Da importância de se ser visível

Desde há alguns anos que Portugal é um dos países com uma representatividade de género mais equilibrada na ciência, ainda que nos cargos de topo ainda seja difícil romper a desigualdade.

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“A todos os rapazes e raparigas que me estão a ver esta noite, isto é um farol de esperança e de possibilidades”
Michele Yeoh ao tornar-se a primeira asiática a ganhar o Óscar de Melhor Atriz em 2023

A diversidade nas figuras que ocupam o espaço mediático é fundamental para que se perceba que os estereótipos não cobrem toda a história, como conta de forma emocionante a escritora Chimamanda Ngozi Adichie na sua Ted Talk “O perigo da história única”. Se a maioria dos atores e atrizes famosos de Hollywood são caucasianos, isso não significa que sejam apenas esses a existirem. É fundamental que assim não seja, de outra forma os filmes não nos ajudam a ser janelas para mundos, reais ou inventados.

No que toca à ciência, há também estereótipos alimentados pela representação pública das pessoas que vão lá dentro. Quando pedimos a crianças que desenhem uma pessoa que seja cientista, o que surge do seu imaginário são quase sempre homens, brancos, de meia idade e bata branca. E se há de facto cientistas assim, esse retrato não é suficiente para representar tudo o que existe e pode ser.

Numa análise exaustiva de estudos que analisaram desenhos infantis de cientistas, descobriu-se que nos últimos 50 anos houve uma evolução nos retratos feitos por crianças, começando a aparecer algumas mulheres desenhadas – apesar de só por meninas. Desde há alguns anos que Portugal é um dos países com uma representatividade de género mais equilibrada na ciência, mas nos cargos de topo ainda é difícil romper a desigualdade.

É por isso relevante usar datas para celebrar a importância da diversidade e a sua representação no espaço público e aproveitar para mostrar exemplos do que se trata. Para além do Dia da Mulher (8 de março), há o Dia Internacional das Mulheres e Raparigas na Ciência (11 de fevereiro, iniciativa da ONU desde 2015), o Dia Internacional das Raparigas nas Tecnologias de Informação e Comunicação (celebra-se em abril, desde 2011), e até o Dia Internacional da Mulher na Estatística e na Ciência de Dados (desde 2022, uma iniciativa da Sociedade da Portuguesa de Estatística para o mundo).

Estes dias servem para sublinhar que estas áreas de estudo e trabalho não estão vedadas em função do género, que todas e todos são bem vindos. Sendo as mulheres minoritárias nestes contextos, merecem atenção especial. É um pouco surpreendente que haja pessoas a acharem que isto pode e deve ser alvo de piadas, como se termos sido durante séculos silenciadas e apagadas sistematicamente fosse um detalhe.

Em 2019, Lenore Blum, professora na Universidade Carnegie Mellon, Estados Unidos da América, veio ao Instituto Superior Técnico dar uma palestra a que chamou “Porque é que ainda temos de falar da igualdade de género em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (CTEM)?”. Na sua universidade, implementou iniciativas que permitiram passar de 8% para 50% de participação feminina em Ciências da Computação, desde 1990. “A ideia é sempre a mesma, não se trata de ciência aeroespacial, é senso comum. Talvez o senso comum não seja tão comum, mas basicamente a minha tese é a de que podemos mudar ao nível da microcultura”, explicou.

Quando a representatividade de um grupo é pequena, a sua experiência educacional é pior e têm menos vantagens profissionais e sociais. “Por isso, quando cheguei [à universidade] defendi que houvesse modelos a seguir, houvesse um sistema de irmã mais velha/irmã mais nova em que todas as estudantes ajudassem à integração das que chegavam, que se garantisse oportunidades para que todas as mulheres pudessem dar palestras e ser modelos de liderança e houvesse condições físicas para criar redes de contactos e de trabalho”, apontou.

A boneca Barbie teve uma versão astronauta em 1965; na vida real, tivemos a soviética Valentina Tereshkova em 1963, repetindo a ousadia com Svetlana Savitskaya só em 1982, tendo as norte-americanas tido de esperar até 1983 para serem representadas por Sally Ride no espaço. Só em 1999 houve uma mulher ao comando de uma nave espacial (Eileen Collins) e apenas em 2008 Susan Helms chegou ao comando da Estação Espacial Internacional.

Em 2019, a NASA não deixou que mulheres saíssem da estação espacial para fazerem tarefas de manutenção no exterior na nave porque só tinha fatos para homens. “Façam-lhes um fato” foi um movimento tão poderoso que levou a que não apenas fossem mulheres fora da nave como pode ser feito por uma equipa toda feminina.

Por muito relevante que seja termos bonecas que façam as meninas sonhar com um futuro possível, é ainda mais importante termos pessoas verdadeiras a fazerem esses feitos. A Mattel foi mais rápida do que a NASA a adaptar-se aos tempos, mas isso não parece ter tido impacto real na evolução social e cultural – como tão bem podemos visitar vendo o filme que agora provoca discussões sobre o que é afinal o patriarcado.

Foi publicado em junho o estudo “2023 Gender social norms index, breaking down gender biases: Shifting social norms towards gender equality”, do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas. Com imensa surpresa, ficamos a saber que os índices de enviesamento medidos em 85% da população total do planeta pouco mudaram desde 2005. Metade das pessoas continua a achar que homens são melhores líderes políticos do que mulheres, 40% que são melhores líderes empresariais e 25% que é aceitável que homens batam nas suas mulheres.

Quando a pergunta era se estudar na universidade era mais importante para homens do que para mulheres, a quantidade de cabeças a concordar foi de 28%. Seria interessante que tivessem perguntado se os homens são melhores líderes em universidades, porque uma coisa é dar às raparigas acesso a estudarem, outra muito diferente é considerar que são competentes para as gerir e dirigir. Um dos caminhos apontados para contribuirmos para a mudança é trabalhar a representatividade. Mostrar as mulheres que fazem, como fazem, promover modelos a seguir e inspirar mais a seguirem caminhos semelhantes.

Se pedirmos a alguém que pense num exemplo de mulher cientista, apostaria que à maioria ocorre pouco mais que Marie Curie, Nobel da Física em 1903 e da Química em 1911. Em anos recentes, a Polónia fez por ressuscitar o seu apelido de solteira, Skoldowska, que não apenas chama a atenção que há mais línguas no cardápio como ao facto de que o sucesso de Marie se deveu a mais do que apenas ao seu casamento (ainda que não lhe tenha sido alheio, somos sempre as nossas circunstâncias e as pessoas que nos rodeiam têm um papel fundamental).

Mas há muitas mais mulheres do que Marie Skoldowska Curie, que deviam ter mais palco e luz de pleno direito. Se é verdade que as mulheres são mais discretas e menos frequentemente aceitam perder tempo a darem-se a conhecer publicamente, é nosso dever trazê-las para a boca de cena. Há muitas e boas, não apenas lhes devemos o justo reconhecimento como estou certa de que iluminarão o caminho a muitas outras e outros que lhes seguirão.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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