Mais Habitação: Proprietários aplaudem, alojamento local fala em “esperança renovada”

Se a Associação Nacional de Proprietários diz não ter expectativas de que algo mude, os representantes do alojamento local manifestam “esperança”. Já a associação Chão das Lutas lança uma petição.

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Empresários do AL têm vindo a manifestar a sua oposição às medidas do Governo para o sector. Manuel Roberto

A Associação Nacional de Proprietários aplaude “com ambas as mãos” o veto presidencial ao conjunto de alterações legislativas sobre habitação aprovadas pela maioria absoluta do PS no Parlamento, mas sem expectativa de que algo venha a mudar.

“Quem aprovou estas leis fez do pequeno proprietário, do pequeno senhorio o inimigo a abater e isso é profundamente errado”, reage António Frias Marques, em declarações à Lusa.

O presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP) considera que o arrendamento forçado de casas devolutas – que integra o pacote legislativo do Governo, aprovado no Parlamento a 19 de Julho – “é uma violência de todo o tamanho”, criticando o Governo por querer “desapossar as pessoas do que é delas”.

O Presidente da República vetou esta segunda-feira o conjunto de alterações legislativas no âmbito da habitação aprovadas pela maioria absoluta do PS no Parlamento, expressando sobre elas um "sereno juízo negativo".

Explanando a sua posição em sete pontos, o Presidente da República diz sobre o arrendamento forçado de casas devolutas que “fica tão limitado e moroso que aparece como emblema meramente simbólico, com custo político superior ao benefício social palpável".

Simultaneamente, aponta, o diploma “dificilmente permite recuperar alguma confiança perdida por parte do investimento privado, sendo certo que o investimento público e social, nele previsto, é contido e lento".

O arrendamento forçado de casas devolutas é uma das medidas do Mais Habitação que geraram mais polémica e dirige-se a casas de habitação devolutas há mais de dois anos e localizadas fora do interior do país.

Os proprietários terão 90 dias para responder após serem notificados para fazerem obras ou darem uso à fracção. Não havendo resposta no prazo definido, o município respectivo pode proceder ao arrendamento forçado do imóvel.

As casas de férias, as que se encontram vagas por o respectivo dono se encontrar num lar ou a prestar cuidados permanentes como cuidador informal e as dos emigrantes, bem como as das pessoas deslocadas por razões profissionais, de saúde ou formativas, não são consideradas devolutas para este efeito.

O presidente da ANP sublinha que “nada se consegue fazer, nomeadamente no domínio do arrendamento, sem a iniciativa privada”.

António Frias Marques descreve os proprietários como “pessoas muitas vezes até mais pobres do que os inquilinos” e nota que “hoje o senhorio já nem sequer é dono de um prédio, é dono de um andar” e que investir na compra de um andar para depois o arrendar “é uma forma de poupança”.

Para os proprietários, a “questão fulcral” está na “falta de garantias, nos tribunais até, em relação ao incumprimento do pagamento da renda”, reclamando do Governo medidas eficazes.

“Aí é que se tem de atacar realmente. Arranjar uma forma célere de os incumpridores serem despejados”, defende, contando que pela ANP passam casos de “seis, sete anos” de incumprimento no pagamento de rendas. “E ninguém os põe na rua”, lamenta. “As pessoas brincam com os proprietários. Sobre isso ninguém faz nada”, critica.

No veto presidencial conhecido hoje, Marcelo Rebelo de Sousa critica a falta de consenso político sobre um pacote de medidas que acabou por ser aprovado apenas com os votos favoráveis do PS.

O diploma, considera, "é um exemplo de como um mau arranque de resposta a uma carência que o tempo tornou dramática, crucial e muito urgente pode marcá-la negativamente".

“É lamentável. O país é feito de muitas sensibilidades e isto foi aprovado contra tudo e contra todos. Tínhamos de nos pôr todos a remar para o mesmo lado e assim estamos uns contra os outros”, concorda o presidente da ANP.

“Ninguém no seu juízo perfeito julga que com estas medidas saídas da Assembleia da República se ia resolver o magno problema da falta de habitação”, vaticina.

Resolver o problema da falta de habitação passa por “construir casas”, assinala António Frias Marques, recordando que “o Governo está a governar há oito anos”.

A ANP não tem expectativas sobre eventuais mudanças na legislação agora devolvida ao Parlamento. “É evidente que isto vai ser reaprovado novamente e provavelmente sem alteração de nenhuma linha, nenhuma vírgula”, antecipa.

Alojamento local diz que veto impede "medidas desastrosas"

Já a Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) congratulou-se, por seu turno, por a decisão do Presidente da República vetar politicamente o pacote legislativo Mais Habitação, impedindo “medidas desastrosas contra” o sector.

“É com um misto de esperança renovada e de firme determinação que a ALEP se congratula com a decisão do Presidente da República de vetar politicamente o pacote legislativo Mais Habitação, em especial por impedir que avancem as medidas desastrosas contra o alojamento local”, reagiu, num comunicado.

Para a associação, a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa “atesta o peso das preocupações levantadas pela ALEP e pelo sector do alojamento local” junto de diversas entidades, nomeadamente a Presidência da República.

A associação considerou que a decisão “mostra a vontade do senhor Presidente da República em salvaguardar a necessária estabilidade económica e social do país” e ainda que Marcelo Rebelo de Sousa compreende a “relevância do sector do alojamento local para a economia, para o turismo e para a sociedade em geral”.

A ALEP reiterou que “destruir o alojamento local em nada resolve o problema da habitação” e sublinhou “a importância vital da voz colectiva em defesa dos interesses de um sector” que representa 40% das dormidas turísticas e 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

As medidas mais polémicas e contestadas do programa passam pela suspensão do registo de novos alojamentos locais fora dos territórios de baixa densidade e uma contribuição extraordinária sobre este negócio.

Chão das Lutas lança petição

A associação Chão das Lutas reagiu ao veto presidencial à legislação do Governo sobre habitação, reafirmando a “insuficiência das medidas” propostas e avançando com uma petição a exigir a descida das rendas.

Em comunicado, a associação pelo direito à habitação considera, ao mesmo tempo, que o veto de Marcelo Rebelo de Sousa é “selectivo”, já que “preserva a medida que o ‘lobby’ da construção garantiu: a liberalização da construção desregulada”.

O Presidente da República vetou hoje o decreto que reunia as principais alterações à legislação da habitação – com mudanças ao nível do arrendamento, dos licenciamentos ou do alojamento local – aprovadas no Parlamento com o voto favorável apenas do PS, que já anunciou que irá confirmar essa aprovação no início da próxima sessão legislativa.

Na mensagem que acompanha a devolução do diploma ao Parlamento, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que “não é fácil ver de onde virá a prometida oferta de casa para habitação com eficácia e rapidez”, acrescentando que o programa “não é suficientemente credível” quanto à execução a curto prazo, nem resulta da “base de apoio nacional que era necessária".

Destacando “a centralidade” que o problema da habitação tem “na vida das pessoas”, a Chão das Lutas recorda, no comunicado, que, desde o início da discussão do pacote Mais Habitação, proposto pelo Governo e aprovado no Parlamento a 19 de Julho, realçou que as medidas “apenas aprofundavam um caminho errado de mais benefícios fiscais quando o que se pedia era uma efectiva regulação do mercado”.

A associação reafirma que “o que faz falta é regular o mercado, controlar as rendas, acabar com os benefícios fiscais e chamar a banca às suas responsabilidades”.

A Chão das Lutas adianta ainda que, em conjunto com o movimento cívico Casa é Um Direito, lançou esta segunda-feira a petição pública "Baixar as rendas, subir os salários”.

A plataforma Casa para Viver – que junta mais de cem organizações e colectivos, entre os quais a Chão das Lutas, e que organizou a manifestação de 1 de Abril – já anunciou que voltará às ruas em 30 de Setembro.

Casa Para Viver também veta pacote

A investigadora Rita Silva, da plataforma Casa Para Viver, apelou ao PS para que faça uma “reflexão profunda” no sentido de “aprovar outro tipo de medidas” para regular o mercado imobiliário e parar os incentivos à procura estrangeira.

“Não é só o Presidente da República que está descontente e que veta. Nós também vetamos o pacote Mais Habitação e gostaríamos que o Governo ouvisse a sociedade civil”, disse à Lusa, comentando a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa de devolver ao Parlamento o decreto que reúne as principais alterações à legislação da habitação, com mudanças ao nível do arrendamento, dos licenciamentos ou do alojamento local.

O executivo de António Costa “não tem mostrado vontade de ouvir e tinha agora uma oportunidade para isso”, frisa a activista, que faz parte da organização da manifestação da sociedade civil agendada para 30 de Setembro.

Em 1 de Abril, milhares de pessoas manifestaram-se pelo direito à habitação e, cerca de dois meses e meio mais tarde, em 22 de Junho, a Casa Para Viver, que agrega uma centena de organizações da sociedade civil, convocou uma concentração que reuniu centenas de pessoas em Lisboa.

Assumindo que, “provavelmente”, a “discordância” de Marcelo Rebelo de Sousa em relação às medidas incluídas no Mais Habitação assentará em “motivos diferentes”, Rita Silva acompanha o reparo presidencial sobre a falta de consenso em relação a um assunto tão emergente.

“É um PS a falar sozinho e a tentar impor visões e políticas com as quais ninguém concorda”, lamenta, considerando que os socialistas deviam ter negociado com os partidos à esquerda.

“O PS não negociou com ninguém”, a não ser “com o sector imobiliário”, critica.

Responsável por ter levado às ruas milhares de pessoas a 1 de Abril, reivindicando o direito à habitação, o movimento social entregou um conjunto de propostas no Parlamento, sendo a principal a regulação do mercado imobiliário, “especulativo e que se afastou completamente do poder de compra” das pessoas que vivem e trabalham em Portugal.

“São medidas que nos parecem muito equilibradas”, que regulam as rendas e os lucros da banca, “brutais, quando as pessoas estão a ter imensa dificuldade em pagar a prestação” das casas.

A par da descida das rendas e das prestações de habitação, a plataforma quer também acabar com os incentivos à procura estrangeira de habitação em Portugal, quer seja através dos "vistos gold", quer de incentivos aos nómadas digitais.

Ora, “o Presidente não fala nisso”, assinala Rita Silva, apontando “contradições” ao veto presidencial.

Os incentivos à construção de habitação pública não vão resolver o problema, realça.

“Podemos aumentar em muito o número de casas a ser construídas, que só vão aparecer nos próximos 10 anos, e isso não vai necessariamente baixar os preços”, recorda.

Ainda assim, o texto presidencial “é demolidor”, diz, frisando que “o mais importante” do veto é apreciar que “estas políticas não conseguirão responder à crise de habitação”.

Neste contexto, e porque a crise “vai continuar a agravar-se”, o movimento social voltará a sair às ruas. “Vem mesmo a calhar que façamos uma nova mobilização no dia 30 de Setembro”, sublinha.

Perante um cenário de aumento de contestação social, a activista sublinha que “a radicalização que existe neste momento é a do mercado”, recordando a reacção “estridente” do alojamento local e dos proprietários a medidas como a contribuição extraordinária sobre o alojamento local e o arrendamento forçado de casas devolutas, que demonstram que estes agentes do sector “não estão disponíveis para ceder um milímetro”, nem “assumir as responsabilidades que têm na crise de habitação” actual.

Rita Silva concorda ainda com as “dúvidas” expressas pelo Presidente da República sobre “a capacidade de implementação” do pacote Mais Habitação, alertando para a falta de recursos de institutos públicos, como o IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana), que “está neste momento a assumir uma enorme quantidade de tarefas, responsabilidades e competências e não tem pessoal”.

O pacote Mais Habitação – concorda Rita Silva – gerou “expectativas elevadas”, mas que são “infundadas” e que, “na verdade, mentem ao país”.

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