Algas “emagrecem” em ambientes competitivos – é uma má notícia para o planeta?

Microalgas verdes são capazes de “ajustar” o tamanho e o metabolismo às circunstâncias em que vivem. Descoberta ajuda a compreender o comportamento do fitoplâncton num oceano cada vez mais quente.

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As microalgas verdes são seres unicelulares que integram o fitoplâncton marinho Moritz Klaassen/IGC
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As microalgas têm um “segredo” para ter sucesso em ambientes competitivos: são capazes de “ajustar” o tamanho e o metabolismo às circunstâncias em que vivem. Estas características evolutivas da espécie Dunaliella tertiolecta, que integra o fitoplâncton do oceano, foram identificadas num estudo liderado por Giulia Ghedini, investigadora principal do Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras.

A descoberta, publicada num artigo da revista científica Current Biology Journal, fornece pistas para compreender o comportamento destes organismos num oceano cada vez mais quente. Com a crise climática e o aumento da temperatura média na Terra, ocorrem mudanças ambientais que alteram a competição por recursos no meio aquático. E isto pode ter impacto nos ecossistemas marinhos, causando desequilíbrios tanto na cadeia alimentar como na produção de oxigénio.

“Sabemos que a temperatura normalmente torna as espécies menores e aumenta a competição. Acreditamos que as conclusões do nosso estudo seriam ainda mais agravadas num oceano mais quente: as células ficariam menores e o metabolismo seria alterado para usar os recursos disponíveis rapidamente. Se viermos a descobrir que outras espécies do fitoplâncton reagem da mesma maneira, isto significa que a produção de oxigénio poderá cair – o que é preocupante”, afirma ao PÚBLICO Giulia Ghedini.

Estima-se que as microalgas sejam responsáveis pela produção de pelo menos 50% do oxigénio presente na atmosfera, uma vez que absorvem dióxido de carbono e libertam oxigénio durante a fotossíntese. O estudo liderado pela investigadora do IGC indica que, em ambientes mais densos, o metabolismo das microalgas verdes pode ficar 15% mais lento – o que tem implicações na produtividade durante a fotossíntese.

Estes seres unicelulares integram o fitoplâncton marinho, um conjunto de organismos microscópicos que flutuam no oceano. É um bom exemplo do poder colectivo: uma vez reunidas, criaturas invisíveis a olho nu podem ser até observadas do espaço. E, juntas, constituem a base da cadeia alimentar aquática.

Competir por comida

“A principal questão que tentamos responder neste estudo é: como é que os seres vivos lidam com a competição por comida? Esta é uma pergunta crucial porque diz respeito a todas as espécies. Na ecologia, há diferentes formas de interacção e nunca conseguimos prever exactamente o que vai acontecer”, explica Giulia Ghedini. A investigadora do IGC elaborou o estudo em colaboração com Dustin Marshall, professor da Universidade de Monash, na Austrália.

O objectivo da dupla de cientistas era testar os pressupostos da teoria metabólica, que prevê que a competição condiciona a evolução do tamanho e do metabolismo dos seres vivos. Até hoje, refere a nota de imprensa do IGC, esta conjectura ainda não tinha sido “amplamente testada, especialmente em comunidades onde os organismos devem competir com várias espécies”.

Para testar a hipótese, a dupla de cientistas avaliou quais são as características fisiológicas da microalga verde que evoluem quando esta espécie (Dunaliella tertiolecta) enfrenta a concorrência de outras por alimento.

O estudo acompanhou a evolução deste organismo ao longo de dez semanas (o que equivale a cerca de 70 gerações, uma vez que a microalga verde “evolui rapidamente”). Nesse período, observou-se a Dunaliella tertiolecta em três contextos distintos: 1) a microalga verde sozinha (logo, sem competição), 2) coabitando com uma população da mesma espécie e 3) com uma comunidade composta por três outras espécies de fitoplâncton.

“O que nós descobrimos que é esses organismos gastam diferentes quantidades de energia dependendo da competição existente. É esta plasticidade metabólica que evolui nas microalgas. Isto é importante porque significa que as espécies podem singrar em diferentes condições. Quando a comida é abundante, o metabolismo é muito rápido. Contudo, quando os recursos são escassos, o sistema metabólico tende a desacelerar, em comparação com espécies que não estavam sob competição”, explica a cientista numa videochamada.

Metabolismo flexível

Os cientistas avaliaram os efeitos a longo prazo deste metabolismo flexível – e perceberam que era algo positivo. “Essa plasticidade metabólica dá a essas células a capacidade de crescer rapidamente quando as densidades populacionais são baixas […] e serem eficientes quando as populações são densas […]. O melhor de dois mundos! Células inteligentes!”, escreveu o co-autor Dustin Marshall no Twitter.

Em parte, a conclusão do estudo ajuda a entender como espécies unicelulares sobrevivem e crescem rapidamente mesmo em condições adversas. Contudo, esta plasticidade metabólica tem um preço: o que as microalgas verdes ganham em eficiência podem perder em tamanho celular.

“O que nós identificámos como menos positivo é que houve mudanças no tamanho do organismo, que tende a ficar menor. Do nosso ponto de vista, esta redução da massa corporal não é fantástica. O fitoplâncton está na base da cadeia alimentar: se há menos biomassa, há menos comida para os peixes, por exemplo. E também significa uma redução da produtividade, considerando o papel do fitoplâncton na produção de oxigénio”, explica Giulia Ghedini.

A cientista sublinha que o estudo foi feito com apenas uma espécie e que, por isso, não se pode extrapolar esta conclusão para outras que integram o fitoplâncton. “Este conhecimento é importante porque nos dá um enquadramento para testar como esta resposta metabólica ocorre noutras espécies”, observa a investigadora, que almeja agora expandir este trabalho e analisar o comportamento de outros organismos aquáticos que integram o fitoplâncton marinho.

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