Universidade de Coimbra recusa divulgar “factos” para demissão de professor russo

Vladimir Pliassov soube esta quarta-feira, por email, da demissão da Universidade de Coimbra. O professor russo é acusado, por dois activistas ucranianos, de fazer “propaganda” pró-Putin nas aulas.

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Reitor da Universidade de Coimbra despediu nesta quarta-feira professor acusado de "propaganda pró-russa" ADRIANO MIRANDA

O reitor da Universidade de Coimbra recusou esta quinta-feira divulgar os alegados “factos” que levaram à demissão do director do Centro de Estudos Russos, Vladimir Pliassov, referindo que o processo não teve nem teria de ter associado qualquer processo disciplinar.

A Universidade de Coimbra (UC) demitiu o professor russo esta quarta-feira, depois de este ter sido acusado de “propaganda russa” por dois cidadãos ucranianos a residir em Coimbra, que se identificam como activistas, num artigo de opinião publicado no Jornal de Proença e no Observador.

Questionado esta quinta-feira pela agência Lusa, o reitor da UC, Amílcar Falcão, afirma que não “tinha de haver nenhum processo disciplinar” para suportar a demissão do director do Centro de Estudos Russos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, que se encontrava reformado e trabalhava a “título gracioso” naquela instituição.

“Houve uma rescisão de contrato de uma pessoa que está reformada. Tinha um vínculo, através de um contrato com a universidade, mas a título gracioso. Não havia aqui dinheiro envolvido”, esclareceu Amílcar Falcão, que falava à Lusa à margem de uma cerimónia, na Sala do Senado, em Coimbra. O reitor da UC recusou-se a dizer quando é que soube das acusações e remeteu, novamente, para o comunicado enviado esta quarta-feira pela Universidade de Coimbra.

Nesse comunicado, nota que este Centro de Estudos Russos era financiado pela Fundação Russkyi Mir, tida como próxima do regime russo e como um veículo de desinformação pela própria Comissão Europeia, até Dezembro de 2021, quando a UC “cessou o vínculo com a Fundação Russkyi Mir”, devido à invasão russa da Ucrânia. Desde aí, este centro foi mantido com “recursos próprios” da universidade, acrescenta.

“Ao verificar que as actividades lectivas do referido Centro de Estudos Russos estariam a extravasar esse âmbito, a reitoria determinou a cessação imediata do vínculo com o professor Vladimir Pliassov”, conclui o comunicado, sem nunca explicar quais actividades são referidas – algo que também não foi esclarecido esta quinta-feira.

Amílcar Falcão afirma que tem em sua posse “outro tipo de dados” e que “os factos são muito complexos”, mas escusou-se a explicar como, quando e onde a actividade daquele centro dirigido por Vladimir Pliassov extravasou a actividade lectiva. “Posso dar explicações à tutela e a outras entidades responsáveis. Publicamente, não vejo qual o interesse disso”, realça.

Vladimir Pliassov nega as acusações

O artigo assinado pelos ucranianos Olga Filipova e Viacheslav Medvediev acusa Vladimir Pliassov de “propaganda russa” na Universidade de Coimbra e de ser o principal representante em Portugal da Fundação Russkiy Mir. Além disso, acusam o professor russo, que está na Universidade de Coimbra desde 1988, de utilizar símbolos conotados com a invasão do território ucraniano, como a fita de São Jorge, símbolo usado para celebrar a vitória da União Soviética contra a Alemanha Nazi, mas que no século XXI ganhou outra carga, estando associada a movimentos separatistas pró-russos – sendo inclusive proibida em vários países da Europa de Leste.

As imagens utilizadas pelos dois autores sobre o uso da fita de São Jorge e das cartas das jovens foram todas retiradas de um vídeo no canal de YouTube do Centro de Estudos Russos, publicado em Fevereiro de 2018 (quatro anos antes do início da guerra na Ucrânia) e sem se conseguir perceber em que contexto, local ou data em que cada imagem foi publicada (o vídeo assume-se como uma espécie de filme só com fotografias). Existem ainda acusações pela existência de autores favoráveis à invasão russa da Ucrânia na bibliografia das aulas de literatura russa e também de que Vladimir Pliassov é um ex-agente do KGB, os serviços secretos da antiga União Soviética.

Em declarações ao PÚBLICO, esta quarta-feira, Vladimir Pliassov caracteriza as acusações pró-Putin publicadas como “calúnias”, “mentiras”, “difamação” e fantasia. O professor russo diz que recebeu uma comunicação de fim de contrato por email às 12h46 desta quarta-feira.

Vladimir Pliassov adianta que quer falar com o reitor da Universidade de Coimbra antes de avançar com mais declarações, de forma a perceber porque “acreditou em dois ucranianos e não num professor que trabalha aqui [na universidade] há 35 anos”. Segundo o próprio, ainda não conseguiu reunir ou falar com Amílcar Falcão para entender os motivos da cessação do vínculo.

A todas as acusações, Vladimir Pliassov responde com “não corresponde à verdade”. O contrato a título gracioso é assinado anualmente, podendo ser renovável a cada três anos. O deste director do centro conimbricense terminaria em Agosto, depois de concluídas todas as avaliações das suas aulas, que versam sobre literatura e cultura russa. “É uma difamação contra a universidade, contra a Faculdade [de Letras] e depois contra mim”, refere ao PÚBLICO.

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