Cimeira em Paris termina sem planos de perdão de dívida a países afectados pelo clima

Cimeira em Paris procurou melhorar mecanismos de empréstimos dos bancos de investimento. Nações mais ricas comprometem-se a desbloquear mais fundos para a acção climática.

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O Presidente francês, Emmanuel Macron, ao lado do presidente do Banco Mundial, Ajay Banga Reuters/POOL

A Cimeira para um Novo Pacto Financeiro Global, que se reuniu em Paris esta semana, terminou com a promessa de líderes mundiais de que os bancos multilaterais de desenvolvimento, como o Banco Mundial, poderão assumir mais riscos e ter até 200 mil milhões de dólares adicionais para as economias de baixo rendimento, uma medida que poderá exigir que as nações ricas injectem mais dinheiro. Fica fora de vista a possibilidade de perdão de parte das dívidas dos países mais pobres, exacerbadas durante a pandemia.

Cerca de 40 líderes, incluindo cerca de uma dúzia de africanos, o primeiro-ministro da China e o Presidente do Brasil, juntaram-se na capital francesa a organizações internacionais, à sociedade civil e ao sector privado para debater o financiamento da transição climática e os encargos da dívida pós-covid-19 dos países pobres.

Os líderes reunidos na Cimeira de Paris acrescentam que os seus planos poderão garantir milhares de milhões de dólares de investimento adicional do sector privado. A declaração da cimeira refere que existe uma “boa probabilidade” de finalizar este ano a promessa de financiamento de 100 mil milhões de dólares, nos próximos anos, em financiamento climático para os países em desenvolvimento.

“Esperamos um aumento global de 200 mil milhões de dólares da capacidade de empréstimo dos bancos multilaterais de desenvolvimento nos próximos dez anos, através da optimização dos seus balanços e da assunção de mais riscos”, lê-se na declaração final da cimeira, a que a Reuters teve acesso. “Se estas reformas forem aplicadas, os bancos multilaterais de desenvolvimento poderão necessitar de mais capital”, acrescenta-se no documento final da cimeira, reconhecendo pela primeira vez que as nações ricas poderão ter de injectar mais dinheiro.

Apoio dos privados

A Secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, cujo país é o maior accionista do FMI e do Banco Mundial, tinha dito antes da cimeira que os bancos de desenvolvimento tinham de começar por obter mais empréstimos antes de ser considerada a possibilidade de aumentos de capital.

O documento final da cimeira apela a que cada dólar de empréstimo dos bancos de desenvolvimento seja acompanhado por pelo menos um dólar de financiamento privado, o que, segundo os analistas, deveria ajudar as instituições internacionais a mobilizar mais 100 mil milhões de dólares de dinheiro privado para as economias emergentes e em desenvolvimento.

Já o presidente francês, Emmanuel Macron, apelou à criação de impostos globais sobre o transporte marítimo, a aviação e, potencialmente, sobre a riqueza, a fim de financiar a acção climática. A proposta de uma taxa sobre as emissões da indústria naval, que tem estado há muito bloqueada, ganha agora fôlego antes da reunião da Organização Marítima Internacional, a realizar em Julho. De acordo com o jornal Guardian, Janet Yellen deu a entender que a administração Biden iria considerar o imposto sobre o transporte marítimo.

Os anúncios marcam um aumento da acção dos bancos de desenvolvimento na luta contra as alterações climáticas e definem uma direcção para novas mudanças antes das suas reuniões anuais até ao final do ano.

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Activistas reuniram-se em Paris para protestar contra os países responsáveis pelas produção de combustíveis fósseis

No entanto, alguns activistas do clima criticaram os resultados. “Embora o roteiro da Cimeira de Paris reconheça a urgência de recursos financeiros substanciais para reforçar a acção climática, o roteiro apoia-se demasiado nos investimentos privados e atribui um papel excessivo aos bancos multilaterais de desenvolvimento”, afirmou Harjeet Singh, responsável pela estratégia política global da Climate Action Network International.

Aliás, muitos dos participantes nesta cimeira de dois dias insistem que o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional são cada vez menos adequados para enfrentar os desafios mais prementes e que necessitam ambos de uma ampla renovação.

Alívio da dívida

Na cimeira, os Estados Unidos e a China - há muito em desacordo sobre a forma de lidar com as reestruturações da dívida dos países pobres - procuraram dar um tom mais conciliatório após um acordo histórico, firmado na quinta-feira, para reestruturar 6,3 mil milhões de dólares de dívidas da Zâmbia, a maior parte das quais à China.

“Como as duas maiores economias do mundo, temos a responsabilidade de trabalhar em conjunto em questões globais”, afirmou Yellen, num painel da cimeira partilhado com o primeiro-ministro chinês Li Qiang, entre outros líderes.

No entanto, continuam a existir diferenças. A China, o maior credor bilateral do mundo, tem vindo a insistir que credores como o Banco Mundial ou o FMI absorvam algumas das perdas, algo a que as instituições e os países ocidentais se opõem. “A China está pronta a participar nos esforços de redução da dívida de uma forma eficaz, realista e abrangente, de acordo com o princípio da partilha justa dos encargos”, afirmou Li Qiang.

Compromissos sobre o clima

Muitos dos temas debatidos esta semana em Paris retomaram as sugestões de um grupo de países em desenvolvimento, liderado pela primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, designada por “Agenda de Bridgetown”.

“Existe um consenso político de que esta questão é maior do que cada um de nós, que temos de trabalhar em conjunto, que os bancos multilaterais de desenvolvimento terão de mudar a sua forma de actuar e que isso seja aceite”, afirmou Mia Mottley no painel de encerramento da cimeira. “Saímos de Paris não apenas com discursos, mas com o compromisso de ir até aos pormenores para garantir que o que acordámos aqui pode ser executado”.

A promessa de 100 mil milhões de dólares fica muito aquém das necessidades reais das nações pobres, mas tornou-se um símbolo do fracasso dos países ricos em cumprir os fundos climáticos prometidos. Este facto tem alimentado a desconfiança nas negociações sobre o clima a nível global, entre os países que tentam aumentar as medidas de redução de CO2.

Se não conseguirmos definir as regras destes tempos, como outros o fizeram antes, seremos responsáveis por aquilo que poderá ser a pior realidade da humanidade”, afirmou a primeira-ministra de Barbados.

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