PS rejeita que confirmação da eutanásia pelo Parlamento agrave tensão com Marcelo

Nova votação do texto deverá acontecer em meados de Maio. Socialistas alegam que o nível de debate e participação da morte medicamente assistida não tem paralelo.

Foto
"O Parlamento legislou, o TC fiscalizou, o PR escrutinou", lembrou o líder parlamentar do PS Daniel Rocha

No longo processo legislativo da eutanásia, "da Assembleia da República houve uma absoluta boa-fé, calma e olhos postos nos doentes", e agora, ao segundo veto político do Presidente da República, "é o momento de respeitar a vontade" do Parlamento. É assim que os socialistas defendem a sua decisão de confirmar o texto da legalização da morte medicamente assistida, contrariando o Presidente de República.

Essa confirmação deverá ser feita em meados de Maio: a mensagem do veto de Marcelo Rebelo de Sousa é lida em plenário nesta quinta-feira e a reapreciação do decreto só pode ser feita, no mínimo, 15 dias depois. Atendendo a estes prazos mínimos, o assunto poderá voltar ao plenário na segunda semana de Maio, mas esse agendamento será feito na conferência de líderes da próxima semana. A Constituição prevê que o Parlamento possa confirmar um diploma que tenha sido objecto de um veto político pelo Presidente desde que a nova votação seja por maioria absoluta dos deputados em funções, ou seja, 116 votos a favor.

Questionado sobre se este passo do Parlamento acentua a tensão existente entre o PS e o chefe de Estado, Eurico Brilhante Dias rejeita. "Não, de todo, é a mais sintomática realidade de que estamos a falar do regular funcionamento das instituições." O líder parlamentar socialista defende que em todo este processo houve uma "estreita parceria e cooperação institucional, cada órgão com as suas competências", que a Assembleia ouviu "sempre o Presidente" e agora "decide no quadro que o Presidente determinou".

"Isto não é um conflito", fez também questão de sublinhar a deputada Isabel Moreira, acrescentando: "É aquilo que resulta da Constituição, que faz uma ponderação entre as várias legitimidades. (...) O Presidente até tem o conforto de dizer que não concorda, mas promulga porque essa foi a vontade do Parlamento", sugeriu.

Marcelo fez o seu "veto político e remeteu-o ao Parlamento para este tomar a sua decisão. E o Parlamento vai tomar", defendeu Brilhante Dias perante os jornalistas no final da reunião da bancada parlamentar. Realçou ainda que foram "ultrapassadas todas as dúvidas de natureza constitucional" que existiam. "É tempo de dar por encerrado um debate maduro, valorizando a maioria parlamentar que vai para além do PS."

Processo sem "paralelo na história parlamentar"

A deputada Isabel Moreira também argumentou com o que estipula a Constituição – e que Marcelo já admitiu na quarta-feira. "Foi a Constituição, que tanto nós como o Presidente respeitamos, que disse: o Parlamento, que aprovou por ampla maioria, diz 'quero esta lei tal como ela está', e o Presidente nesse caso deve promulgar. É a Constituição que temos; é o Estado de direito a funcionar."

A deputada socialista e também constitucionalista insistiu que "o Presidente pode discordar politicamente e a Constituição prevê que o Parlamento tem legitimidade democrática, que é o órgão legislativo, [para confirmar a sua versão]". Isabel Moreira alegou que o processo legislativo da legalização da eutanásia, que começou em 2016, "não tem paralelo na história parlamentar" pela sua complexidade, tendo em conta o tempo que demorou (atravessou três legislaturas), as audições, os textos aprovados, os dois pedidos de fiscalização ao TC e os chumbos com "acórdãos bastante complexos", os dois vetos, as quatro versões aprovadas.

"Do Parlamento foi visível a absoluta boa-fé, calma e paciência, sobretudo de olhos postos nos doentes de hoje e nos de amanhã", enfatizou Isabel Moreira. Que deixou algumas críticas a Marcelo. "Parece-nos claríssimo que o Presidente sabe que não há qualquer problema de constitucionalidade e optou por um veto político com um conteúdo bastante atípico porque faz recomendações legislativas, quando o órgão legislativo é o Parlamento..."

Acerca dos problemas apontados por Marcelo – pedindo uma justificação para a subsidiariedade da eutanásia face ao suicídio assistido e uma clarificação de quem atesta que o doente está fisicamente impossibilitado de auto-administrar os fármacos e quem é que ajuda ao suicídio –, a deputada que redigiu o texto final defendeu que "o legislador não tem de se transformar num hiper-regulamentador" até "à última vírgula".

Clarificar na lei os critérios da incapacidade física do doente para cometer suicídio "seria uma espécie de atestado de menoridade a todas as leis que envolvem actos médicos", disse. "A 'incapacidade física para auto-administrar' é tão auto-explicativa e determinada", continuou Isabel Moreira, acrescentando que quem deve atestá-la é o médico orientador escolhido pelo doente no início do processo e que não vale a pena colocar isso na lei. "As leis são aplicadas, correm bem, e os profissionais de saúde entendem o que está lá escrito", remata.

Notícia actualizada com declarações da Isabel Moreira

Sugerir correcção
Comentar