Proteína envolvida na doença de Alzheimer: boa, má ou vilã?

O nosso cérebro funciona graças às comunicações ou “telefonemas” que ocorrem entre os neurónios. O problema é quando passamos a ter “telefones avariados”, como acontece na doença de Alzheimer.

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Ilustração alusiva à comunicação entre os neurónios DR
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As doenças não são mais do que “avarias”: processos que ocorrem no nosso corpo e que nos permitem sobreviver, mas que eventualmente deixam de funcionar. A doença de Alzheimer não é exceção. Os nossos neurónios deixam de conseguir comunicar de forma eficaz e é por isso que vamos perdendo as nossas memórias.

Uma das proteínas que parece estar “avariada” nesta doença é a proteína precursora de amiloide (PPA), uma vez que gera uma substância tóxica que se acumula no cérebro dos doentes (beta-amiloide). Isto levou-me a pensar na PPA como o fio condutor que permite a comunicação entre neurónios e que, em casos de avaria, se transforma num “telefone avariado”.

Durante a minha tese de doutoramento percebi que de facto a PPA funciona como fio condutor, especialmente durante o desenvolvimento. É nesta fase que os nossos neurónios deixam de ser pontos isolados e passam a estabelecer “telefonemas” ou sinapses entre si. A PPA ajuda a construir esta rede de comunicações, porque assegura que os recetores sinápticos estão no sítio certo, de forma a conseguirem captar os sinais vindos de outros neurónios.

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A investigadora Joana Saraiva DR

À medida que vamos crescendo, a rede de comunicações vai-se tornando cada vez mais forte e estável. Então, a prioridade deixa de ser estabelecer novos telefonemas, mas sim garantir que as mensagens importantes chegam ao seu destino. Assim, as chamadas telefónicas recebidas por cada neurónio são filtradas, de tal forma que as mensagens mais importantes sejam ouvidas e o ruído seja ignorado.

Quando envelhecemos, esta capacidade de discernir o sinal do ruído vai-se perdendo e é por isso que temos mais dificuldade em formar memórias ou aprender coisas novas. O que descobrimos neste trabalho é que, ao longo do envelhecimento, a PPA começa a ter pequenas avarias e isso é suficiente para alterar o funcionamento dos recetores nas sinapses, nomeadamente a sua capacidade de filtrar as mensagens. Se estas “avarias” forem aumentando, passamos a ter “telefones avariados” que eventualmente deixam de funcionar, tal como acontece na doença de Alzheimer.

Assim sendo, com este trabalho percebemos que a PPA pode ter um papel bom (durante o desenvolvimento), mau (quando envelhecemos) ou ser a vilã (na doença de Alzheimer): tudo depende da idade e do contexto.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

Estudante de doutoramento no Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

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