A biogeografia das cores, por Jorge Paiva

O azul e o verde são as cores da vida. A espécie humana está a fazer desaparecer da Terra estas duas cores, derrubando as florestas e cobrindo os oceanos, lagos e rios de lixo. Visitamos aqui a geografia das cores de plantas e animais pelo planeta — nós incluídos. Sabia que as papoilas de pétalas vermelhas que vemos nos campos cultivados não deverão ser nativas de Portugal? Ou que as abelhas não vêem o vermelho, mas que as aves o vêem muito bem?

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Plano aproximado das penas do estorninho-metálico-púrpura (Lamprotornis purpureus) Lara Nouri

Como bem se visualiza no logótipo do projecto Azul, as cores predominantes no globo terrestre são o azul e o verde. Essas são as cores da vida. A cor azul é a que cobre maior superfície do Globo e a que assinala as áreas aquáticas (oceanos, lagos e rios). Sabemos que só há vida na Terra porque há água neste planeta. A água é um composto químico constituinte do corpo de qualquer ser vivo. Por exemplo, no meu caso, dos 70 quilos que peso, 42 são de água. Isto é, mais de metade (cerca de 60%) de mim é água. Cerca de 80% do corpo de um recém-nascido é água. Aliás, durante os nossos primeiros meses de vida, estamos mergulhados numa solução aquosa, o líquido amniótico.

O azul é, pois, uma cor de vida.

O verde cobre a maior parte da superfície dos continentes e ilhas. É a cor de pigmentos que as plantas e alguns outros seres vivos utilizam para elaborarem, com o auxílio da luz (fotossíntese), nutrientes de que necessitam. Para elaborarem os nutrientes, necessitam, além de luz, de água e de carbono, que retiram da atmosfera. As plantas são, pois, sequestradoras de carbono. Do conjunto de reacções fotossintéticas, para além dos referidos nutrientes, forma-se, também, oxigénio. Esses seres vivos são, portanto, produtores de biomassa, despoluem a atmosfera (sequestradores de CO2) e são fábricas vivas de oxigénio (O2).

Como os animais não são produtores de biomassa, alimentam-se de plantas (herbívoros) ou de animais que se alimentaram de plantas (carnívoros) ou de produtos vegetais e animais, como nós (omnívoros).

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Alga castanha (Ecklonia maxima) na Cidade do Cabo, África do Sul DR

Entre as plantas, há enormes diferenças entre a quantidade de biomassa que produzem, o volume de gás carbónico (CO2) que retiram da atmosfera e o de oxigénio que libertam, como, por exemplo, entre o que produz uma pequena erva anual e uma árvore que está todo o ano ao sol. Quanto maior for o volume de uma árvore, maior é a quantidade de biomassa que produz. Na natureza, há árvores de enorme biomassa – como a Gilbertiodendron maximum (Gabão), descoberta para a ciência em 2015, com 100 toneladas e 45 metros de altura, e a Sequoiadendron giganteum (Leste dos Estados Unidos), com 1487 metros cúbicos de volume – e de grande altura, como a Sequoia sempervirens (Leste dos Estados Unidos), com uma altura máxima de 116 metros. Por isso, as florestas, ecossistemas com muitas e várias espécies de árvores, são biomas onde existe elevada quantidade e variedade de seres vivos (biodiversidade).

Nos oceanos, lagos e rios, além de muita água, há uma enorme quantidade de seres produtores de biomassa, como o fitoplâncton. Além disso, há algas castanhas de enormes dimensões (também possuem pigmentos verdes, as clorofilas), que formam autênticas florestas marinhas (kelp), como a alga Macrocystis pyrifera, que chega a atingir quase 100 metros de comprimento. Constituem, também, ecossistemas de elevadíssima biodiversidade.

Além disso, há também pradarias marinhas submersas de plantas com flores e frutos, correspondentes às savanas terrestres de gramíneas onde abundam herbívoros e predadores. São monocotiledóneas, o grupo a que pertencem as gramíneas. Os mamíferos herbívoros que se alimentam nesses prados verdes submersos são os sirenídios (Sirenia), ordem a que pertencem os manatins (três espécies de Trichechus; uma africana e duas americanas) e o dugongue (Dugong dugong). O dugongue ainda ocupa uma vasta área das costas do Índico desde o Mar Vermelho, a costa nordeste de África e as costas do Pacífico da Ásia, a Austrália, Nova Caledónia e ilhas asiáticas e polinésicas.

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Dugongue na Austrália Universidade de Queensland/Reuters

A espécie humana está a fazer desaparecer estas duas cores da vida na Terra, derrubando drasticamente as florestas e cobrindo os oceanos, lagos e rios de lixo líquido (crude, por exemplo) e sólido. Fotografias aéreas mostram que há cinco enormes ilhas de plástico flutuante nos oceanos: duas no Pacífico; duas no Atlântico e uma no Índico. Só a do Pacífico Norte tem uma superfície equivalente a cerca de três vezes a da França. Se o volume de poluição anual do Mediterrâneo, um oceano quase fechado, continuar ao ritmo actual, calcula-se que em 2030 não terá peixe.

Estamos a poluir e a eliminar os seres vivos dos ecossistemas naturais com as duas cores da vida (azul e verde), o que poderá levar a uma extinção em massa da biodiversidade na Terra.

Na natureza nada é aleatório

Todas as formas de vida que existem na natureza resultaram de milhões de anos de evolução. Os seres vivos não evoluíram independentemente, mas integrados nos ecossistemas dos respectivos biomas. A composição biológica destes biomas depende das coordenadas geográficas (latitude, longitude e altitude), do clima e solo, assim como da cor dos seres vivos que os incorporam.

Nas latitudes polares predomina o branco, nos animais, e não há plantas verdes. Nas savanas das latitudes próximas do Trópico de Câncer e do Trópico de Capricórnio, predomina a tonalidade acastanhada nos animais e nas plantas, na época não pluviosa. Nas regiões equatoriais, predominam tons acinzentado-escuros a pretos nos animais, e o verde-escuro nas plantas.

As cores dos seres vivos também podem variar com a longitude, como as cores das folhas outonais dos carvalhais europeus que são acastanhadas, enquanto na latitude correspondente no continente americano são vermelhas.

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Carvalho com 500 anos no Parque Natural de Montesinho, na aldeia de Rio de Onor Adriano Miranda

Em altitude, as cores dos seres vivos variam imenso, tanto nos ecossistemas aquáticos como nos florestais. Os animais cavernícolas de profundidade são brancos e cegos e nesses biomas não há plantas. A cor, particularmente dos animais, também está relacionada com o período diário em que são activos. Há casos em que a cor está relacionada com a co-evolução entre seres interdependentes, geralmente plantas-animais.

A visibilidade das cores

Os animais não têm todos a mesma visibilidade para as cores. Assim, do espectro solar, os humanos vêem as cores do arco-íris, correspondentes às das radiações desde os 380 nanómetros de comprimento de onda (violeta) aos 740 nanómetros (vermelho). Os cães e gatos, por exemplo, vêm poucas cores, apenas do azul ao amarelo. Um cão-guia para cegos sabe que o semáforo está vermelho pela posição da luz na vertical do semáforo, pois não vê a cor — apenas tem a percepção de que a luz está apagada ou acesa. Por isso, as posições das três cores dos semáforos estão situadas na vertical e sempre com a mesma localização em todos os semáforos (a superior é vermelha, a do meio é amarela e a inferior é verde). Nos humanos, também há que contar com os daltónicos que não vêem o vermelho.

A maioria dos insectos (abelhas, por exemplo) e muitas aves vêem para além do violeta (ultravioleta), que nós não vemos, mas podemos saber como as abelhas vêem essa cor nas flores através de fotografias com filmes sensíveis ao ultravioleta. Por outro lado, as abelhas e muitos outros insectos não vêem o vermelho. As cobras, por exemplo, têm uma reduzida amplitude de visão das cores do espectro solar, mas “percebem” para lá do vermelho (infravermelho), o que é muito útil para predadores nocturnos de presas de sangue quente.

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A cor de flores e frutos: os polinizadores e dispersores

Nas plantas vasculares, com flores e frutos (angiospérmicas), a cor predominante das folhas é o verde, pois as clorofilas são os pigmentos mais importantes para a elaboração dos nutrientes necessários às funções vitais das plantas. Mas as cores das flores e dos frutos resultaram de uma evolução adaptativa face aos agentes polinizadores e dispersores de sementes de frutos, particularmente animais.

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Rosmaninho DR

As cores das flores dependem do espectro visual dos polinizadores, e a cor dos frutos, da visão dos dispersores. Como a maioria dos insectos vê para além do violeta, eles são sensíveis ao ultravioleta, mas cegos quanto ao vermelho. Nas regiões do globo terrestre em que os polinizadores são insectos, como Portugal, as plantas nativas não têm flores vermelhas. Assim, quando vemos os nossos montes floridos, vemos giestas (Genista, Cytisus e Spartium junceum) – cujas cores vão desde o amarelo e alaranjado ao branco (os insectos vêem pontos e riscos orientadores ultravioletas, mas nós vemos essas flores apenas como brancas) –, urzes (Erica) – desde brancas a violáceas –, rosmaninhos violáceos (Lavandula), alecrim azulado (Rosmarinus officinalis) e a erva-das-sete-sangrias de flores azul-forte (Glandora prostrata). Isto é, vemos flores brancas, amarelas, alaranjadas, azuis e violáceas, mas nenhuma vermelha. Nos campos cultivados acontece o mesmo.

Estou convicto de que as papoilas (Papaver) de pétalas vermelhas não são nativas do território português. Todas produzem ópio e foram introduzidas a partir do Oriente há vários séculos. Tanto Teofrasto (História das Plantas) como Dioscórides (De Materia Medica) referem, indubitavelmente, a papoila do ópio (Papaver somniferum), que tem flores brancas e era utilizada medicinalmente. No nosso país, as papoilas vermelhas encontram-se na orla ou no seio dos campos cultivados, como acontece com uma planta nativa do Sul de África, introduzida em Portugal depois dos Descobrimentos, o trevo-azedo de flores amarelas (Oxalis pes-caprae). É tão abundante que parece nativo. As papoilas vermelhas até poderão ser nativas, mas as flores nem sequer são aromáticas e as pétalas são prematuramente caducas. As abelhas, porém, visitam-nas para colherem grãos de pólen (têm muitos estames por flor), pois as anteras e o pólen são roxos – bem visíveis, portanto, para estes insectos.

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Papoilas num campo no concelho de Borba Enric Vives-Rubio/Arquivo

Como as aves vêem o vermelho muito bem, nas regiões em que existam flores polinizadas por aves, há plantas nativas com flores vermelhas, maiores do que as de Portugal (as aves são maiores do que os insectos) e de pétalas mais duras, porque as aves usam o bico córneo (duro) para colheita do néctar, enquanto os insectos usam a tromba (probóscide), que não é córnea.

Assim, por exemplo, na África do Sul existem cerca de 600 espécies de urzes, muitas delas de flores vermelhas (nós não temos urzes de flores com essa cor), pois existem aves polinizadoras por lá. As flores dessas urzes até são maiores do que as nossas, pois as aves polinizadoras são maiores do que os insectos polinizadores. Na América do Sul, onde há muitas espécies de colibris, há imensas flores com cores que vão do laranja ao vermelho. Nas regiões tropicais, os polinizadores têm de ser predominantemente aves, pois as flores do estrato inferior das florestas tropicais são vermelhas, tal como são vermelhas as macro-algas marinhas mais profundas.

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Giestas, tojos e urzes na Serra da Estrela DR

Porém, temos frutos avermelhados (cerejas, ginjas, pilritos, medronhos), porque alguns dos dispersores de sementes e frutos são aves (por exemplo, melros e tordos), e nos trópicos também o são os símios, que vêem o vermelho. As cores dos frutos que caem ao solo, e cujos dispersores são predominantemente mamíferos (como esquilos, javalis e antílopes), são castanhas, uma vez que o solo coberto de folhas secas outonais é de cor castanha. Isso observa-se nas florestas temperadas (carvalhais, por exemplo), em que bolotas e castanhas amadurecem e caem no Outono, assim como nas florestas abertas das regiões tropicais com árvores de folhagem caduca, como o miombo africano (floresta aberta de Brachystegia e Julbernardia) em que muitas das vagens e sementes de árvores leguminosas são castanhas.

As flores que estão adaptadas a polinizadores nocturnos são brancas, grandes e muito odoríferas, como, por exemplo, as flores de algumas cactáceas americanas, que são polinizadas por morcegos, como a rainha-da-noite (Selenicereus grandiflorus), flores que só abrem de noite e as nossas madressilvas (Lonicera etrusca, Lonicera implexa e Lonicera periclymenum), que têm flores rosado-esbranquiçadas e um tubo da corola muito comprido, pois são polonizadas por borboletas nocturnas e algumas diurnas com probóscide longo.

As plantas, como não têm boca para se “alimentarem”, necessitam de luz e pigmentos receptores de energia (clorofilas e carotenóides), cuja concentração depende das coordenadas geográficas onde vegetam. Como também não se movem, a fim de se reproduzirem sexuada ou assexuadamente e para se dispersarem, são dependentes de agentes transportadores (ar, água e animais) dos seus diásporos (esporos, sementes e frutos). Desta maneira, evoluíram adaptando-se não apenas às condições ecológicas dos ecossistemas onde vivem, mas também aos agentes dispersores.

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Esporas-bravas (Linaria triornithophora) na Mata da Margaraça: estas flores são polinizadas por insectos de probóscide comprida DR

Quando os agentes dispersores ou polinizadores são animais, ocorre, frequentemente, uma evolução adaptativa paralela (co-evolução). Um exemplo relevante é o caso de uma orquídea de Madagáscar (Angraecum sesquipedale) que tem uma flor com um esporão de cerca de 30 centímetros de comprimento, que só pode ser polinizada por uma borboleta nocturna de tromba (probóscide) também muito longa (Xanthopan morganii praedicta), que, tal como a orquídea, só ocorre em Madagáscar. Esta borboleta foi assim designada (praedicta) por ter sido prevista a sua existência por Charles Darwin, quando, em Janeiro de 1862, James Bateman, um horticultor e coleccionador de plantas exóticas, lhe ofereceu a referida espécie de orquídea malgaxe.

As cores e a altitude

A cor de muitos animais e plantas depende da altitude, como é o caso das algas vermelhas a profundidades maiores do que as algas castanhas e as verdes à superfície. Isso porque as radiações que atingem maior profundidade são as de menor comprimento de onda (violeta) e os seres vivos (neste caso, as algas) possuem a cor complementar do espectro solar (vermelho).

O mesmo acontece com alguns peixes, particularmente dos ecossistemas coralígenos, por se manterem em nichos ecológicos horizontais. Um exemplo interessante é o peixe-rã (Antennarius pictus), que muda de cor conforme o andar (altitude) do nicho ecológico coralígeno onde se encontra, desde verde, amarelo, castanho, vermelho até preto ou esbranquiçado.

Nas florestas tropicais de chuva (pluvisilva), as relas (batráquios arborícolas) têm cores diferentes, consoante a altura do patamar ecológico (minor-habitat) da floresta (macro-habitat) onde vivem. A policromia das relas das florestas tropicais da América Central é um excelente exemplo. Assim, as que vivem rente ao solo, onde mal chega a luz, são vermelhas (tal como as algas vermelhas no oceano), como a rela-morango (Oophaga pumilio). As que se situam mais acima são alaranjadas (como a Diasporus citrinobapheus), amareladas (como a Dendropsophus ebraccatus) e acastanhadas (como a Ptychochyla hypomykter). E as da copa das árvores, verdes – como a Agalychnis callidryas, que pode mudar para azul-violáceo, consoante está num patamar mais alto, tal como o peixe-rã – ou até mudarem de cor do dia para a noite, como a rela Diasporus diastema, que durante o dia é cinzento-acastanhada e à noite rosada.

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Arara-escalate (Ara macao) Kevin Lafferty/U.S. Geological Survey

Apesar de voarem, nas aves também há alguns exemplos de coloração consoante o minor-habitat da floresta tropical onde mais permanecem, como acontece com as araras, que são azuis (Anodorhynchus hyacinthinus) se habitam o topo da floresta, verdes se habitam a copa das árvores altas (Ara ambigua), e vermelhas (Ara macao) se vivem no interior dessa floresta, que é de uma escuridão tal que a luz solar não chega ao solo, sendo por isso que não há ervas no solo da pluvisilva virgem.

O mesmo acontece com as flores das plantas epífitas (plantas que vivem sobre outras plantas), como as orquídeas da pluvisilva, que vão desde flores vermelhas (Masdevallia ignea), alaranjadas (Platanthera ciliaris), amarelas (Gomesa varicosa), esverdeadas (Grammatophyllum multiflorum) a violáceas (Vanda coerulea), consoante a altura do andar ecológico (minor-habitat) da floresta onde vegetam.

Os seres microscópicos que habitam a superfície do corpo das plantas (o tronco, os ramos, as folhas, flores e frutos), ocupando micro-habitats, também apresentam cores diferentes, consoante o patamar da floresta onde estão. Acontece, por exemplo, com os mixomicetes, que são protistas plasmodiais que se reproduzem por esporos, que se formam num corpo frutífero com elementos filiformes, o capilício. Assim, o capilício vai desde o vermelho (Arcyria denudata) ao amarelo (Hemitrichia calyculata) ou castanho (Trichia favoginea) até ao azul (Physarum nutans), consoante o nível altitudinal do seu micro-habitat. Não há mixomicetes com capilício verde, pois não têm clorofilas (não são plantas nem animais, são procariotas).

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Urso da espécie Ursus arctos DR

As cores e a latitude

As cores dos seres vivos também dependem da latitude, como o urso polar (Ursus maritimus), que é branco, e os ursos de latitudes inferiores são castanhos (Ursus arctos) e até pretos (Ursus americanus). A raposa-árctica (Alopex lagopus) é branca no Inverno, enquanto a raposa-europeia (Vulpes vulpes) é sempre acastanhada. O lobo-árctico (Canis lupus arctos) é branco no Inverno, e o lobo-europeu (Canis lupus lupus) é pardo-acinzentado. A lebre-árctica (Lepus arcticus) é branca no Inverno, enquanto a lebre-europeia (Lepus europaeus) é sempre pardo-acastanhada. Até nas aves não migradoras isso acontece: por exemplo, a coruja-das-neves (Bubo scandiacus) é branca, e o similar bufo-real (Bubo bubo) é pardo-acastanhado. A perdiz-nival (Lagopus muta) é branca no Inverno, mas a nossa perdiz (Alectoris rufa) é sempre colorida.

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Lobo-árctico (Canis lupus arctos) Wikicommons

Os pinguins da Antárctida parecem excepção, mas não o são. São brancos, mas o dorso e as asas (remos na água) são escuros, pois os predadores (por exemplo, tubarões) não estão em terra (branca de neve), mas no oceano (escuro) onde pinguins têm de ir pescar.

O mesmo acontece com outros animais em que as cores dependem da latitude e também do ecossistema florestal em que vivem. Nos primatas das florestas equatoriais sempre-verdes predomina a cor preta, quer nas florestas asiáticas – como o gibão-ágil (Hylobates agilis) e o macaco-de-nariz-empinado (Rhinopithecus strykeri), descoberto em 2010 –, quer nas americanas – como o bugio (Alouata palliata) – e mesmo nas africanas – como o gorila (Gorilla gorilla).

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Família de gorilas nas montanhas Virunga, na fronteira entre o Ruanda, o Uganda e a República Democrática do Congo Gorilla Doctors/UC Davis/Reuters

Com as plantas passa-se o mesmo, pois as das latitudes equatoriais são de folhagem verde-escura, e as que se encontram entre os círculos polares e os respectivos trópicos (Câncer e Capricórnio) são verde-claro. Basta ver uma fotografia visualizando a copa de uma floresta equatorial e uma de um carvalhal.

As cores e a longitude

Embora não haja uma dependência tão intensa da cor dos seres vivos com a longitude, existem muitos casos, como os nossos carvalhos de folha caduca (como o Quercus robur) e áceres (como o Acer monspessulanum), em que a folhagem é acastanhada no Outono, e a cor das folhas dos carvalhos caducifólios e áceres americanos, da mesma latitude, é avermelhada (como os Quercus rubra e Acer saccharum). Isto porque a corrente quente do Golfo que chega à nossa costa faz com que o Inverno não seja tão frio e que tenhamos dias soalheiros no Outono. Mas na mesma latitude da costa oriental do continente norte-americano, o Inverno é mais frio e o Outono de céu geralmente encoberto na altura da queda das folhas.

Por isso, as folhas dos carvalhos e áceres americanos são mais ricas em pigmentos avermelhados, que conseguem alguma energia das radiações violetas e ultravioletas que atravessam a nebulosidade das nuvens. Um testemunho disso é a bandeira branca do Canadá com uma folha vermelha de um ácer estilizada.

As cores e os hábitos de vida

As cores dos animais também dependem dos hábitos de vida. Assim, os predadores nocturnos são sarapintados de branco e escuro em qualquer região do globo. Isto porque, quando se está no solo numa noite de luar numa floresta e se olha para cima, vê-se o céu sarapintado. Exemplo: o leopardo-africano (Panthera pardus pardus), o leopardo-americano (Panthera onca), o leopardo-asiático (Panthera pardus orientalis), a hiena (Crocuta crocuta), a geneta (Genetta genetta), o lince (Lynx pardinus), o gato-bravo (Felis silvestres), o gato-dourado-africano (Caracal aurata) o bufo-real (Bubo bubo) e o mocho-pigmeu (Glaucidium passerinum).

Os predadores diurnos apresentam coloração semelhante à das respectivas presas, geralmente pardo-acastanhada. Porque as cores das savanas são predominantemente acastanhadas na época não pluviosa. São disso exemplo o leão (Panthera leo), o puma (Puma concolor), a raposa (Vulpes vulpes), o lobo (Canis lupus lupus), o chacal (Canis aureus) e até algumas aves de rapina, como o vulgar peneireiro (Falco tinnunculus).

E as cores do Homo sapiens

Há, fundamentalmente, duas hipóteses para a emergência do Homem moderno (Homo sapiens) em África (há mais de 100 mil anos), na Ásia (há cerca de 70 mil anos), na Austrália (há sensivelmente 60 mil anos), na Europa (há mais de 35 mil anos) e na América (há cerca de 20 mil anos). Uma, a hipótese de origem única, admite que o Homem moderno teve uma origem geográfica única — na África Oriental. Outra, a hipótese de origem multirregional, defende a emergência mais ou menos simultânea das populações humanas modernas em várias regiões do globo (África Oriental, Próximo Oriente, Sudeste asiático e Ásia continental).

Os testemunhos paleoantropológicos, arqueológicos, genéticos sociais e linguísticos apoiam uma origem africana do Homem moderno. No entanto, esta é uma maneira simplista de apresentar esta questão, não unanimemente aceite pelos antropólogos. Trata-se, pois, de uma problemática complexa, tal como o afirmou Daniel Lieberman em 2001: “A história evolutiva dos humanos é complexa e não está resolvida.”

O que é certo é que, quando a nossa espécie já era praticamente sedentária, havia agregados populacionais dispersos por várias latitudes, longitudes e até altitudes.

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Etnia dos Uros numa ilha flutuante feita de “totora” (planta aquática) no Lago Titicaca, na fronteira entre o Peru e a Bolívia Mariana Bazo/Reuters

Os agregados das latitudes tropicais (entre os trópicos de Câncer e de Capricórnio) eram muito escuros ou até pretos, por selecção natural (os claros não se reproduziam por morrerem prematuramente de cancro de pele), como em África, na Ásia e na Austrália. Nas regiões subtropicais asiáticas éramos acastanhados, e fora dessas regiões, amarelados. Nas latitudes tropicais do continente americano, onde aparecemos (há 20 mil anos) muito depois do que em África, não houve tempo suficiente para que a selecção natural levasse à negritude. Mas vi indígenas pretos (Uros) nas ilhas flutuantes do Lago Titicaca (nos Andes), ilhas essas que são feitas de uma planta aquática abundante nas margens do lago, semelhante ao nosso bunho (Schoenoplectus lacustris) e ali conhecida pelo vernáculo “totora” (Schoenoplectus californicus). Este lago está a 3821 metros de altitude, portanto, com enorme incidência de radiação ultravioleta. A população de Uros, descendente dos incas, sem qualquer sombreamento, foi sendo seleccionada, passando da tez acastanhada para a preta.

Na Europa (há mais de 35 mil anos) éramos brancos e, nas latitudes próximas do Árctico, tal como outros mamíferos, somos muito mais claros e louros. No extremo Sul da América do Sul, não houve tempo (estamos ali há menos de 20 mil anos) para, por selecção natural, ficarmos brancos.

Actualmente, com as facilidades de deslocações, até intercontinentais e miscigenação, estamos não só dispersar as cores da nossa espécie como também a alterá-las.

A cor natural dos seres vivos (inclusive Homo sapiens) depende não só das coordenadas geográficas, como também dos ecossistemas que habitam. A cor, particularmente dos animais, pode ainda estar relacionada com a intensidade de luz do período (noite ou dia) em que são activos.

Biólogo