A incrível história de Balto, um cão do Alasca que salvou uma cidade da difteria

Há quase um século, Balto esteve entre os cães que enfrentaram um nevão no Alasca para trazer medicamentos para uma cidade infectada com difteria. Os seus genes foram agora estudados.

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Depois de Balto morrer em 1933, a pele foi exposta no Museu de História Natural de Cleveland (EUA) Museu de História Natural de Cleveland

Em 1925, o cão de trenó Balto liderou uma equipa de 13 cães que enfrentou um nevão durante a etapa final de 85 quilómetros de uma viagem de mais de mil quilómetros de trenós puxados por cães, e cuja missão era levar medicamentos que salvariam as vidas dos habitantes da cidade de Nome, no Alasca (Estados Unidos), durante um surto de difteria.

Balto foi celebrado como um herói, personagem principal de livros e filmes, e a obra de taxidermia do cão ainda está em exibição no Museu de História Natural de Cleveland (Estados Unidos). Mas esse não foi o último dos feitos magníficos de Balto. Um grupo de cientistas extraiu o ADN de um pedaço da pele do ventre deste cão para o ambicioso projecto de investigação genómica de mamíferos, conhecido como Zoonomia.

O genoma de Balto, descobriram os cientistas, tinha certas variantes genéticas que podem ter ajudado o cão a prosperar no clima extremo do Alasca e a suportar o percurso que é agora conhecido como a Corrida do Soro. O cão, que pertence a uma população de cães de trenó no Alasca, tinha também maior variedade genética e saúde genética do que as raças caninas modernas.

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O cão Balto com o seu dono, Gunnar Kasson, por volta de 1925 Biblioteca Pública de Cleveland

“O Balto personifica a força do vínculo entre cães e humanos, e do que esse vínculo é capaz de fazer”, sintetiza Katie Moon, investigadora de paleogenómica no Instituto Médico Howard Hughes (Estados Unidos) e uma das autoras do estudo agora publicado na revista Science.

“Os cães não oferecem apenas conforto, apoio e amizade aos humanos. Muitos deles são activamente criados ou treinados para prestarem serviços vitais. Esse vínculo entre humanos e cães continua a ser forte, 100 anos depois da missão de Balto estar concluída”, acrescenta Katie Moon.

Maltratado depois de tudo o que fez

Como a difteria – uma infecção bacteriana grave e, por vezes, fatal – se disseminou entre o povo de Nome e o porto estava congelado nesse mês de Janeiro de 1925, a antitoxina para esta infecção tinha de ser entregue por terra. A única opção viável eram os cães de trenó. Balto estava entre os cerca de 150 cães que faziam turnos ao longo das 127 horas de viagens e com temperaturas de 45º Celsius negativos.

Os investigadores examinaram o genoma de Balto como parte de um conjunto de 682 genomas de cães modernos e lobos – e um conjunto maior de genomas de 240 mamíferos, incluindo humanos.

O genoma de Balto mostrou taxas mais baixas de endogamia e uma carga menor de variações genéticas raras e potencialmente prejudiciais do que quase todos os cães de raças modernas. O herói da cidade de Nome partilha ascendência com huskies da Sibéria, cães de trenó do Alasca e da Gronelândia, cães rafeiros vietnamitas e mastins tibetanos – no entanto, não há ligação perceptível com lobos.

Nascido em 1919, Balto fazia parte de uma população de cães de trenó importados da Sibéria, apelidados de huskies siberianos – embora a investigação agora publicada mostre que esses cães diferiam substancialmente dos huskies da Sibéria modernos. O corpo de Balto estava formado para ter força e não para velocidade, algo que desapontou o criador, que o castrou.

A vida deste cão após a Corrida do Soro tornou-se complicada e envolveu exploração humana – e, depois, salvação. Balto viajou pelos Estados Unidos durante dois anos no circuito de Vaudeville (um trajecto itinerante de entretenimento), acabou por ser colocado numa montra para exibição com outros cães da equipa de trenós num museu barato de Los Angeles e foi maltratado.

Até que um empresário de visita a Cleveland reparou na situação de Balto e conseguiu comprar os cães que estavam em exibição por 1500 dólares americanos. O dinheiro foi posteriormente arrecadado pela comunidade local de Cleveland. Em 1927, Balto e os seus parceiros caninos Alaska Slim, Billy, Fox, Old Moctoc, Sye e Tillie foram homenageados em Cleveland com um desfile no centro da cidade, antes de passarem o resto das suas vidas no jardim zoológico de Brookside, também em Cleveland. Depois da morte de Balto, de causas naturais em 1933, a pele preservada foi colocada no museu.

“A sua história destaca, de facto, como os cães de trabalho se tornam heróis”, indica Kathleen Morril, outras das investigadoras que participou no estudo e que faz análise de genoma na empresa Colossal Biosciences. “Estes cães especializados não percebem que o que fazem tem tanta relevância na vida das pessoas, mas as suas adaptações genéticas tornam-nos os melhores animais para a missão.”

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