Ian Wilmut (1944-2023), um dos “pais” da ovelha Dolly

Embriologista britânico era um dos responsáveis pelo projecto que resultou no nascimento da Dolly, o primeiro mamífero clonado através de uma célula adulta.

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Ian Wilmut com a ovelha Dolly Universidade de Edimburgo
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Ian Wilmut, figura central na criação da ovelha Dolly, morreu no passado domingo, aos 79 anos. O embriologista britânico liderou a equipa do Instituto Roslin da Universidade de Edimburgo (Reino Unido) que em 1997 anunciou ao mundo o nascimento do primeiro mamífero clonado a partir das células de um animal adulto – e assim a Dolly tornou-se a ovelha mais famosa do mundo. A confirmação da morte do cientista britânico foi dada pela Universidade de Edimburgo, ao início da tarde desta segunda-feira.

O britânico, diagnosticado em 2018 com doença de Parkinson, era um dos dois principais responsáveis pelo projecto que viu nascer a ovelha Dolly. O outro investigador responsável era Keith Campbell (falecido em 2012, com 58 anos), a quem Ian Wilmut reconheceu a maioria do trabalho anos mais tarde. A ovelha Dolly morreu em 2003, depois de ser diagnosticada com uma doença pulmonar — tinha seis anos e meio.

A técnica utilizada pela equipa britânica para criar a ovelha Dolly é conhecida como transferência nuclear. Os investigadores inseriram uma célula das glândulas mamárias de uma ovelha adulta num ovócito “vazio” de outra ovelha — neste ovócito, o núcleo, onde está o ADN da ovelha, foi retirado. Os cientistas forçaram então a fusão destas duas estruturas para desenvolver um embrião que foi implantado numa terceira ovelha (que fez de barriga de aluguer). A Dolly nasceu após 276 tentativas falhadas, a 5 de Julho de 1996 — apesar de só ter sido anunciada no ano seguinte.

Mais: a Dolly não é a única ovelha criada por Ian Wilmut. O rebanho tem mais espécimes como Megan e Morag (ainda antes da Dolly, mas clonadas a partir de células de uma fase inicial da gravidez) ou também Taffy, Tweed e Polly, outras ovelhas clonadas pelo britânico.

Técnica da ovelha Dolly ainda é usada

Este não foi o primeiro animal clonado. Esse feito datava já de 1962, quando uma equipa do biólogo britânico John Gurdon clonou uma rã — motivo pelo qual recebeu o Nobel da Medicina em 2012. Ainda assim, o trabalho de Ian Wilmut com mamíferos tornou-se mundialmente reconhecido no final do século XX, inclusive pelos medos de replicação desta técnica em humanos — algo que nunca aconteceu.

O cientista britânico esteve no Instituto Roslin desde 1973, antes de se mudar para a Universidade de Edimburgo, na Escócia, de onde se reformou em 2012 — já depois de ter sido condecorado e nomeado cavaleiro pela monarquia britânica. O seu trabalho não se limitou, no entanto, à ovelha Dolly. Desde os primeiros anos enquanto cientista que Ian Wilmut trabalhou com embriões e células reprodutivas. O seu doutoramento foi dedicado à criopreservação de sémen e embriões, que resultou no nascimento do Frostie, o primeiro vitelo nascido de um embrião criopreservado.

A técnica que teve sucesso com a ovelha Dolly não resultou em clones humanos, como alguns temiam no final do século passado. No entanto, a técnica continua a ser utilizada com sucesso. Ainda em 2018, uma equipa chinesa anunciou os primeiros dois clones de macacos, criados a partir da mesma técnica empregada por Ian Wilmut e Keith Campbell duas décadas antes. Muning Poo, autor desse trabalho publicado na revista Cell, afirmava que este método já tinha sido bem-sucedido em cerca de 20 espécies, entre vacas, porcos e coelhos, por exemplo.

Não se consumaram os medos previstos. “O que não aconteceu foi o nascimento de uma criança [clonada] ou a exigência pública da utilização de clonagem para a reprodução”, sintetizava Alta Chato, investigador em bioética da Universidade do Wisconsin (Estados Unidos) num artigo da Nature em 2007. “O que aconteceu foi uma mudança completa na discussão ética desde os usos da clonagem para reprodução à sua utilização para investigação. E ainda a fusão do debate sobre a clonagem com o debate em torno da investigação em células estaminais.”

A discussão sobre a melhor utilização destas técnicas para a investigação e para a população não terminou. As dúvidas em torno da criação de modelos similares a embriões humanos — neste caso, através de células estaminais, são prova disso.

Apesar do seu papel na clonagem de mamíferos, Ian Wilmut nunca considerou que a clonagem de humanos devesse ser permitida — ou sequer testada. Os riscos inerentes a este processo, quer para a saúde do “clone”, quer para a sua integração enquanto membro da sociedade estavam entre as principais preocupações do cientista britânico.

No livro The Second Creation: Dolly and the Age of Biological Control, publicado em 2000 com Keith Campbell e Colin Tudge e que versa sobre a ovelha Dolly e o seu impacto no futuro, Ian Wilmut explica precisamente isso. “A clonagem humana conquistou a imaginação das pessoas, mas isso é apenas uma distracção que lamentamos e consideramos desagradável. Não criámos a Dolly para isso. Nem para produzir vastos rebanhos de ovelhas idênticas”, escrevem.

Apesar da ligação à técnica utilizada para criar a ovelha Dolly, Ian Wilmut abandonou a investigação sobre clonagem em 2005, quando passou a dedicar-se à utilização de células estaminais na medicina regenerativa, fundando o Centro para a Medicina Regenerativa na Universidade de Edimburgo.

Ainda assim, o marco da carreira científica é mesmo a ovelha Dolly —​ em si, também um marco cultural. Após a morte daquela que é a ovelha mais famosa de sempre, Ian Wilmut, em entrevista ao The New York Times, prestava a sua homenagem: “Tem sido uma cara amiga da ciência. Era um animal muito amigável que fez parte de um grande avanço científico.”

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