As proteínas que impedem a formação de lixo na doença de Alzheimer

As proteínas S100 surgem-nos como novos neuroprotetores na doença de Alzheimer. Elas atrasam e impedem a formação de fibras de beta amiloide, protegendo os neurónios contra os seus efeitos tóxicos.

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As proteínas são grandes moléculas que desempenham inúmeras funções nos seres vivos e que, para funcionarem corretamente, necessitam de adquirir uma forma tridimensional específica. Contudo, algumas proteínas podem dobrar-se indevidamente, associarem-se, e formar um tipo de lixo tóxico denominado “amiloide”, cuja estrutura microscópica se assemelha a um emaranhado de fios de cabelo. Estas fibras acumulam-se nas células, tecidos e órgãos, onde contribuem para o desenvolvimento de várias patologias. É disto exemplo a doença de Alzheimer, a causa mais comum de demência no mundo.

Nesta doença neurodegenerativa, duas proteínas – a beta amiloide e a tau – agregaram para formar este lixo tanto dentro como fora dos neurónios, um dos tipos de células do cérebro.

Os seres vivos evoluíram, todavia, no sentido de desenvolver mecanismos para impedir que estes fenómenos ocorram profusamente. De facto, existe uma outra classe de proteínas, denominadas “chaperões moleculares”, cujo papel é impedir a formação do lixo amiloide e garantir que as proteínas adquirem a sua estrutura correta. Embora existam várias destas proteínas, o número de chaperões identificados como capazes de agir sobre a proteína beta amilóide da doença de Alzheimer é ainda limitado.

É aqui que se insere o trabalho do meu doutoramento. Recentemente, uma proteína abundante no cérebro denominada “S100B” – até hoje associada apenas a processos inflamatórios – foi descrita como um chaperão da proteína beta amilóide. Com efeito, a S100B mostrou-se capaz de atrasar e impedir a formação de fibras de beta amiloide, protegendo os neurónios contra os seus efeitos tóxicos.

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O investigador António J. Figueira Dr

Existem no cérebro, porém, outros membros da família das proteínas S100, muito idênticas à S100B, das quais se desconhecem potenciais efeitos neuroprotetores. O trabalho que desenvolvo tem por objetivo estudar o modo como esta família de proteínas regula a formação de agregados de beta amiloide, utilizando abordagens de engenharia genética, bioquímica estrutural, biologia molecular e até modelos animais.

Até então, a investigação que levei a cabo permitiu confirmar que, de facto, outras parentes da S100B são também capazes de inibir a formação de fibras da proteína beta amiloide, nalguns casos com ainda mais potência. Ademais, percebemos que o modo de atuação destas proteínas permite que a formação de um tipo muito particular e altamente tóxico de lixo amiloide seja minimizado, o que pode subjazer aos efeitos benéficos das proteínas S100.

Embora não constitua uma cura por si, a compreensão dos mecanismos que o cérebro dispõe para obstar a formação de fibras amiloides em fases iniciais da doença de Alzheimer poderá vir a inspirar terapias promissoras. Cumulativamente, este conhecimento poderá auxiliar na identificação de biomarcadores de diagnóstico que permitam a um paciente saber se irá desenvolver a patologia mesmo antes dos sintomas clínicos se manifestarem.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Estudante de doutoramento em bioquímica na Faculdade de Ciência da Universidade de Lisboa

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