Mais mulheres nas TIC como condição de democracia e liberdade

Atrair mais raparigas e mulheres para as TIC é cada vez mais uma condição imperiosa de garantia de um futuro de democracia e de liberdade.

Este ano, o Dia Internacional das Raparigas nas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) coincide, em Portugal, com a do Dia da Liberdade, 25 de abril. Esta coincidência faz cada vez mais sentido.

Se é certo que o nosso futuro pertence aos algoritmos, à inteligência artificial (IA) e ao machine learning, certo é também que não precisamos das distopias de séries como Black Mirror para dar conta dos efeitos perversos que as transformações tecnológicas têm na segregação de grupos mais vulneráveis e na produção de enviesamentos de género.

Um caso mediático foi o do algoritmo usado pela Amazon para recrutamento que discriminava mulheres candidatas. Mesmo após várias reprogramações, o algoritmo continuava a presumir a preferência por homens, pelo que a empresa foi obrigada a desativá-lo. Este caso fez soar os alarmes quanto a uma ferramenta usada nos processos de recrutamento, mostrando que a neutralidade das máquinas não existe e que estas são criadas em contextos sociais assimétricos.

Quem as programa e domina a linguagem de código? Especialistas como Kate Crawford, do centro de investigação da Microsoft, têm sustentado que estes vieses estão interrelacionados com a “crise de diversidade” da indústria tecnológica, designadamente com o reduzido número de mulheres profissionais (em queda desde a década de 1980). O relatório Discriminating Systems: Gender, Race and Power in AI dá conta que as mulheres são apenas 18% do total de conferencistas em IA e 20% das professoras.

Na União Europeia, o Eurostat indica que mais de oito em cada dez empregos nas TIC são preenchidos por homens. Em Portugal, a proporção de mulheres diplomadas nestas áreas caiu de 26,2% em 1999 para 20,6% em 2017. E embora as raparigas e mulheres sejam metade das pessoas no ensino secundário ou superior, representam apenas 12,8% entre estudantes das TIC e 22,8% entre estudantes de engenharias. Um estudo da Microsoft, feito em 12 países europeus, mostrou que é entre os 14 e os 16 anos que se dá o afastamento das raparigas.

Por tudo isto criámos o Engenheiras Por Um Dia em parceria com o Instituto Superior Técnico (IST), que promove junto das estudantes de ensino não superior a opção pelas engenharias e tecnologias, desconstruindo a ideia de que estas são domínios masculinos. Procura-se combater os estereótipos sobre o que é suposto ser adequado às mulheres e raparigas e que condicionam as opções escolares e de carreira. O projeto junta 26 escolas, 11 universidades, a Ordem dos Engenheiros e 20 empresas tais como Microsoft, Siemens, IKEA e EDP. A coordenação está a cargo da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, do IST e da Carta Portuguesa para a Diversidade.

Este ano letivo, o projeto já levou a 2000 alunas e alunos do 3.º ciclo e do ensino secundário desafios de engenharia (com alunas das universidades parceiras que ensinam a construir foguetões), atividades de mentoria e de role model (no passado 4 de abril, 50 escolas receberam 54 engenheiras), debates e seminários, campanhas locais e visitas de estudo a empresas ou centros tecnológicos.

Se, como refere António Guterres, “gender equality is the unfinished business of our time”, atrair mais raparigas e mulheres para as TIC não só permitiria ganhos estimados de cerca de nove mil milhões de euros por ano no PIB da UE, como se apresenta cada vez mais como uma condição imperiosa de garantia de um futuro de democracia e de liberdade.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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