Costa Silva: “Devemos remover” imposto aos lucros excessivos para “não penalizar” empresas

Ministro da Economia, António Costa Silva, espera fechar 2023 com crescimento económico acima dos 3% e deixa elogios e um aviso sobre António Costa: “Não o subestimem”

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Ministro da Economia, António Costa Silva RUI GAUDÊNCIO
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António Costa Silva está confiante num resultado "magnífico" do PIB neste ano. Para isso, é preciso que a recessão técnica na Alemanha não passe disso, de técnica. Em entrevista ao PÚBLICO-Renascença, o ministro da Economia é muito crítico do debate político que hoje se faz em Portugal e lamenta a "hiper-partidarização" e "fragmentação". Pode ouvir a entrevista na íntegra na Renascença esta quinta-feira pelas 23h.

O Governo tem destacado os bons números da economia. A verdade é que esses resultados tardam a chegar ao bolso das pessoas. Isso já foi, de resto, salientado pelo Presidente da República. E o que é que um ministro da Economia tem para dizer às pessoas neste momento? Que esperem mais um pouco, que aguentem durante mais algum tempo?
A economia, como todos compreendemos, está no centro da vida. Há um conjunto de medidas que foram tomadas que explicam também estes resultados em combinação com a excelência de muitas das nossas empresas e da resiliência do tecido empresarial. Em 2022, tivemos um dos maiores crescimentos da União Europeia, os 6,7%. Neste trimestre, o crescimento foi de 2,5%. O crescimento em cadeia é mesmo um dos maiores no âmbito da OCDE. Agora também temos de compreender que o ano passado foi um ano completamente atípico. Quando o Governo tomou posse, estava no início a guerra na Europa, que é o acontecimento completamente novo, uma crise grande da energia que hoje provavelmente já não nos lembramos, mas flagelou também intensamente o tecido produtivo e obrigou à tomada de todo um conjunto de medidas, desde logo pela redução do ISP nos combustíveis, que foram cerca de 1500 milhões de euros e depois os pacotes para as empresas e para as famílias. No total, cerca de 6400 milhões de euros. Isso conteve os preços da energia combinado com o mecanismo ibérico. Hoje, temos pelo sétimo mês consecutivo a redução da inflação. Em Abril era de 5,7% e em Maio é de 4%, segundo o INE.

Com esta baixa da inflação, vai ser possível dentro de pouco tempo as pessoas terem mais dinheiro no bolso e perceberem que as coisas estão a mudar?
Vai ser possível porque há uma conjugação de factores: redução da inflação; alívio em relação ao custo de vida; um comportamento muito importante de todos os preços da energia, o petróleo reduziu mais de 30% relativamente ao pico que atingiu o ano passado. A combinação da redução dos preços da energia com a redução dos preços de produtos alimentares pode ser extremamente importante.

Este desempenho da economia pode ser acima das expectativas do próprio Governo? Claramente. Repare que o Governo tinha inscrito no Orçamento do Estado de 2023 a previsão de um crescimento na ordem dos 1,9%. Agora é o Fundo Monetário Internacional a ter também uma perspectiva de crescimento muito mais acentuada. Para mim, como ministro da Economia, o mais importante é olhar para tudo o que se passa nos vários sectores da economia portuguesa. O turismo é um sector que está a ajudar muito ao crescimento da economia.

É esse o modelo que mais defende ou que mais gostaria?
É uma questão muito pertinente. O turismo é um sector forte. Em 2022 as receitas chegaram a 21,1 mil milhões de euros, 15,4% acima de 2019. Eu digo sempre que a economia portuguesa não é só turismo. É absolutamente notável que em 2022 as exportações da indústria metalomecânica, da fabricação de máquinas e equipamentos tenha chegado aos 23 mil milhões de euros, superior à [receita] do turismo. E nós estamos hoje a verificar que a exportação de bens está em vários meses a ultrapassar a própria exportação de serviços. E isto reflecte não só o dinamismo da economia portuguesa, mas de certa maneira, a descentralização dos motores de crescimento.

Tem algum número mágico ideal de crescimento económico para final do ano na cabeça?
É muito arriscado dizer-lhe, mas espero sinceramente que se chegue ao fim do ano na ordem dos 3%. Estamos nos 2,5%, se tivermos 3% ou um bocadinho acima disso seria um resultado magnífico. O que me dá a convicção é o comportamento extraordinário das exportações. Não se esqueça que em 2022, pela primeira vez, as exportações chegaram a 50% do PIB e as exportações estão a puxar pela economia portuguesa. Qual é o elemento aqui comparando com 2022, que provavelmente não vai ter o mesmo impulso? É o consumo interno.

E a recessão na Alemanha?
Esse é outro grande imponderável. Aí já não conseguiríamos atingir os 3%. Por enquanto, é uma recessão técnica. É muito possível que a Alemanha ainda recupere. Mas se isso não acontecer, a recessão na Alemanha, se continuarmos a ter um comportamento expressivo das exportações e a redução da taxa de inflação e das taxas de juro, vou ver na segunda parte do ano mais contribuição do consumo interno.

Deu uma entrevista esta semana ao El Mundo em que defendia uma baixa de impostos da carga fiscal para as famílias. Qual é a sua prioridade? A baixa transversal do IRC ou ir primeiro ao IRS?
Em relação aos impostos, tenho uma opinião muito firme de que o regime fiscal quando é aliviado tem um impacto muito grande na economia, quer nas empresas, quer nas famílias.

Mesmo que seja só o IRS?
O ministro das Finanças já anunciou, tendo uma almofada extremamente importante que deve ser distribuída aos cidadãos, que vai fazer uma redução do IRS nos próximos anos. É uma medida extremamente positiva. Se nós a conseguimos combinar com um alívio selectivo ou transversal do IRC podemos ter um quadro ainda mais competitivo.

Há uma almofada grande no Ministério das Finanças e as pessoas não compreendem que o Governo não a esteja a usar.
Pois. O Governo continua a debater, a discutir. É uma matéria que o ministro das Finanças gere e vamos ver como é que vamos chegar a uma solução. Temos sempre que chegar a soluções equilibradas e em linha com aquilo que a economia está a desenvolver.

É uma discussão que o Governo está a ter actualmente? Ainda não foi possível chegar a consenso?
Sim, mas o consenso atinge-se sempre, até porque quando não há consenso, há uma pessoa que decide e tem toda a legitimidade para o fazer.

Sobre a redução transversal do IRC, essa discussão pode regressar agora nesta discussão do Orçamento do Estado para 2024?
Sim. A questão do regime fiscal regressa sempre porque o país está em condições para ter um novo patamar de desenvolvimento da sua economia, pela combinação de todos dos factores que referi.

Quando estamos a falar de um esforço de consolidação orçamental que é muito significativo, que aliás, impressiona os espanhóis e outros países europeus, porque conseguimos reduzir 10,5 pontos percentuais (p.p.) a dívida este ano e o plano é reduzir mais 4,2 p.p. para o próximo ano. Portugal, de certa maneira, pode sair daquele grupo a vermelho, o dos países mais endividados da União Europeia. Isso é um sinal extremamente poderoso que se dá para o próprio desenvolvimento da economia. A capacidade de atrair os investidores é muito importante.

O imposto sobre os lucros imprevistos, que acabou por avançar apenas para sector energético, deve acabar no próximo Orçamento ou deve até ser alargado?
Esses impostos só se justificam em situações pontuais e esporádicas. Assim que desaparecem essas circunstâncias, devem ser removidos. Não podemos penalizar excessivamente as empresas e sobretudo as empresas que pelas suas condições e pela sua capacidade são capazes de gerar esse tipo de lucros. Quando eles são realmente excessivos em situações específicas e quando a sociedade tem que fazer toda ela um esforço grande, também é legítimo exigir a essas empresas.

A partir de agora, já não se justifica?
Desde que desapareçam as circunstâncias que permitiram gerar lucros excessivos devem ser reavaliados. A energia está a baixar de uma forma muito clara.

As recentes polémicas do Governo com os casos e os casinhos e alguma instabilidade têm prejudicado essa captação de investimento estrangeiro?
Não. É evidente que o país está muito polarizado nos casos, nos casinhos há uma hiper-partidarização e penso que estamos a discutir, no fundo, muitas coisas que são uma tempestade num copo de água. Discutimos muitas vezes as pessoas em vez discutir as políticas. Discutimos muito na base do entretenimento, do espectáculo, do escândalo em vez de discutirmos projectos e vários argumentos para desenvolver o país.

O desempenho da economia podia ser melhor se não fosse esta crise política que se arrasta há tantos meses?
Sim, essa é uma questão. No seio do Governo, não vejo muitos os efeitos da crise política. E porquê? Porque temos uma liderança forte e as pessoas muitas vezes subestimam isso. Temos um primeiro-ministro há sete anos no Governo, passou por dois anos de uma crise pandémica, apanha mais estes dois anos de uma guerra na Europa e uma inflação elevada. Como um colega vosso um dia disse, ele é uma espécie de couraçado, portanto, é muito resistente. Ele tem um grande talento político e penso que é o político mais dotado da sua geração. A questão para não haver crises, ou pelo menos para as crises não terem grandes efeitos, é a questão da liderança. A liderança distingue tudo. Aliás, o nosso príncipe dos poetas portugueses, Luís de Camões, dizia que um rei fraco torna fraca a forte gente. E um rei forte torna ainda mais forte a fraca gente. Ele tem uma liderança clara e, portanto, o Governo continua a trabalhar, continua a funcionar a todo o gás. O que é fundamental é o que nós queremos fazer no país para o futuro.

Também é o próprio Governo que não ajuda a esclarecer.
É verdade. O primeiro-ministro, quando disse que o Governo se pôs a jeito, reconheceu que o Governo também cometeu erros.

O primeiro-ministro disse isso muito antes deste caso de João Galamba.
Todos cometemos erros. O importante é, face aos erros, superarmos os erros e termos a humildade de o reconhecer. Ele tem e o Governo tem. Agora, pegarmos em cada um dos erros e dos errozinhos, estarmos a cavar ainda mais à volta deles, não vai conduzir a lado nenhum. Isso encerra-nos num casulo de onde não sai nada. É um jogo de soma negativa.

A legislatura já pode estar em causa e temos eleições antecipadas como cenário?
Os actores políticos têm que que meditar muito bem nas suas responsabilidades e no que vão fazer. Não há nenhuma justificação para termos eleições antecipadas. Houve eleições há um ano com um resultado muito claro, houve uma maioria absoluta que na própria noite das eleições irritou muita gente. E este grau de irritabilidade, de não acomodação deste facto também tem o seu peso e as suas consequências. Agora este é o resultado que as pessoas escolheram nas urnas. Apelo a que berremos menos e pensemos mais, que em vez da gritaria, haja mais racionalidade e que haja decisões certas. Não tenho dúvida absolutamente nenhuma, se houver alguma decisão no sentido de se fazer eleições, não subestimem a capacidade do primeiro-ministro. Ele já a mostrou inúmeras vezes.

Isso quer dizer exactamente o quê?
Não subestimem. É muito focado nas coisas que está a fazer, tem uma capacidade de luta impressionante, tem uma liderança fora do vulgar, é o político mais dotado da sua geração e portanto as pessoas têm de contar com tudo isso. E se nós vamos gizar uma situação artificial para provocar eleições, será mau para o país, será mau para a execução dos fundos europeus, os cidadãos não vão compreender. E depois vai haver uma campanha eleitoral que será a mais dura de sempre, muito polarizada, muito fragmentada. A lógica eleitoral está hoje a invadir tudo e tenta paralisar a decisão política.

Muitos destes recados que está a dar têm o Presidente da República também como alvo?
Partilho muitas das preocupações que o Presidente exprime. O Presidente é sereno, muito sólido nas suas análises.

Não acha que tem contribuído para esta crise?
Não, penso que não.

Tem falado muitas vezes no seu poder de dissolução da Assembleia da República.
Fala muitas vezes e com toda a legitimidade, expressa as suas preocupações. A minha postura em relação a isso é ouvi-lo com muita atenção, falar com ele. Tenho uma relação muito cortês com ele. É importante ouvi-lo, porque ele é o fiel da balança.

Então não partilha das críticas de algumas pessoas do Partido Socialista e do governo?
Cada Presidente da República tem o seu estilo e nós temos um Presidente da República que fez um trabalho muito importante quando foi eleito. Estabilizou a relação da Presidência da República com os cidadãos, criou uma linha de afecto com as pessoas, tem uma capacidade de comunicação extraordinária e é um leitor muito inteligente de todas as situações políticas. É um grande activo que o país tem.

Não perturba os bons resultados da economia quando têm sucessivamente vindo falar da dissolução do Parlamento?
O Presidente tem que zelar pelo normal funcionamento das instituições e, portanto, quando sente que provavelmente alguma coisa que não está a funcionar bem, faz a sua magistratura de influência, fala, comenta, critica. Acho que isso é benéfico. A democracia é um regime que na sua base tem várias visões, várias orientações, várias percepções. Apesar da colaboração e da excelente colaboração que existe entre o Presidente da República e o primeiro-ministro, cada um tem a sua visão do mundo, a sua experiência e isso só acrescenta à democracia.

Acha que António Costa ganharia umas eleições se fossem agora?
Não sei se ganharia ou não. O que sei é que ele é um animal político por excelência e, portanto, se for desafiado a ir a umas novas eleições vai combater da mesma forma que combateu nas últimas. Recordo só que nas últimas eleições, no dia anterior, tudo e todos diziam que os resultados iam ser "ela por ela". Até havia partidos que já estavam a preparar-se para comemorar a sua vitória. Costa tem uma grande experiência política, uma grande empatia, capacidade de ligação com as pessoas, capacidade de explicar. E é um lutador. Pessoas com estas qualidades não devem ser subestimadas.

Esse aviso serve também para dentro do próprio PS?
Não sei. Não sou do PS, sou independente. Repare que o Governo, praticamente desde que tomou posse, está sob ataque por erros que o Governo cometeu, por omissões que o próprio primeiro-ministro já reconheceu e há aqui um clima de fragmentação, de polarização, de suspeita generalizada que se está a criar.

Esta recente revisão do PRR levou o orçamento para valores próximos do PT2030, mas o Ministério da Economia gere as três agendas e pouco mais de cerca de 3000 milhões. Ou seja, fica com 13 a 15% do PRR para gerir. 13% é suficiente? Era isso que tinha em mente quando redigiu a visão estratégica para a recuperação pós-pandemia? Ou da forma como o Governo está organizado, o ministro da Economia tem muito pouco poder de intervenção na economia?
Eu não discuto a organização do Governo. Isso é uma questão que compete ao primeiro-ministro. Eu trabalho dentro do quadro que me foi proporcionado e para o qual me convidou. Estou confortável. Queria só referenciar que no reforço que foi feito na programação do PRR, a grande fatia vai para as empresas. Nós tínhamos cerca de 930 milhões de euros no PRR inicial. Agora são cerca de 2,8 mil milhões de euros. Três vezes mais. No ministério ainda gerimos toda a parte da descarbonização, que são cerca de 715 milhões de euros. Temos ainda tudo o que são as empresas 4.0. O Ministério da Economia está também envolvido no pacote da inovação tecnológica, da transição digital. O que eu faço é mobilizar todos os organismos que dependem do Ministério da Economia. Estamos no terreno, a interagir com todo o sistema empresarial e, sobretudo, a fazer chegar o dinheiro às empresas.

Por falar na máquina do ministério, no último meio ano, substituiu dois secretários de Estado e praticamente todas as presidências ou direcções dos organismos do Ministério da Economia. E significa que o Ministério da Economia estava a ser tão mau que já ninguém servia ou que era realmente preciso dar uma grande volta à máquina?
Não direi que estava tão mau, mas quando há um ministro novo, este tem necessidade de fazer ajustamentos, de ter a capacidade de exigir resultados e de exigir resultados mais rápidos [nos fundos europeus]. Se não mudarmos o nosso quadro mental, os métodos de trabalho, se não tivermos mais foco, não vamos começar a conseguir fazer isso.

Está a conseguir?
A vida é sempre uma tentativa. Como dizia o escritor Saul Bellow, queremos falhar cada vez melhor. Portanto, vamos melhorando naquilo que estava a falhar.

Em relação à Efacec, a privatização vai acontecer quando?
Não lhe posso responder. Vou dizer que vai ser em breve, porque as condições estão todas a ser reunidas para o Conselho de Ministros apreciar e tomar uma decisão. Estão quatro propostas sob análise

O Governo bloqueou o investimento das empresas chinesas no 5G. Por que é que o fez? E receia criar um problema de diplomacia económica com a China?
O nosso país tem tradição abertura em relação aos vários investidores internacionais. Não podemos esquecer que com a guerra na Ucrânia se criou uma situação difícil, quase de fragmentação geopolítica. A minha posição tem sido sempre a de que as empresas são bem-vindas, desde logo as empresas chinesas e temos várias. Agora, em tudo o que releva de questões de segurança ou da soberania do país temos que ter um alinhamento com os nossos aliados clássicos. E é evidente que a parte do 5G, os sistemas de informações são questões mais complexas e que têm que ser atendidas. E espero que se encontre uma solução.

Acha que vai haver retaliação?
Não sei o que vai haver, mas é um problema que vamos acompanhar. O país, no que concerne aos seus sistemas de informação, tem que ter alguma segurança em toda a operacionalidade.

Portugal é sensível aos dos EUA nesse sentido?
Os EUA têm feito avisos sistemáticos relativamente a essa questão, mas nós também tivemos, da parte do Reino Unido, um estudo exaustivo que os seus serviços de segurança fizeram. A conclusão final é que a ameaça não era uma ameaça credível ou grande. Portanto, há várias nuances. A nossa posição foi mais uma posição precaucionária.

A Comissão Europeia tem vindo a sinalizar investimentos extra-comunitários que comprometam a segurança da região. O investimento chinês da REN é uma dessas operações sinalizadas? Já houve algumas em Portugal?
Não tenho nenhum conhecimento. Penso que as questões sinalizadas têm mais a ver exactamente com a operação dos sistemas de informação. Tudo o resto, nos investimentos industriais, no desenvolvimento de actividades, a China tem um papel – o nosso país tem sido importante e espero que se possa manter.

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