Cuco: a ave parasita que rouba ovos e se conhece pelo canto

Não faz ninho, não alimenta as crias, não as acompanha nas migrações. O cuco é uma ave pouca dada a convívios.

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As crias do cuco não chegam a conhecer os progenitores, migrando sozinhas. Na imagem, um cuco-canoro Peter Clayton Wildlife Photography/Getty Images
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Gonçalo Elias, um estudioso das aves e fundador do site Aves de Portugal, utiliza uma frase que diz quase tudo sobre os cucos: “Do ponto de vista dos nossos padrões éticos, é muito censurável.” A culpa é da forma como esta ave parasita outras – um comportamento que as suas crias parecem aprender assim que nascem.

Os cucos não fazem ninho. Em vez disso, usam o ninho de outras aves, bem mais pequenas do que eles, no caso do cuco-canoro (Cuculus canorus), mais provável de aparecer em Portugal do que o cuco-rabilongo (Clamator glandarius), bem mais raro e que prefere ninhos de aves um pouco maiores, como a pega-rabuda (Pica-pica).

Mas, voltando ao ponto da questão: o cuco parasita os ninhos de outras aves. E isto quer dizer que ele observa atentamente o possível hospedeiro e quando este pôs todos os seus ovos, o cuco aproxima-se, rouba um deles, e coloca lá o seu, em substituição. Faz isto de dois em dois dias, sempre em ninhos diferentes, mas escolhendo o mesmo tipo de ave que o acolheu quando nasceu – se nasceu num ninho de pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula), por exemplo, é nessa espécie que vai colocar os seus ovos, a menos que haja uma emergência que o leve a procurar outros.

Nem todos os hospedeiros aceitam este intruso no seu ninho, mas a maior parte deles parece fazê-lo, seja porque o cuco tem a capacidade de colocar ovos que mimetizam os da ama que escolheu para as suas crias, seja porque não conseguem perceber que têm ali algo que não deveria estar.

Depois de colocar o ovo, o cuco não volta ao ninho escolhido e a sua cria, depois de nascer, nunca chega a conhecer os pais nem mostra sinais de gratidão para quem o acolhe: livra-se de todos os outros ovos ou crias recém-nascidas e exige ser alimentada até muito tarde, quando já tem, por vezes, o quádruplo do tamanho da mãe-de-aluguer.

Quando chega a altura de migrar, as crias do cuco fazem-no sozinhas, sem a companhia dos pais, o que acrescenta um mistério a tantos outros sobre esta espécie, já que não se sabe como são capazes de fazer a migração sem aprenderem com os mais velhos.

Ave misteriosa durante séculos, muitos dos segredos do cuco foram desvendados por um ornitólogo britânico, Edgar Chance, que em 1920 montou um esquema para conseguir acompanhar a postura de ovos do cuco. E filmou tudo, conta um entusiasmado Gonçalo Elias: “Ele fez um trabalho extraordinário, desvendou os mistérios do cuco.”

Foi em grande parte graças a este trabalho que se descobriu que o cuco roubava um dos ovos do ninho que ia parasitar e que as fêmeas desta ave fazem a postura à tarde (em vez de durante a manhã, como é habitual entre as aves). O período de incubação é muito curto – cerca de 12 dias – para que a cria possa nascer ao mesmo tempo que os irmãos adoptivos à força, ou até antes deles. E também a sua chegada a Portugal e aos outros países para onde migram está relacionada com o período de nidificação dos seus hospedeiros.

Hany Alonso, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), diz que “o cuco-canoro nidifica relativamente cedo, por causa da sua forma de reprodução”. Chegam ao nosso país em Março ou Abril e muitos já estão de partida para África em Julho, embora Agosto seja o período mais comum. O cuco-rabilongo vem até mais cedo: alguns já chegam em Janeiro, mas a maioria aparece por cá em Fevereiro.

Por causa do seu “comportamento um pouco secretivo”, como lhe chama o especialista da SPEA, são muito difíceis de ver, mas o canto que lhes dá o nome é inconfundível e, como são das aves migratórias a chegarem mais cedo ao país, tornam-no particularmente conhecido.

Apesar de estarem em declínio por cá, como em toda a Europa, ainda se podem encontrar, sobretudo no nordeste do país, em zonas arborizadas, charnecas e pauis. Mas não alimente demasiadas esperanças: ele só canta no período de reprodução, sendo silencioso o resto do tempo. Por isso, pode ter mesmo dificuldade em encontrar um, por esta altura.

Mas nada como tentar. E para não ficar com demasiada má impressão do cuco, Gonçalo Elias acrescenta que a sua estratégia de reprodução, além de censurável, é “fascinante e altamente sofisticada”. Além disso, acrescenta, entre as aves terrestres, será aquela que faz migrações mais longas. “Há o registo de um cuco-canoro que fez a migração entre a Sibéria oriental e a Namíbia, numa viagem de mais de 16 mil quilómetros”, diz.


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