Advogados: nós e os outros

A decisão unilateral assumida pela direção da Ordem dos Advogados de vedar a inscrição directa a advogados brasileiros surgiu eivada de manifesta ilegalidade.

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Desde 5 de julho último que foi colocado um termo abrupto ao acordo de reciprocidade luso-brasileiro existente entre as duas ordens profissionais respetivas, passando a estar vedada em Portugal a inscrição direta de advogados da nossa nação irmã, cuja formação académica tivesse sido realizada em qualquer dos dois países.

A decisão unilateral assumida pela direção da Ordem dos Advogados portugueses surgiu eivada de manifesta ilegalidade por violação direta do n.º 2 do art.º 201.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) e do n.º 2 do art.º 17.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, normas em pleno vigor no momento de fecho de portas, sendo lícito a qualquer advogado brasileiro que quisesse inscrever-se na nossa Ordem e que visse a sua intenção ser barrada socorrer-se dos tribunais para o fazer.

A Ordem dos Advogados sempre pautou a sua conduta e imagem externa pela solidez inabalável do estrito respeito da lei e do estado de direito. De igual modo, os sdvogados portugueses sempre assumiram a sua vertente de atuação internacional e de cooperação estreita e profícua com os países irmãos da comunidade lusófona. Como se pode compreender uma posição de intransigência, de isolamento e de desrespeito pela lei e pela dignidade profissional dos advogados brasileiros?

Esta atuação surgiu ao arrepio da orientação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que na sua última cimeira renovou a aposta numa agilização crescente da circulação dos cidadãos e na fixação nos países-membros, valorizando a diversidade, a troca de experiências e de conhecimento, não se percebendo o presente retrocesso civilizacional adotado por uma instituição que deveria estar na vanguarda da promoção de valores de igualdade de cidadania em todas as suas vertentes, bem como, na defesa do progresso social e profissional de quem representa.

Não se procurou melhorar a situação existente, analisar a qualidade da prestação de serviços, incentivar a formação, sentir e avaliar a interação com estes profissionais que assumiram o nosso país enquanto projeto de vida.

E pergunta-se, qual foi a posição da nossa ministra da Justiça? Nenhuma… A responsável pela tutela da legalidade da Ordem dos Advogados, nos termos do art.º 227.º do EOA, permaneceu alheada deste e da globalidade dos gravíssimos problemas do setor que está a um pequeno passo de implodir.

E agora?

A recente alteração legislativa das normas que regulam o exercício da advocacia, aprovada há dias no Parlamento, revogou a disposição referente à reciprocidade e à inscrição direta dos profissionais brasileiros que tanto afligia a atual direção da Ordem dos Advogados, como uma aparente parca moeda de troca para a perda de atos próprios, para uma remuneração de estágios sem que existam meios para o fazer ou para uma perda de autonomia e de independência da entidade representativa da classe.

Adotou-se uma lógica de nós e os outros, o nacional e o estrangeiro, em detrimento de uma livre circulação entre países irmãos e de um auxílio a uma renovação profissional necessária, sustentada e estruturada da advocacia, quando Portugal vê em cada ano que passa o êxodo crescente dos nossos melhores quadros jovens para o exterior, ficando, assim, uma profissão fechada sobre si própria, com medo da suposta concorrência de quem vem de fora, o que, na realidade, pouco ou nada contribui para a evolução e modernização de uma advocacia aberta ao mundo e aos seus pares.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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