As alterações climáticas entre a política e os tribunais

Qual o papel do direito e dos tribunais num tema difícil e sujeito a um debate com inegável dimensão política? Será legítimo utilizar os tribunais para resolver um problema político?

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As alterações climáticas são hoje um tema politicamente incontornável. O lugar que ocupa é fruto dos previsíveis impactos que se sentem e antecipam, mas é sobretudo resultado da ação de grupos ambientalistas de uma sociedade civil progressivamente descontente com a transição – ou falta dela – para modelos socioeconomicamente sustentáveis. Muito se fala acerca das ações políticas, mais ou menos controversas ou mediáticas, destes grupos de ativistas. Mas, para lá das ações de mobilização da opinião pública e de pressão sobre governos, há um outro instrumento – mais discreto, mas porventura mais consequente – que cada vez mais utilizam: o direito.

O contínuo aumento do número de casos de litigância climática está demonstrado. Mas não se trata apenas de uma evolução quantitativa, fruto de um frenesim ativista: seja qual for o critério para análise destes casos – sujeitos, jurisdições, ou fundamentos – o recurso aos tribunais com o objetivo de forçar a adoção de melhores decisões e práticas por governos e empresas espelha a multidimensionalidade do problema.

Isto convoca a questão: qual o papel do direito e dos tribunais num tema difícil e sujeito a um debate com inegável dimensão política? O direito serve sempre o modelo económico e político vigente e é o garante de uma certa ordem social. É pouco adequado para lidar com disrupções, e as alterações climáticas são, inegavelmente, um tema social, económica e juridicamente disruptivo, que mexe com as nossas opções individuais e coletivas, terá cada vez mais impactos no nosso quotidiano, no emprego, na nossa qualidade de vida. São um fenómeno multicausal, com origens difusas e consequências transfronteiriças e intergeracionais. E tudo isto cria casos difíceis, permeáveis à ideologia e à politização. Será legítimo utilizar os tribunais para resolver um problema político, especialmente em regimes democráticos?

Os juízes estão bem conscientes de que, nestas ações, a definição da linha que separa a política do direito é sempre uma questão central. As decisões nos famosos casos Urgenda, Friends of the Irish Environment ou Neubauer sublinham que não estão a pôr em causa a legítima discricionariedade do poder político, porque será o poder político a decidir como atingir certo objetivo. Contudo, afirmam, há também deveres jurídicos internacionais, europeus, nacionais – e a sua garantia é função dos tribunais.

A definição do que sejam esses deveres e o mínimo de ação que fica fora do alcance da política é uma questão jurídica de inesgotável complexidade. Convoca princípios estruturantes, como a separação de poderes, e uma teia de normas jurídicas cuja aplicação em contexto de alterações climáticas só agora está a ser revelada pelos tribunais, e que depende da evolução do conhecimento científico – não só enquanto forma de revelação dos factos, mas também como acesso a uma previsão do futuro que nos aguarda conforme as decisões que tomemos agora.

Por tudo isto, é uma questão que não pode deixar de ser respondida – ou, pelo menos, à qual não podemos deixar de tentar responder.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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