da Carta da Energia, a limitação da queima de madeira de qualidade nas centrais de biomassa ou a ratificação do protocolo de Trabalho Forçado da OIT, corporizado em mais de 250 intervenções, das quais 62 em plenário e com uma Comissão de Inquérito ao Novo Banco pelo meio.

A conquista que ainda hoje mais me comove é o Direito ao Esquecimento. Construído a partir de experiências reais de discriminação relatadas por sobreviventes de cancro num Congresso do PS e na comunicação social, este é um bom exemplo de como o Parlamento ouve os cidadãos que representa. Foi um projeto que encontrou muitas resistências, incluindo reguladores que diziam que o problema não existia e que era, quando muito, uma tempestade num copo de água. Hoje qualquer sobrevivente oncológico, diabético, seropositivo, qualquer doente crónico ou que tenha superado uma doença grave pode, num prazo de entre dois e dez anos definido claramente na lei, ver protegido o seu acesso a um seguro de vida ou crédito à habitação e não ser discriminado no preço desses produtos financeiros. No fundo, poderão viver a sua vida com normalidade, sem ser definidos pela doença.

Não faltam problemas ao país. Ainda há muito a fazer para que a minha geração encontre um futuro melhor em Portugal. Há lutas que se apresentam mais difíceis, como o regresso dos estudantes ao Conselho Pedagógico das escolas, o apoio à compra da primeira habitação ou a diminuição do enorme hiato salarial com a Europa. Há outras com horizonte de esperança, como é o caso da legalização da cannabis, entretanto aprovada na Alemanha e para o qual o PS já prometeu publicamente ponderar uma iniciativa no início de 2024. Motivado para o que ainda falta fazer, posso dizer que, quatro anos depois, tenho um sentimento de realização por tudo o que fizemos em conjunto.

Propus-me, como deputado, a resolver problemas e não apenas ser um grilo falante. Acredito que esta revolução de pequenas (e não tão pequenas) coisas pode ser uma sementeira de esperança na capacidade transformadora da ação política. Saibamos continuar e, nos três anos de mandato que temos pela frente, cumprir, renovar e honrar esse compromisso.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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