Amnistia Internacional denuncia uso de tecnologia de reconhecimento facial por Israel
Relatório da organização de direitos humanos acusa o Estado hebraico de utilizar esta tecnologia para restringir movimentos de palestinianos mas não para israelitas judeus.
O Exército israelita está a utilizar tecnologia avançada de reconhecimento facial para vigiar palestinianos, diz a organização de defesa de direitos humanos Amnistia Internacional com base em investigações em Hebron (Cisjordânia) e Jerusalém Oriental.
A organização sublinha que o sistema de câmaras de vigilância chamado Red Wolf está a ser utilizado desde 2022, e faz parte de um programa que se baseia “em bases de dados que consistem quase exclusivamente em dados de indivíduos palestinianos”, o que leva a organização a acusar Israel de “apartheid electrónico”. A informação associada a cada pessoa determina se pode passar por um dado checkpoint ou ter acesso a determinada área.
A presença de câmaras não se restringe aos checkpoints, postos de controlo do Exército israelita que existem nas estradas entre o território de Israel e da Cisjordânia ocupada, mas também entre cidades palestinianas. A Amnistia contabilizou uma a duas câmaras de videovigilância (CCTV) em Jerusalém Oriental, incluindo na Cidade Velha e em Sheikh Jarrah, uma zona em que têm sido ordenadas expulsões de famílias palestinianas, em processos judiciais iniciados por grupos de colonos.
A organização justificou a escolha de Jerusalém Oriental e Hebron por serem as únicas cidades nos territórios palestinianos ocupados com colonatos dentro das suas fronteiras.
O diário The Washington Post relatou, em 2021, que o Exército de Israel estava a criar uma base de vigilância digital de palestinianos residentes em Hebron construída com base numa tecnologia chamada Blue Wolf, que permitia ligar as fotos a bancos de dados.
A Amnistia ouviu um activista em Hebron dizendo que a tecnologia “está nas mãos de todos os soldados nos seus telefones” e que o efeito se nota nas interacções entre palestinianos e soldados. “O soldado faz um scan à nossa cara com a câmara do telefone, e de repente o comportamento em relação a nós muda, porque vêm a informação”, descreveu o activista. Mas não sabe que informação é essa: “Não sabemos a que têm acesso nem o que vão usar contra mim”, disse ainda o activista. “Não há qualquer possibilidade de termos influência neste sistema”, queixou-se ainda.
“As autoridades israelitas estão a usar ferramentas sofisticadas de vigilância para aumentar a segregação e o apartheid electrónico contra os palestinianos”, disse a secretária-geral da Amnistia Internacional, Agnès Callamard. Numa zona de Hebron, “documentámos como um novo sistema de reconhecimento facial chamado Red Wolf está a reforçar restrições draconianas na liberdade de movimento dos palestinianos, usando dados biométricos adquiridos de modo ilegítimo para monitorizar e controlar os movimentos dos palestinianos pela cidade”, disse ainda Callamard.
“Juntando à constante ameaça de força física excessiva e detenção arbitrária, os palestinianos têm agora de lidar com o risco de serem controlados por um algoritmo, ou impedidos de entrar no seu próprio bairro por causa de informação guardada em bases de dados discriminatórias”, declarou a responsável da Amnistia, concluindo que esta prática é incompatível com o respeito de direitos humanos.
A Amnistia Internacional disse que tomou a decisão de não contactar responsáveis israelitas “devido à natureza sensível da pesquisa, risco de fugas, e riscos para a equipa de investigação da Amnistia”. A organização viu uma fuga de informação acontecer no relatório de 2022 em que acusava Israel de ter em prática um sistema de apartheid.
O diário norte-americano The New York Times contactou as Forças de Defesa de Israel (IDF) que responderam que levam a cabo as “operações de segurança e recolha de informação necessárias, fazendo esforços significativos para minimizar o impacto na actividade de rotina na população palestiniana”. O jornal comenta que utilização por governos desta tecnologia para apenas um grupo populacional é raro – destacando o caso da China com postos de controlo para monitorizar os movimentos de uigures e outras minorias étnicas.
A AI disse que não podia dizer com certeza quais as empresas envolvidas na tecnologia Red Wolf, mas que identificou duas empresas, a chinesa Hangzhou Hikvision Digital Technology Co., Ltd e a neerlandesa TKH Security Solutions como estando envolvidas com o sistema de câmaras. Nenhuma das empresas comentou o relatório.
A Amnistia Internacional está a apelar a uma proibição global do desenvolvimento, venda e utilização de tecnologia de reconhecimento facial para vigilância, na campanha “Ban the Scan”.