Afinal, a Lagoa dos Salgados não está a salvo dos interesses imobiliários

Durante as próximas duas semanas, o projecto da Praia Grande/Lagoa dos Salgados está de novo em discussão pública. A revogação do plano pode custar ao Estado 100 milhões de euros de indemnização.

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A lagoa é muito apetecida pelos interesses imobiliários Nuno Ferreira Santos

Os promotores imobiliários da lagoa dos Salgados voltaram à carga com os alegados “direitos adquiridos”, obtidos há mais de 14 anos. O projecto da Praia Grande/Lagoa dos Salgados regressou à consulta à pública para viabilizar a construção de mais 1847 camas (previstas na 1ª fase do Plano de Pormenor da Praia Grande). Os interessados podem pronunciar-se até ao dia 18 de Fevereiro. Após o anúncio da criação da Reserva Natural da Lagoa dos Salgados, pouco antes das eleições, tudo faria crer que não havia lugar a mais construção à volta da zona húmida. Afinal, a história da betonização do litoral não virou a página.

Recuperar planos antigos, metidos na gaveta à espera da melhor oportunidade de negócio, é a grande tarefa dos Fundos Imobiliários no relançamento da actividade turística algarvia. A lagoa dos Salgados é apenas um caso, entre muitos outros, que vão desde a praia de Monte Gordo à costa vicentina, estendendo-se pelo litoral alentejano. Porém, é na zona central da região, entre a praia de Armação de Pêra e Albufeira, que se encontra a área mais cobiçada: Praia Grande/Lagoa dos Salgados - 400 hectares com um Plano de Pormenor (PP) aprovado. Por detrás do cordão dunar e à volta de duas zonas húmidas está projectada a construção de 4 mil camas turísticas.

Quando, há menos de duas semanas, terminou a consulta pública para a criação da Reserva Natural da Lagoa dos Salgados, os ambientalistas acharam que tinham ganho a uma luta com mais de duas décadas, tornando espaço um paraíso para as mais de 220 espécies diferentes de aves que lá existem. A surpresa apareceu logo a seguir ao debate público sobre a criação da Reserva Natural. Um email enviado pela Finalgarve – Sociedade de Promoção Turística, SA ao Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) ameaçava com um pedido de indemnização no valor de 100 milhões de euros. Os promotores, suportados pelo Millennium/BCP, alegam ter direitos adquiridos através do alvará nº3/2017 (entretanto suspenso), emitido pela câmara de Silves. A verdade é que o novo Plano Director Municipal (PDM) de Silves, publicado há cerca de um ano, mantêm em vigor o PP da Praia Grande/Lagoa dos Salgados e o plano não foi revogado nem suspenso.

Para já, o que diz o Relatório de Conformidade Ambiental do Projecto (Recape), submetido a consulta pública, é que os investidores pretendem construir um hotel com 386 camas num dos lotes. Mas, ao mesmo tempo, pretendem avançar com infra-estruturas para erguer mais dois hotéis, um aldeamento turístico e um campo de golfe de 18 buracos, abrangendo uma área de 108 hectares.

A proposta urbanística é suportada por uma Declaração de Impacte Ambiental “favorável condicionada” ainda válida. Mas a câmara de Silves considera, há vários anos, que “este empreendimento sugerido nos termos da Finalgarve não defende o interesse público”. O ministro Pedro Matos Fernandes subscreveu a tese, acrescentando que não havia “lugar a direitos adquiridos”. Mas a queda do Governo deixou a questão em aberto.

Com a criação da Reserva da Lagoa dos Salgados, tal como fora anunciada, cairiam por terra os negócios que foram desenhados num tempo em que as alterações climáticas não estavam na agenda política e as casas, por acção do mar, não tombavam das arribas. O novo Governo terá, assim, o desafio de ordenar a suspensão do PP e decretar as medidas preventivas para salvaguardar os valores ambientais em presença, nomeadamente os povoamentos da Linaria algarviana, numa das zonas mais procuradas pelo turismo de natureza.

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