Teatro de São Carlos muda-se dois anos para a Boa Hora, uma “prioridade nacional”, e faz digressão pelo país

Edifício estava destinado ao Conselho Superior da Magistratura e juízes. Ocupação será temporária e não haverá récitas no antigo tribunal. Opart vai fazer melhoramentos de cerca de 800 mil euros.

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As equipas do São Carlos passarão a ter lugar na Boa Hora ENRIC VIVES-RUBIO

A equipa do Teatro Nacional de São Carlos (TNSC) vai instalar-se temporariamente no Tribunal da Boa-Hora, em Lisboa, depois de custear novas obras no espaço que já fora intervencionado para acolher a sede do Conselho Superior da Magistratura e gabinetes de juízes de tribunais superiores. Já a sua actividade artística vai percorrer o país, confirmou a presidente do conselho de administração do Organismo de Produção Artística (Opart), que gere o São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado (CNB). O PÚBLICO tinha já noticiado na semana passada que o Ministério da Justiça cedeu ao Teatro Nacional São Carlos o antigo tribunal, apesar de o edifício já se encontrar prometido aos juízes de dois tribunais superiores, que ali iam instalar gabinetes de trabalho.

O TNSC, em Lisboa, vai encerrar para obras de requalificação após Julho de 2024 e depois durante esse período estimado de dois anos, em que terá de "alocar 250 pessoas", o que "obviamente é prioridade nacional", disse terça-feira à Lusa Conceição Amaral, presidente do conselho de administração do Opart. "Foram feitos muitos contactos para tentar encontrar soluções que minimizassem o efeito negativo da nossa actividade, porque encerrar o São Carlos no Chiado ao público não é encerrar a actividade do São Carlos e do Opart", disse a responsável à Lusa, sublinhando a "oportunidade única financeira" de fazer o investimento necessário, através do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), no único teatro de ópera nacional.

Como o PÚBLICO noticiou na passada quinta-feira, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) emitiu na semana passada um comunicado em que se mostra muito preocupado com o problema, surgido num cenário de “forte pressão imobiliária”, e convocou a presidente do tribunal, Guilhermina Freitas, para ser ouvida pelos conselheiros sobre “a gravidade da situação”. O edifício, encerrado desde 2009, seria recuperado para acolher não só gabinetes de magistrados do Supremo e da Relação, tribunais situados nas imediações, como também um museu alusivo à história dos tribunais e a sede do CSM, no âmbito de um protocolo celebrado em 2018. O antigo tribunal, nascido a partir de um convento, foi entretanto alvo de obras no valor de mais de 1,4 milhões de euros, tendo sido reparadas a cobertura, as fachadas, e no interior foram feitas intervenções nos tectos, paredes e pavimento; os claustros também foram limpos, de acordo com o que o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ), responsável pelo projecto, anunciou em meados de 2020. O edifício, porém, manteve-se encerrado.

A Lusa detalha agora que o IGFEJ e a Direcção-Geral do Tesouro entregaram o imóvel por dois anos ao São Carlos, no âmbito do novo protocolo de "cedência temporária" com o Opart assinado em Agosto. "É uma premissa nacional, uma obrigação, que nós temos de continuar a trabalhar e de continuar a fazer uma programação para o território nacional. Para isso precisamos de instalar todos os serviços, os corpos artísticos, a orquestra e coro, espaços e ensaio, sabendo que é muito complexo trabalhar com equipas separadas. Seria impossível ter 250 pessoas a trabalhar em vários andares ou vários espaços da cidade", disse Conceição Amaral à Lusa.

Segundo Conceição Amaral, inicialmente esteve prevista uma solução dessas, mas concluiu-se que "seria caríssimo e impossível de gerir". Foram procurados espaços no Centro Cultural de Belém (CCB), no Palácio Nacional da Ajuda e da GNR para que a equipa do São Carlos tivesse condições para trabalhar, bem como para guardar acervos, figurinos, roupa e outro material.

Foi então que "o Tribunal da Boa Hora foi identificado como uma possibilidade, sabendo que não estava a ser ocupado", diz Conceição Amaral à Lusa. O facto de o imóvel estar encerrado foi alvo de um manifesto assinado por várias figuras do mundo da justiça, como Laborinho Lúcio e Carlos Alexandre, a pedir a sua transformação num espaço museológico, por exemplo; este ano esteve patente no edifício a exposição Sinais da Liberdade – Iconografia da democracia no arquivo Ephemera, de José Pacheco Pereira.

Conceição Amaral sublinha à Lusa que esta é uma solução provisória e que vai beneficiar o imóvel com algumas obras de melhoramento, financeiramente suportadas pelo Opart –​ a responsável acredita que o orçamento para a intervenção ficará abaixo dos 700/800 mil euros, valor identificado num levantamento. "O Opart limpa, acompanha, vai tratar da canalização, vai tratar da electricidade, vai pintar, vai arranjar o chão, e tudo o que nós fizermos obviamente não vem connosco, ficará para que de futuro seja usufruído por quem vier a seguir." Conceição Amaral diz à Lusa que a limpeza do espaço já está a começar.

A principal razão que levou à escolha do Tribunal da Boa Hora prende-se com o facto de ficar "a cinco minutos do São Carlos", de facilitar o "trabalho artístico de um coro, de uma orquestra e de equipas técnicas, e o acompanhamento de uma obra que se quer rigorosa e feita ao minuto, ao dia, porque o prazo é muito curto para uma execução do maior investimento do PRR na Cultura".

A actividade do teatro decorrerá normalmente até Julho de 2024 – com actividade interna até Junho e o Festival ao Largo no mês seguinte – a que se seguirá a mudança, escreve a Lusa. Amaral acredita que após o encerramento ao público para as mudanças, "talvez em Setembro, Outubro, a maior parte das equipas – estamos a falar de 24 – já estejam instaladas na Boa Hora".

Desmontar o puzzle de um teatro de ópera

Na Boa Hora ficarão os gabinetes, as equipas de trabalho e salas de ensaio para o coro e para orquestra – mas que têm um limite para o número de instrumentistas que podem albergar. "Estamos em negociação com outros espaços para fazer outro tipo de ensaios", diz a presidente do Opart à Lusa. No caso de um ensaio da Orquestra Sinfónica Portuguesa não há espaço na Boa Hora. Assim, "os ensaios sinfónicos serão feitos nos locais [do país onde as óperas estarão em itinerância] e com o acordo das estruturas com quem vamos fazer a programação", adiciona Conceição Amaral à agência, dizendo que a programação está a ser desenhada e que deve ser apresentada até ao final do ano, juntamente com o projecto para as obras de requalificação.

Não existindo espaço na Boa Hora para montar espectáculos, a maior parte da actividade artística será em digressão pelo país todo, segundo disse Conceição Amaral, existindo já protocolos com autarquias e estruturas parceiras. "Fazer ópera no país não é fácil e nem todas as estruturas têm capacidade para ter a Ópera do São Carlos" tal como ela é feita no teatro em Lisboa, sublinha Conceição Amaral à Lusa. No período previsto, o São Carlos estará a fazer programação com o CCB e no Teatro Camões, que já terá terminado as obras em curso.

O arquitecto João Mendes Ribeiro e o Atelier 15, dos arquitectos Alexandre Alves Costa e Sergio Fernandez, venceram o concurso internacional para a renovação do TNSC. Mendes Ribeiro disse na altura que "vai fazer uma revolução do palco para os bastidores, mexendo pouco nas áreas que são usadas pelo público, fazendo apenas pequenas correcções”.

O projecto apresentado por estes arquitectos foi o escolhido “pelo respeito das características urbanas do conjunto classificado da Lisboa pombalina, nomeadamente quanto à preservação das morfologias dominantes e integração de novas materialidades, assim como pela salvaguarda das singularidades arquitectónicas, de expressão monumental, do corpo principal do TNSC”, segundo o relatório final do júri. Segundo Conceição Amaral, decorrem actualmente a "apreciação dos estudos prévios e de trabalho". A requalificação do São Carlos está orçada em 27,9 milhões de euros e é o investimento mais elevado do PRR na área da Cultura, que tem uma dotação total de 150 milhões de euros para o património.

As obras de reabilitação do TNSC estavam inicialmente agendadas para Janeiro de 2024 e foram depois adiadas para o segundo semestre de 2024. Entretanto, o Ministério da Justiça terá de encontrar novo local de trabalho para cerca de 135 magistrados.

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