Criação de área protegida na lagoa dos Salgados posta em causa por atrasos na burocracia

A criação da área protegida fica em suspenso depois de o tribunal ter anulado o voto “desfavorável” das autoridades à Declaração de Conformidade Ambiental devido a atrasos. Avançam 4000 camas.

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A Lagoa dos Salgados alberga uma importante biodiversidade Nuno Ferreira Santos
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A criação da Reserva Natural da Lagoa dos Salgados, no Algarve, que deveria ser anunciada em Novembro, recuou e pode mesmo não chegar a sair do papel. O projecto de construir 4000 camas à volta da zona húmida obteve “deferimento tácito” através de um acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA). A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR/Algarve) tinha emitido uma Declaração de Conformidade Ambiental “desfavorável”, mas os juízes consideraram que o acto é nulo “pela ausência de decisão no prazo de 50 dias úteis”.

A CCDR justificou o atraso com o facto de ter enviado pelo menos dois ofícios ao Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF, datados de 9 e 21 de Maios de 1998), “aos quais não foi dada resposta” em tempo útil. O presidente da CCDR/Algarve, José Apolinário, questionado pelo PÚBLICO, respondeu que, neste momento, está a “articular com o Ministério do Ambiente e a Câmara de Silves uma resposta ao acórdão, depois de uma leitura aprofundada”. Em causa, sublinha, está a defesa do núcleo da planta Linaria algarviana, uma das espécies raras de interesse comunitário, considerada ameaçada.

O PÚBLICO tentou contactar a presidência do ICNF mas sem sucesso.

O acórdão do STA, do passado dia 7 de Setembro, veio criar as condições para o arranque da primeira fase do Plano da Praia Grande/Lagoa dos Salgados, que prevê a construção de 1847 camas à volta da lagoa. No total, estão previstas 4000 camas. Do lado dos promotores, já havia algumas expectativas de forrar com betão e relva zonas do ecossistema lagunar e terrestre apesar das declarações dos responsáveis pelo Ministério do Ambiente em sentido contrário. “Não há direitos adquiridos”, afirmou em 2021 o ex-ministro Pedro Matos Fernandes, defendendo que o interesse público se sobrepõe às “expectativas” invocadas pelos privados.

Porém, a Câmara de Silves, em Agosto de 2017, já tinha emitido o alvará para a execução das infra-estruturas da 1.ª fase do empreendimento, em nome da Finalgarve Sociedade de Promoção Turística, SA, numa extensão formada por um conjunto de parcelas com 108 hectares. Para isso, a favor da autarquia, foi efectuado um depósito de uma garantia bancária no valor de 10.732.000 euros.

O novo Plano Director Municipal (PDM), aprovado há cerca de dois anos e meio, continua a contemplar este projecto, embora a câmara, dirigida actualmente pela CDU, tenha mandado suspender o alvará, alegando a necessidade de defender o “interesse público” dos valores ambientais em presença, alinhando a sua posição com a CCDR. O promotor, em resposta, ameaçou com um pedido de indemnização de 100 milhões de euros

Benagil, outra “aprovação tácita”

A história é conhecida e repete-se: as grandes sociedades imobiliárias e bancos continuam a beneficiar dos alegados “direitos adquiridos” para construir na faixa de risco do litoral algarvio. No caso da Praia Grande/Lagoa dos Salgados, o promotor, com o suporte financeiro do Millennium/BCP, tem a seu favor uma Declaração de Impacte Ambiental favorável condicionada emitida há dez anos.

E, mesmo quando não conseguem aprovações factuais, surgem os casos ligados a "lapsos" administrativos. Ao lado deste projecto, em Lagoa, na praia de Benagil e Marinha, a 300 metros da linha da costa, deu-se mais um caso de “aprovação tácita”, em oposição à apreciação negativa ao projecto feita pela Comissão de Avaliação ao Estudo de Impacte Ambiental. O prazo que a CCDR/Algarve tinha para contestar a sentença da primeira instância judicial foi ultrapassado em dois ou três dias. O projecto, entretanto, baixou para reanálise aos serviços de urbanismo da câmara. Prevê-se a construção de um hotel, aparthotel e um aldeamento turístico 1279 camas no total. A proposta urbanística partiu de Luís Filipe Vieira, agora está nas mãos do Novo Banco.

Não será por acaso que o Programa da Orla Costeira (POC) Odeceixe/Vilamoura foi mandado rever em 2010 com carácter de “urgência”, mas ainda não foi publicado. Com recurso à via judicial e administrativa, o Algarve mantém válidos planos de pormenor com 15 a 20 anos. Os Planos Director Municipais (PDM) estão em fase final de revisão, mas não foram revogados ou suspensos projectos que prevêem construir hotéis em cima de arribas e noutros lugares de risco.

No final do anterior Governo, o antigo ministro do Ambiente Pedro Matos Fernandes garantiu que a lagoa dos Salgados iria ser a próxima área protegida a ser classificada, após mais duas dezenas de reivindicações dos ambientalistas. Neste sítio, tampão ambiental entre a massificada Armação de Pêra e Albufeira, estão referenciadas pela Sociedade Portuguesa das Aves 220 espécies diferentes de avifauna, bem como anfíbios e plantas raras, com destaque para a Linaria algarviana, espécie endémica do Sul de Portugal, que goza do astuto de “protecção rigorosa” pelas leis nacional e comunitária.

De resto, foi a confirmação por parte do ICNF da existência de um núcleo desta espécie botânica que levou a CCDR à emissão do “parecer desfavorável” à Declaração de Impacto Ambiental. Os promotores, em sede de recurso, propuseram medidas de minimização, não aceites pelo ICNF. Nesta zona húmida estão referenciadas 12 plantas RELAPE (Raras, Endémicas, Localizadas e Ameaçadas ou em Perigo de Extinção).

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