A liderança nas universidades no seculo XXI

É tempo de passar do estudo do ensino e da aprendizagem para uma cultura de estudo digital no ensino e na aprendizagem.

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Um dos principais desafios das universidades é preparar os estudantes para um futuro que não conhecem e têm dificuldade em prever. A ideia de uma educação disciplinar deixou de fazer sentido, devendo os estudantes ter outro perfil à saída: ser suficientemente curiosos para interligar conhecimentos e serem capazes de intervir no mundo.

As universidades devem digitalizar-se, em três níveis: nível macro, que se refere a toda a instituição, não apenas à sua estratégia e missão, mas também às suas infraestruturas, ao modo de afetação de recursos, aos incentivos a dar aos estudantes e ao pessoal; nível meso, que se refere ao papel atribuído às unidades intermédias e ao corpo docente; e nível micro, que se refere às ofertas de cursos, em todas as suas dimensões (conceção e estrutura dos cursos, currículo, avaliação e resultados de aprendizagem).

Os processos de ensino e aprendizagem sofreram uma significativa revisão nos últimos 20 anos. Porém, continuam a ser necessárias mudanças de fundo.

Em 2011, a Comissão Europeia reconhecia a necessidade de mudanças, na sua Agenda para a Modernização do Ensino Superior. Falava de aumentar o acesso, a inclusão, os resultados educativos e a empregabilidade. Dizia que as universidades deveriam abrir-se ao exterior e contribuir para o desenvolvimento económico. Agora, tanto a Comissão Europeia como a UNESCO afirmam que o novo paradigma de educação aberta exige outros modelos de governação universitária.

Os lideres devem ser proativos e colaborar com os interessados – estudantes, académicos e gestores intermédios – nos planos micro, meso e macro. Para tal, devem concentrar-se em aspetos estratégicos da inovação digital e colocar os estudantes no centro da transformação. Cabe-lhes usar estrategicamente os ativos digitais para atingir novos objetivos, tanto a nível organizacional como individual.

Nos modelos de educação aberta, a liderança implica o envolvimento ativo de todas as pessoas na missão da instituição, com altos níveis de desempenho. Passa ainda pela construção de uma cultura de trabalho que incorpore inovações e aumente a qualidade, através de ofertas que respondam às necessidades das pessoas. O líder deve motivar as pessoas, ser promotor de projetos e iniciativas sustentáveis, impulsionar a colaboração e a gestão conjunta de resultados. Qualquer nova iniciativa deve ser transparente, sendo ela mesma um fator de mais abertura, inspirando e capacitando as pessoas.

Hoje qualquer pessoa encontra na internet a informação de que precisa, de forma gratuita e fácil. Difícil é ter a capacidade de resolver problemas e de ser inovadora, preocupações fundamentais nas avaliações institucionais das universidades. Já não se trata de trazer a tecnologia para a sala de aula, mas de concretizar formas disruptivas de aprendizagem móvel.

Não basta formar os professores, porque a digitalização afeta cada instituição por inteiro. Os processos de digitalização falham se apenas um centro pedagógico ou um centro de TI for designado para assumir a transformação. Os líderes devem dar atenção aos problemas organizacionais e ser capazes de introduzir a todo o tempo propostas de melhoria.

Além de atento, o líder deve mostrar paixão pelo que faz, ser persistente, estar aberto à mudança cultural, ter uma estratégia, visão e capacidade de comunicação pessoal.

O líder deve conhecer o contexto académico, em que todos os dias surgem novas profissões, sendo que o desafio da liderança não é apenas fazer melhorias no presente, mas também sondar a evolução do presente para o futuro.

Na Comunicação para uma Agenda renovada da UE para o Ensino Superior, de maio de 2017, a Comissão Europeia enfatizou que o maior obstáculo para a mudança é a falta de preparação das pessoas para assumirem as exigências da transformação digital. Devido à quarta revolução industrial e à desagregação da aprendizagem em módulos (microcredenciais), são necessárias mudanças sistémicas nas universidades. É tempo de passar do estudo do ensino e da aprendizagem para uma cultura de estudo digital no ensino e na aprendizagem.

As universidades devem incorporar a análise da aprendizagem (LA ou Learning Analytics utilizada nas plataformas de ensino LMS) nas suas estratégias institucionais. O ensino e a aprendizagem devem apostar em conteúdos abertos, tecnologia aberta e conhecimento aberto. A UNESCO e a Comissão Europeia chamam a atenção para a necessidade de se desenvolver e adaptar o ensino e a aprendizagem tirando pleno proveito da digitalização, o que implica a aposta no aumento de capacidades dos profissionais, assim como na mudança de mentalidades, valores e atitudes.

Eis algumas questões que precisam de respostas: a oferta de cursos lineares (licenciaturas) está desatualizada, uma vez que a aprendizagem é ao longo da vida e abrange diversas áreas; a digitalização precisa de estar integrada em todo o currículo, como forma de aumentar o seu impacto na sociedade global; os resultados de aprendizagem devem ser redesenhados para se adequarem ao objetivo de se aprender a aprender e aumentar a capacidade de resolução de problemas; tendo em conta que a maioria dos estudantes aprende com base nas avaliações, estas devem ser radicalmente alteradas em termos de conteúdo, formato e entrega.

Por estas razões, no século XXI, a liderança universitária mudará à medida que as organizações se tornem mais ágeis e rizomáticas. Mudará também para acomodar a agenda global para a educação e para atender aos objetivos da aprendizagem ao longo da vida. A pedagogia avançará em direção à aprendizagem autodirigida, incluindo as redes sociais e o uso de aplicativos de software móvel projetados para dispositivos móveis, como smartphones e tablets (APPs).

Hoje em dia, a economia da educação enfatiza o "muitos-para-muitos", não o "poucos-para-muitos", por meio de redes, colaboração e escala. Mais do que garantir a qualidade no sistema, importa garantir o impacto da qualidade para os indivíduos e a sociedade.

Em tempos de revisão da legislação sobre o Ensino Superior, os líderes e gestores devem adaptar-se a uma nova realidade marcada por: a) mudança de papéis na universidade, que deve ser mais flexível; b) mudança de atitudes em relação à propriedade e ao poder, destacando a importância das competências e redes; c) é sinal de qualidade permitir que as pessoas cresçam, assumam responsabilidades e construam confiança; 4) a validação e o reconhecimento são conceitos-chave de uma educação para todos; 5) é preciso garantir o envolvimento e a satisfação dos estudantes, assim como o rastreamento das suas atividades e conquistas; 6) garantir a eficácia da aprendizagem é primordial; 7) o corpo docente (que também é de investigação) deve estar satisfeito com as condições de trabalho e ser ouvido na tomada de decisões académicas.

Eis um programa de ação de uma liderança forte e consciente.

Domingos Caeiro e João Relvão Caetano são, respectivamente, vice-reitor e pró-reitor da Universidade Aberta

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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