Professores marcharam rumo ao aeroporto de Lisboa pelo tempo de serviço: “Costa, a culpa é tua”

A partir da Rotunda do Relógio, dezenas de professores seguiram a pé até à zona das chegadas do aeroporto de Lisboa: “A escola na rua! Costa, a culpa é tua.”

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Matilde Fieschi
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As malas de cartão eram um dos adereços recomendados. Amélia Rainho trouxe uma bem grande. "Portugal, um paraíso para os turistas, um inferno para quem cá vive", lê-se a toda a largura. Foi uma das dezenas de professores que se juntaram à iniciativa “Assalto aos Aeroportos”, com a polícia a cortar a circulação na Rotunda do Relógio, em Lisboa, para os professores avançarem em direcção ao aeroporto. Pelas 18h23, hora que simbolizou o tempo não contado​, gritavam: "Seis, seis, 23, já cá estamos outra vez!"

Alguns carros acompanhavam e buzinavam à passagem pela rotunda. Os professores ganhavam força e gritavam: "Não paramos" e "A escola na rua! Costa, a culpa é tua". Na frente da marcha, exibiam uma faixa da Missão Escola Pública, um grupo independente de professores que organizou este protesto. "Pela educação! Os professores constroem pontes!"

Professora há 22 anos, Amélia está congelada no quarto escalão da carreira, do qual diz não conseguir sair por causa "das quotas e do tempo que não devolveram". "Já perdi a conta há quantos anos estou no mesmo escalão", lamenta, com semblante de tristeza. "É preciso que quem governa o país perceba que, se se destrói a educação, não há futuro. Somos nós que formamos a nação."

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Como tantos professores, sente-se desrespeitada por quem governa e não lhes devolve os tão reclamados seis anos, seis meses e 23 dias de tempo trabalhado e não contabilizado. Se o tempo não for contado, uma coisa é certa para Amélia: "Se não nos derem os seis anos, os seis meses e os 23 dias, vou estar na rua até ficar velha."

Antes de começar a subir a pé, em direcção à zona das chegadas do aeroporto de Lisboa, os professores fizeram um cordão do lado de dentro da rotunda. Rui Foles, um dos dinamizadores da Missão Escola Pública, projectava que a manifestação pudesse envolver cerca de duas mil pessoas entre os vários aeroportos.

Também Rui tinha uma mala de cartão consigo para "dizer que vamos embora do país". Tal como outros professores, tinha "postais escritos em várias línguas para entregar aos turistas" e aviões de papel com recados sobre aquilo que entendem "ser uma profunda injustiça". Está convicto que o ministro da Educação os ouviu com mais esta iniciativa, mas acredita que o problema maior será a falta de vontade do primeiro-ministro em contabilizar o tempo congelado aos professores.

Durante a marcha, algumas pessoas foram apanhadas pela manifestação e tiveram de subir a alameda das Comunidades Portuguesas a pé com as malas de viagem. "Já estamos atrasados para o voo", diziam, em passo acelerado.

"Grândola Vila Morena"

Maria João Fernandes é professora de Geografia do terceiro ciclo e secundário. Dá aulas há quase 34 anos. Levava nas costas um avião de papel gigante. Todo ele com mensagens. "Uma escola pública de conhecimentos, rigor e humanidade! Resistir", lia-se numa das laterais.

"É uma forma de marcar uma posição, de tentar cansar o outro lado. Foi o que nos fizeram", dizia, sem disfarçar o cansaço e desalento de quem espera há muito pela recuperação do tempo perdido. Mas também a esperança de que ainda possa haver uma solução. "Tenho de ter essa esperança", afirmava, salientando que é uma questão de "justiça". "Não é recuperar. Foi um roubo de tempo de serviço."

É difícil ser professor? "É uma pergunta difícil. A sala de aula é a minha profissão e cada vez vale menos. Estou aqui pela possibilidade de ter alunos à frente e de eles aprenderem. É isso que me move", afirmava, assumindo uma "profunda tristeza pela desvalorização da carreira" e do que tem feito pelos alunos. Faz questão de explicar aos alunos o que se passa. E lamenta a falta de condições que enfrentam no trabalho, como a falta de computadores ou de rede de Internet.

Fátima Pereira, professora há 25 anos, dá aulas a alunos do terceiro ciclo na escola de Sacavém, traz pendurado ao peito um cartaz que fez com a ajuda das filhas. "Education leads to democracy. Save our schools!" Diz que é a consciência que a trouxe até aqui, "apesar dos falhanços" das negociações. "Acho que ainda temos de continuar a luta", apesar do descrédito que sente desde que a primeira ronda de negociações.

O recado que traz, afirma, "é para os dois Costas", numa alusão ao ministro da Educação, João Costa, e ao primeiro-ministro, António Costa. "Pedimos este tempo porque descontamos para tudo durante esse período. O mínimo que as pessoas têm de fazer é reconhecer. Trabalhamos por inteiro", afirma Fátima Pereira.

À medida que se aproximavam da rotunda das chegadas no aeroporto, ouvia-se Grândola Vila Morena.

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​A "maior lição de cidadania"

No palco, montado junto à estação do metro do aeroporto de Lisboa, Mercedes Pescada, da Missão Escola Pública, leu uma mensagem. Referindo que os professores "estão a dar a maior lição de cidadania das suas vidas", a mensagem deixa recados ao Governo e ao Presidente da República. "Chegados aqui, sentimos que não há caminho possível enquanto não nos devolverem, antes de mais, os seis anos, seis meses e 23 dias em que trabalhámos. Que se faça através de faseamentos, por redução de contagem necessária à reforma, que encontrem uma fórmula. Mas que o devolvam integralmente a todos quantos os trabalharam. Só assim se evitarão injustiças", ouviu-se.

Acompanhado por palmas e apitos, o discurso continuou. "Não aceitaremos a correcção de erros com a criação de erros maiores", defenderam os professores, deixando um recado ao ministro da Educação. "O senhor não merece os professores que tutela. Quem não trata com respeito os profissionais do seu ministério não está à altura de ser seu ministro." O primeiro-ministro também foi alvo da mensagem: "Uma maioria absoluta não é o equivalente a uma ditadura." Pediram ainda ao Presidente da República que olhe para eles.

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No final, afirmaram que se recusam a partir do país e deixaram o aviso: "Se persistirem em fingir que não nos ouvem, seguiremos rumo ao último reduto da democracia, em Belém."

A convite do movimento, os professores Paulo Guinote e Ricardo Silva também discursaram, assim como um encarregado de educação e uma aluna. Foi lida ainda uma mensagem de um assistente operacional. Apesar do convite, não compareceram estruturas sindicais.

O autor do blogue O Meu Quintal, Paulo Guinote, lamentou que "do outro lado não exista quem esteja de forma séria a querer dialogar" com os professores. "Temos de nos manter unidos e pensar que a luta de um é de todos", afirmou, acrescentando que os professores têm de "exigir respeito" e, "fundamentalmente, de ter orgulho em ser professor".

Também o professor Ricardo Silva falou da necessidade de "sinergia de esforços" e de dar voz a uma "luta justíssima". "É uma luta, acima de tudo, pelo respeito e dignificação de uma profissão tão importante e relevante como é a nossa", disse, acrescentando que têm feito "milagres na escola". "Nós não vamos mesmo parar e não vamos mesmo desistir."

As palavras foram o mote para mais um coro de "não paramos, não paramos" entoado pelos manifestantes. Segundo fonte da PSP estiveram na manifestação cerca de 220 professores e cerca de 30 operacionais da PSP.

“Assalto aos Aeroportos”

A iniciativa “Assalto aos Aeroportos” é promovida pelo grupo independente Missão Escola Pública, constituído por um grupo de 13 professores da Grande Lisboa e que não tem ligação a sindicatos. Esta é a segunda iniciativa que desenvolvem, depois de em Março terem organizado marchas lentas em algumas pontes do país.

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Em Lisboa, o ponto de encontro do “Assalto aos Aeroportos” era a Rotunda do Relógio. Daqui que os professores seguem, a pé, rumo à zona das chegadas do aeroporto para mostrar aos turistas que a escola pública em Portugal precisa de investimento. Estão marcadas concentrações também nos aeroportos do Porto, de Faro e de Beja e o movimento espera ainda o apoio de colegas em Macau e Moçambique à mesma hora. E a hora essencial são as 18h30, numa alusão aos seis anos, seis meses e 23 dias de tempo de serviço não contabilizado e que os docentes querem ver reflectido nas carreiras.

Há longos meses que decorrem negociações entre os sindicatos e o ministério liderado por João Costa — a última reunião realizou-se na quinta-feira passada —, sem que se vislumbre um acordo. Depois de várias manifestações que encheram as ruas de Lisboa e Porto com professores, e de diversos períodos de greve, o terceiro e último período do ano lectivo tem novas paralisações agendadas. Desde 17 de Abril até 12 de Maio decorrem greves distritais, marcadas pela plataforma sindical que junta nove sindicatos, e o Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (Stop) convocou quatro dias de greve, para o período de 24 a 28 de Abril.

Para o dia 6 de Junho, que de forma gráfica se traduz por um 6/06/23, está prevista uma greve nacional de professores e duas manifestações, uma no Porto e outra em Lisboa. A Fenprof juntou nessa data um desafio ao ministro da Educação, o de assinar um acordo para a recuperação do tempo não contabilizado de forma faseada até ao final da legislatura. Mas até que a recuperação não aconteça, até que os professores sintam que a escola pública e as suas carreiras não estão a ser devidamente valorizadas, o descontentamento deverá continuar a ver-se na rua.

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