Portugal já rompeu com o Tratado da Carta da Energia

Ambientalistas saúdam abandono de “um acordo danoso” para o clima, que “protege” empresas de combustíveis fósseis. É oficial: em linha com Bruxelas, Portugal rompeu com o Tratado da Carta da Energia.

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Complexo de centrais a carvão em Colónia, na Alemanha Reuters/Wolfgang Rattay
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Portugal já abandonou o Tratado da Carta da Energia, alinhando-se assim com a posição da Comissão Europeia sobre esta convenção multilateral. A conclusão do processo de denúncia foi anunciada quarta-feira na página da Assembleia da República.

O acordo internacional permite que companhias que operam na área da energia – incluindo aquelas ligadas aos combustíveis fósseis – processem países cuja moldura legal interfere com os seus interesses.

A associação ambientalista Zero “saúda” o anúncio oficial da denúncia de “um tratado danoso do ponto de vista climático”. A entidade defende que o acordo constitui um obstáculo à transição climática porque protege os interesses da indústria do petróleo, gás e carvão.

“O tratado protegia investimentos associados aos combustíveis fósseis que implicam emissões [de gases com efeito de estufa] que vão muito além daquilo que é compatível com o Acordo de Paris”, afirma ao PÚBLICO Pedro Nunes, ambientalista da Zero, numa chamada telefónica.

Juntamente com a Troca (a Plataforma por um Comércio Internacional Justo), há muito que a Zero exigia que Portugal rompesse com convenção, a exemplo do que a pioneira Itália fez em 2016.

“Desde o final do ano passado, uma série de Estados-Membros da União Europeia, entre os quais a França, a Espanha, a Alemanha, a Polónia, os Países Baixos, a Eslovénia e o Luxemburgo anunciaram a saída unilateral do tratado, criando assim condições para o volta-face da Comissão – opção que também tinha já obtido o apoio do Parlamento Europeu”, lê-se num comunicado conjunto divulgado, em Julho, pelas duas organizações.

Intimidação de Estados-membros

Uma investigação realizada pela Investigate Europe em 2021 revelou vários aspectos problemáticos da convenção então subscrita por 55 países. Entre as fragilidades do acordo está o facto de ser unilateral e estar redigido de forma pouco clara. Um exemplo: segundo o documento, as empresas podem processar os Estados sempre que estas sentirem que estão a ser tratadas “injustamente”.

Sob o título O tratado, assinado em Lisboa, que incentiva o aquecimento global, o trabalho jornalístico mostra como investidores usaram o acordo para intimidar Estados-membros da União Europeia, exigindo indemnizações da ordem dos milhares de milhões. E revela ainda como a convenção multilateral protege, só na Europa, infra-estruturas energéticas no valor de 344,6 mil milhões de euros.

“Por exemplo, a RWE e a Uniper, duas gigantes energéticas, estão ambas a processar judicialmente o governo holandês exigindo milhares de milhões de euros devido à sua política de encerramento de centrais termoeléctricas alimentadas a carvão. As empresas de combustíveis fósseis servem-se assim do Tratado da Carta da Energia para bloquear políticas públicas que visam mitigar a crise climática”, lê-se na nota de imprensa da Zero e da Troca.

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