H&M investiga abusos em fábricas da Birmânia à medida que a pressão aumenta

Desde o golpe militar, as condições laborais nas fábricas têxteis têm piorado naquele país do Sudeste Asiático. Os trabalhadores queixam-se de horas extraordinárias forçadas e descidas nos salários.

Foto
A indústria têxtil é um dos principais empregadores na Birmânia Adriano Miranda/Arquivo

A H&M está a acompanhar 20 alegados casos de abuso laboral nas fábricas de têxteis da Birmânia que abastecem o segundo maior retalhista de moda do mundo, confirmou a Reuters. A notícia surge poucas semanas depois de a principal rival da Zara, proprietária da Inditex, ter informado que está, gradualmente, a cancelar as encomendas têxteis feitas àquele país do Sudeste Asiático.

Um grupo de defesa dos direitos humanos, sediado no Reino Unido, denunciou 156 casos de alegados abusos de trabalhadores em fábricas de vestuário na Birmânia, de Fevereiro de 2022 a Fevereiro de 2023. No ano anterior, no mesmo período, teriam sido cerca de 56 casos. Os números revelam, como tal, uma deterioração dos direitos dos trabalhadores desde que um golpe militar abalou o país, em Fevereiro de 2021.

A redução e o roubo de salários são as acusações mais relatadas pelos trabalhadores, seguidas de despedimento injusto, quantidades de trabalho desumanas e horas extraordinárias forçadas, de acordo com um relatório do Centro de Informação sobre Empresas e Direitos Humanos (BHRRC, na sigla original) a que a Reuters teve acesso e com publicação prevista para esta quarta-feira.

"Todos os casos denunciados no relatório do BHRRC estão a ser acompanhados e, quando necessário, resolvidos através da nossa equipa local no terreno, em estreita cooperação com as partes interessadas", declarou a H&M em comunicado.

E a retalhista sueca reiterou ainda: "Estamos profundamente preocupados com os últimos acontecimentos na Birmânia e, de acordo com os nossos padrões e requisitos, vemos desafios crescentes em conseguir continuar as operações.”

Foto
Unsplash/Kishor

O BHRRC tem vindo a acompanhar as alegações de abusos dos direitos dos trabalhadores em fábricas têxteis desde que a junta militar tomou o poder na Birmânia, mergulhando o país numa crise política e humanitária. Estão incluídos casos de abuso em 124 fábricas diferentes.

Os casos, informa ainda a organização, surgem graças à denúncia dos líderes sindicais, meios de comunicação social internacionais e imprensa local, como o Myanmar Labour News. Depois, acrescenta, todos os relatórios são verificados através de contactos com as marcas e entrevistas aos trabalhadores. A Reuters não verificou de forma independente as conclusões.

De acordo com o relatório agora publicado, foram registados 21 casos de alegados abusos relacionados com fornecedores da Inditex, o maior grupo têxtil mundial. A empresa espanhola recusou-se a comentar. Um porta-voz do governo militar da Birmânia não respondeu igualmente a um pedido de comentário sobre as conclusões, tal como a Associação de Fabricantes de Vestuário daquele país.

Made in Birmânia

Recentemente, o grupo espanhol Inditex avançou que ia cortar os laços com os fornecedores da Birmânia, depois da Primark e da Marks & Spencer terem feito o mesmo no ano passado. É uma tendência que, segundo alguns especialistas, só poderá piorar as condições dos trabalhadores do têxtil.

Em vez de abandonar a produção, algumas marcas intensificaram a monitorização das fábricas com que trabalham, avança o inquérito realizado pelo BHRRC. As filiais birmanesas das multinacionais, por exemplo, preferem conduzir as suas próprias inspecções às condições dos trabalhadores em vez de dependerem de auditorias externas.

A Primark, sediada em Dublin, duplicou o número de funcionários em Rangum, mesmo depois de ter anunciado, em Setembro de 2022, que deixaria de recorrer à Birmânia, enquanto a empresa de moda dinamarquesa Bestseller aumentou o número de trabalhadores de três para 11 desde o golpe de Estado.

A H&M e a Bestseller estão entre as 18 marcas que fazem parte do projecto MADE, financiado pela União Europeia (UE), destinado a melhorar as condições de trabalho nas fábricas têxteis da Birmânia.

A posição da UE é que as empresas devem manter os fornecedores, uma vez que a indústria é um empregador-chave naquele país, com mais de 500 fábricas a produzir vestuário e calçado para grandes marcas. “Participar, enquanto empresa, em debates com grupos birmaneses de defesa dos direitos laborais e sindicatos pode ter influência", defende Karina Ufert, directora-geral da Câmara de Comércio Europeia na Birmânia. Ao sair do país, assevera, “é difícil compreender como se pode influenciar as condições locais".

A ex-embaixadora do Reino Unido na Birmânia e agora directora Centro de Negócios Justos da Birmânia, Vicky Bowman, concorda que as marcas internacionais são também aquelas que poderão criar empregos estáveis e de tomar medidas para evitar mais abusos de direitos.

"Se as marcas se forem embora, ou os postos de trabalho desaparecem por completo, ou as fábricas passam a aceitar apenas encomendas de empresas que só querem saber de mão-de-obra barata e não se preocupam com as condições das fábricas", termina.

Sugerir correcção
Comentar