Cientista em Espanha obrigada a renunciar contrato polémico com universidade saudita

A japonesa Ai Koyanagi era uma das investigadoras em instituições espanholas que declaravam que a sua actividade principal é na Arábia Saudita – quando não era o caso.

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Associação de cientistas a unviersidades sauditas terá como intuito aumentar a posição nos rankings das universidades Matilde Fieschi

A psiquiatra japonesa Ai Koyanagi é co-directora de um grupo de investigação em envelhecimento e saúde mental do Instituto Catalão de Investigação e Estudos Avançados (ICREA, na sigla em espanhol). Ainda assim, em 2022, mudou o estatuto para passar a ser considerada, em primeiro lugar, como investigadora da Universidade Rei Saud bin Abdulaziz (Arábia Saudita) no ranking de Xangai – que classifica anualmente as melhores universidades em todo o mundo. Agora, o ICREA obrigou Ai Koyanagi a renunciar ao contrato que a psiquiatra tem com a universidade árabe, de acordo com o jornal El País.

Ai Koyanagi é uma das investigadoras hiperprolíficas que o jornal espanhol tem investigado, depois de ter noticiado a suspensão por 13 anos do químico Rafael Luque (que publicava um estudo a cada 37 horas). A psiquiatra japonesa radicada em Barcelona publicou, em 2022, 115 artigos científicos – o equivalente a um trabalho a cada três dias.

De acordo com Emilià Pola, director-executivo do ICREA, a investigadora japonesa tinha pedido autorização para assinar um acordo ao seu grupo de investigação. No entanto o ICREA não aceita este tipo de contratos. “Ontem [esta segunda-feira], a investigadora renunciou ao seu contrato com a Universidade Rei Saud bin Abdulaziz”, disse ao El País.

Os contratos com universidades sauditas por parte de investigadores que estão a tempo inteiro em centros de investigação espanhóis serão comuns, de acordo com o jornal espanhol que identificou cerca de uma dezena de cientistas com esta prática: ter como instituição principal uma universidade saudita, apesar de estarem integrados em primeira instância numa unidade espanhola.

O Ministério da Ciência espanhola, em declarações ao El País, afirma que caso exista “alguma irregularidade”, devem ser apuradas responsabilidades. “Estes rankings têm um histórico de críticas à sua validade pelo tipo de indicadores e, por isso, não devem ser considerados como referências isoladas para qualificar a excelência das universidades”, acrescentou um porta-voz do ministério.

Já esta quinta-feira, o El País adiantou o nome de um dos investigadores que serviria de intermediário entre cientistas radicados em Espanha e a Universidade Rei Saud bin Abdulaziz (Arábia Saudita). O matemático Juan Luis García Guirao receberia comissões ao conseguir que os investigadores de instituições espanholas colaborassem com a universidade saudita e com a obrigação de colocarem esta universidade como instituição principal na base de dados Highly Cited Researchers (uma lista dos investigadores mais citados no mundo, com impacto nos rankings universitários), gerida pela empresa de análise e disponibilização de dados Clarivate Analytics.

As acusações de ser intermediário são, inclusivamente, respaldadas pelas declarações de Mario Estévez, investigador da Universidade da Estremadura (Espanha), que conta ao El País ter recebido uma chamada telefónica de Juan Luis García Guirao em 2020 – oferta que rejeitou por implicar “ser professor sem ser professor, sem aulas nem colaborações científicas reais”, diz ao jornal espanhol.

“Os autores hiperprolíficos emergiram nos últimos 20 anos e, provavelmente, têm-se tornado mais comuns recentemente. É uma tempestade perfeita: as agências financiadoras e as instituições procuram mais produtividade. As revistas científicas e editoras fazem mais dinheiro ao publicar mais artigos científicos – é um mercado de 30 mil milhões de dólares anuais, com uma grande margem de lucro. Muitos países e instituições sem tradição na investigação têm dificuldade em ter visibilidade na arena científica. O valor de ser autor tem-se degradado – cada vez mais autores são adicionados a cada estudo. E a combinação destes factores cria uma tempestade perfeita”, descrevia John Ioannidis, investigador em epidemiologia e estatística da Universidade de Stanford (Estados Unidos), em resposta ao PÚBLICO na última semana.

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