Fed: banca dos EUA preparada para “resistir a recessão severa”, mas perdas podem ser milionárias

Num cenário de recessão extrema, os maiores bancos norte-americanos poderão sofrer perdas superiores a 500 mil milhões de dólares, mas conseguirão manter a solidez e continuar a financiar a economia.

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Jerome Powell, presidente da Fed, mantém "cautela" quanto à situação da banca norte-americana Reuters/JONATHAN ERNST
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Os maiores bancos norte-americanos estão preparados para "resistir a uma recessão severa" e, mesmo nesse cenário, continuarem a financiar a economia. A conclusão resulta dos mais recentes testes de stress realizados pela Reserva Federal norte-americana (Fed) que, ainda assim, apontam para que a banca daquele país sofresse perdas superiores a 500 mil milhões de dólares num cenário de crise grave.

Os resultados foram divulgados esta semana pela Fed, que considera que os testes de stress anuais agora realizados "confirmam" que o sistema bancário mantém a "solidez" e "resiliência". O banco central norte-americano corrobora, assim, o discurso que tem sido mantido por autoridades e reguladores daquele país, num cenário em que várias instituições de menor dimensão nos Estados Unidos têm demonstrado dificuldades financeiras ou mesmo declarado falência. Em causa, sobretudo, tem estado a perda massiva de depósitos, numa altura em que famílias e empresas procuram produtos de poupança mais rentáveis, de forma a fazer face à inflação.

Mas o problema, têm insistido os reguladores, está restringido aos bancos de pequena dimensão e não deverá alastrar-se ou contagiar o restante sistema bancário, seja nos Estados Unidos ou noutros sistemas, como o europeu. Essa mesma ideia é agora defendida nos resultados dos testes de stress que acabam de ser divulgados, que avaliam a resiliência dos bancos de grande dimensão ao estimar os seus níveis de capital, perdas, receitas e custos num cenário hipotético de recessão económica e choque dos mercados financeiros (com base nos resultados dos bancos relativos ao conjunto de 2022).

"Os resultados dos testes de stress demonstram que os bancos de grande dimensão estão bem posicionados para resistir a uma recessão severa e continuarem a conceder crédito a famílias e empresas mesmo durante uma recessão severa", pode ler-se no comunicado divulgado pela Fed nesta quarta-feira. "Os resultados confirmam que o sistema bancário se mantém forte e resiliente", acrescentou o responsável da Fed pela área da supervisão, Michael S. Barr, citado no mesmo comunicado.

O responsável ressalva, contudo, que o cenário pode alterar-se. "Ao mesmo tempo, este teste de stress é apenas uma forma de medir essa solidez. Devemos manter-nos humildes quanto à possibilidade de os riscos surgirem e trabalhar para garantir que os bancos se mantêm resilientes perante um conjunto diverso de cenários económicos, choques de mercado e outros contextos de stress", refere.

Isso mesmo, aliás, demonstram as estimativas de perdas milionárias em que os bancos testados poderão vir a incorrer num cenário de recessão severa. "Todos os 23 bancos testados se mantiveram acima dos requisitos mínimos de capital durante a recessão hipotética, apesar das perdas totais estimadas em 541 mil milhões de dólares [cerca de 495 mil milhões de euros]", refere o comunicado da Fed, detalhando ainda que, nesse cenário, o rácio de capital que serve de referência para determinar a almofada a que os bancos podem recorrer para fazer face a perdas ficaria reduzido a 10,1%, menos 2,3 pontos percentuais do que a média actual.

Os prejuízos de 541 mil milhões, esclarece a Fed, incluem perdas de mais de 100 mil milhões com imobiliário e outros 120 mil milhões com crédito associado a cartões.

Importa notar, ainda assim, que a recessão hipotética desenhada para testar os bancos foi extrema. No cenário concebido pela Fed, os preços do imobiliário comercial sofrem uma quebra de 40%, há um aumento significativo dos espaços de escritórios vagos e os preços da habitação caem 38%, enquanto a taxa de desemprego dispara em mais de seis pontos percentuais e atinge os 10% e a produção económica sofre uma contracção igualmente significativa.

Powell pede cautela

Apesar dos resultados agora apresentados, a Fed mantém-se cautelosa quanto à evolução da solidez do sistema bancário, admitindo que a turbulência vivida nos últimos meses poderá não ter chegado ao fim.

"Estamos relutantes em afirmar se a turbulência do sector já acabou. O nosso trabalho é preocuparmo-nos", resumiu Jerome Powell, presidente da Fed, durante um evento promovido pelo Banco Central de Espanha que decorreu esta quinta-feira, citado pela Reuters.

O sector, considerou o responsável, ainda está sujeito a "vulnerabilidades de financiamento", como se viu, em Março, com a crise gerada pela fuga de depósitos, que levou à falência de instituições como o Silicon Valley Bank (SVB).

Ainda assim, salienta, "os fluxos de depósitos estabilizaram-se" e a liquidez da banca é hoje "muito elevada".

Quanto ao sector imobiliário, historicamente um dos que mais pode impactar a banca, Powell admite que há um "ajustamento da avaliação" dos imóveis nos Estados Unidos, sobretudo no segmento de escritórios, já que o teletrabalho "mudou a história". Mas os riscos, diz, "não estão concentrados" nos bancos de grande dimensão.

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