“Acredito que a felicidade deve ser a máxima dos pais: fazer os filhos felizes”

Qualquer pai já deu por si a pensar “Por que é que o meu filho se comporta assim?”. O livro do pediatra Hugo Rodrigues responde a esta e a outras questões, sem querer ser impositivo.

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"A pediatria, hoje em dia, é mais uma especialidade de questões comportamentais" Contraponto

Hugo Rodrigues é pediatra em Viana de Castelo. Como se a profissão não o fizesse pensar o suficiente no comportamento infantil, também é pai. O médico, que promete ajudar os pais a “desligar o 'complicómetro'”, é docente na Escola Superior de Saúde de Viana do Castelo e na Escola de Medicina da Universidade do Minho. Ademais, é autor do projecto Pediatria para Todos, onde fala sobre o tema nos seus canais de YouTube, Facebook, Instagram e no seu site.

Para o especialista não há uma fórmula única para se educar e cabe aos profissionais de saúde mostrar os diferentes caminhos aos pais, para que sejam eles a escolher. E nem sequer devem ficar presos a um, acrescenta. “Dou sempre várias opções para que, se hoje tentam uma e não funciona, amanhã tentam outra. A ideia não é ditar o caminho certo, mas que as pessoas percebam que isto é um caminho de descoberta.”

Afinal, defende o autor de O Livro do seu Bebé e O Livro Mágico do Avô João, e que agora lançou Porque é que o meu filho se comporta assim? , o caminho é a felicidade. E defende um ponto que considera polémico, que a pandemia não prejudicou os mais novos porque estes puderam estar com os pais. “A maioria das crianças teve tudo aquilo que, infelizmente, não têm no dia-a-dia: horas a fio com os pais.”

Porquê escrever sobre comportamento infantil?
A pediatria, hoje em dia, é mais uma especialidade de questões comportamentais, do que propriamente de doenças infantis, como dita a visão clássica. A melhoria das questões económicas, das questões higiénico-sanitárias da população, as vacinas — que felizmente foram um avanço tremendo ao nível das doenças infecciosas pediátricas —, fizeram com que as doenças começassem a ser menos frequentes. Por isso, temos, cada vez mais, pais preocupados com as questões comportamentais.

Há algum potenciador dessa preocupação?
Sem dúvida, é relativamente recente, mas nota-se cada vez mais: a pressão das redes sociais e dos grupos de mães nas mesmas. Há alguns profissionais muito específicos de algumas áreas que, mesmo que com boa intenção, vão criando pressões aos pais. Geram comparações que são muitas vezes dores de cabeça e que, apesar de serem evitáveis, parecem inevitáveis porque estão em todo o lado.

As redes sociais ainda têm outra agravante, que é o facto de, maioritariamente, só mostrarem o lado cor-de-rosa, que não espelha, de todo, a realidade. É normal que existam dificuldades, fazem parte da parentalidade e, se os pais as encararem com leveza e perceberem o porquê de surgirem, dão até alguma piada ao processo.

No fundo, quis fazer o livro para que os pais compreendessem melhor os seus filhos e, depois, com uma série de estratégias, várias e diferentes, que cada família encontre o percurso que faz mais sentido para si.

No livro, a sua abordagem pode ser enquadrada na nova tendência de gentle parenting (educação suave)?
Sempre houve várias designações para vários tipos de parentalidade. Houve a "parentalidade positiva", a "parentalidade consciente", a "parentalidade facilitada". Eu considero que, às vezes, adoptar uma designação dessas pode contribuir para a pressão dos pais.

Porém, se eu tivesse de escolher uma designação para resumir o livro, escolhia "parentalidade feliz". Isto porque acredito que a felicidade deve ser a máxima dos pais: fazer os filhos felizes — dentro das coisas que possam surgir e tentar que eles próprios também sejam felizes com a forma como a dinâmica familiar se desenvolve. Nunca esquecer que os pais também têm de estar bem com eles próprios, na relação entre si, na relação com os filhos. Se as relações estiverem bem, de forma natural a parentalidade vai ser feliz e deve ser esse o objectivo.

O que é que as tendências de parentalidade de que fala trouxeram de bom?
Felizmente, trouxeram a criança como alguém importante dentro da família, com a sua individualidade, com as suas necessidades que se vão traduzir em comportamentos. A forma como se valoriza a criança, a noção de que cada uma tem necessidades próprias que dependem da etapa de desenvolvimento que estão a passar, o olhar para a criança para além de um mero elemento passivo é, sem dúvida, uma mais-valia destas correntes modernas.

Acho que há coisas boas nestas novas formas de ver a parentalidade, mas prefiro mesmo não lhes pôr rótulos, nem os ponho em nenhuma parte do livro precisamente porque tentei ir buscar tudo o que de bom esses modelos trazem, este respeito, a valorização e entendimento da criança e nunca esquecendo que têm de estar todos bem. Sem fundamentalismos.

Como se evita o fundamentalismo?
Temos de passar informação, não impor informação. A função dos profissionais de saúde, seja de que área for, é ajudar os pais a decidir o seu caminho, nunca decidir por eles. Decidir por eles é quase criminoso. Os pais têm de decidir, porque uma das grandes magias de ser mãe ou pai também é poder decidir a educação dos filhos, dentro do bom senso, ou seja, poder tomar as decisões que ajudem os filhos a crescer saudáveis, autónomos e capazes.

Portanto, cada vez que um profissional de saúde tenta forçar a sua opinião, por muito boa que seja a intenção, está errado. Isto porque também não há uma fórmula única e eu, no livro, tento mostrar isso. Dou sempre vários caminhos para que os pais escolham. Dou sempre várias opções para que, se hoje tentam uma e não funciona, amanhã tentam outra. A ideia não é ditar o caminho certo, mas que as pessoas percebam que isto é um caminho de descoberta, para se fazer em família, com todos alinhados.

O que acredita ser a maior dificuldade desta geração de pais?
Diria talvez a forma como gere a informação. Cada vez há mais informação, mas nem sempre esta é conhecimento. Se não houver filtro, se não houver juízo crítico (que eu sei que é extremamente difícil haver nesta fase, porque a altura em que as pessoas estão mais vulneráveis é quando são pais), há mensagens que não vão passar correctamente.

Qual sente ser a maior preocupação entre os pais?
O medo do futuro. E isso é muito perigoso, porque se só pensamos no futuro, acabamos por condicionar as decisões do presente. Cada vez mais, os pais devem procurar investir num bom presente para os filhos, porque se o somatório do tempo presente for bom, naturalmente o futuro também será. Se só nos preocupamos com o que pode acontecer, com o que podemos fazer acontecer e nos prendermos com esses “e se?”, a pergunta que martela sempre a cabeça dos pais, acabamos por deixar para trás situações do presente, que podem ser bem mais importantes. Aí sim, pode ter consequências preocupantes para o futuro.

A cultura do medo tem de ser combatida por todos. Não há determinismo, nem fatalismo, são raríssimas as situações e decisões dos pais que têm consequências inevitáveis para o futuro da criança. Há sempre um dia de amanhã, é sempre possível ir ajustando situações menos boas, é sempre possível ir corrigindo a forma de actuar. Há um dia de amanhã e isto tem que trazer um sorriso aos pais.

E qual sente ser a maior diferença no âmbito comportamental das crianças?
Na minha prática profissional de 15 ou 20 anos não sinto que haja grandes diferenças. São padrões que se vão repetindo. Sei que isto pode soar polémico, mas as necessidades das crianças são muito simples. Querem afecto, segurança, satisfazer as necessidades biológicas de alimentação, de regulação de temperatura corporal e, à medida que vão crescendo, vão querer satisfazer as necessidades de relação com os outros, e de se posicionarem a elas próprias perante os outros e vice-versa. Estas competências geram atitudes e, nesse sentido, é um padrão que se vai repetindo.

Não observou diferenças depois da pandemia?
Acho que nos adolescentes se nota muito mais. Nas crianças, felizmente, não. Talvez no ponto de vista da saúde física, um bocadinho de excesso de peso, alguma dificuldade em gerir actividades motoras e, no imediato, algum constrangimento social, mas que agora já não se nota.

As crianças pequenas, na pandemia, estiveram privadas da sua liberdade, mas a maior parte passou um grande período de tempo com os pais, que são as verdadeiras pessoas de referência em determinadas idades. Mais uma vez, sei que é um comentário polémico, mas, nesse sentido, não foi assim tão negativo. A maioria das crianças teve tudo aquilo que, infelizmente, não têm no dia-a-dia: horas a fio com os pais.

A grande diferença que noto, mas que é para todas as idades, são os ecrãs. Já faziam parte do quotidiano das nossas crianças, mas fazem cada vez mais. Foi um processo claramente acelerado com a pandemia. Fora isto e os efeitos do imediato, acho que não há muito mais diferenças. As crianças são fantásticas, recuperam de quase tudo depois de voltarem a ter aquilo que precisam.


Texto editado por Bárbara Wong

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