Vamos todos ser sustentáveis? #sóquenão

Enquanto formos enganados, manipulados, condicionados, não há lugar a sustentabilidade alguma porque nos baseamos num princípio insustentável: a mentira.

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"As marcas estão a produzir mais do que aquilo que vendem. Para onde vão as sobras?" Etienne Girardet/Unsplash

Isto da sustentabilidade está a tornar-se um jargão (quase) vazio de sentido. Uma palavra usada porque fica bem, rende gostos, cliques e comentários, cativa a atenção do consumidor. Enquanto formos enganados, manipulados, condicionados, não há lugar a sustentabilidade alguma porque nos baseamos num princípio insustentável: a mentira.

A sustentabilidade insustentável

Há aqueles para quem a sustentabilidade é algo novo e tendência, os para quem se tornou um estilo de vida e os que a adoptaram quase como uma religião.

Pensemos nos primeiros, que usam a palavra porque pensam que é sustentável deitar ao lixo todos os objectos ou acessórios de plástico, substituindo-os por outros, de metal, vidro ou bambu. Mais giros e trendy. Comecemos por aí porque sustentável é usar até o objecto não ter condições para continuar a ser usado, até à sua total degradação ou inutilização. Isso é sustentável. E também se aplica à roupa.

O que não é sustentável é continuar a comprar porque nos dizem que “aquilo é fixe, a próxima grande cena que precisas comprar e, já agora, é sustentável”. Também não é sustentável aceitar que nos criem necessidades que, na realidade, não temos, comprando mais um produto que nada vai acrescentar ao nosso dia mas que nos disseram que iria mudar a nossa vida.

A nossa vida muda quando percebermos que o nosso bem-estar começa em nós e que tudo o que nos é exterior pode, apenas, contribuir para esse bem-estar. Jamais vai garantir esse bem-estar. Nessa ânsia, compramos mais porque estamos eternamente insatisfeitos e, enquanto não nos satisfizermos, continuamos a comprar. Aplica-se a tudo, até à roupa, que compramos por deleite ou prazer.

O problema da sustentabilidade é comprar?

Acredito que o maior problema é produzir, a forma como se produz e a forma como se comercializa, com o produto envolto num processo de sedução requintado e, por vezes, sub-reptício, que nos faz ceder a esse tão grande prazer de passar o cartão e chegar a casa com coisas novas.

As marcas estão a produzir mais do que aquilo que vendem. Para onde vão as sobras? Em artigos anteriores falei sobre o excesso de produção, as condições de produção e o que acontece à roupa que descartamos. Ainda não falei sobre o que acontece no nosso corpo em relação à roupa que compramos, o poder que os tecidos que colocamos sobre o corpo têm sobre nós, o seu impacto e influência na nossa saúde.

Também ainda não entrei a fundo nos detalhes desta cultura de consumo e da sociedade consumista que alimenta o capitalismo moderno. A monopolização do nosso comportamento de consumo por parte das multinacionais do mundo da moda e da beleza, desta indústria multimilionária que nos transforma a vida e que transforma vidas, como contribui para definir quem somos e nos apresentamos ao mundo. A superficialidade associada à moda tem apenas de superficial o facto do que, o que vestimos fica, efectivamente, à superfície, dando corpo ao invisível, por vezes indizível: a pessoa que somos, queremos ser e como desejamos que os outros vejam.

O problema não é comprar porque é (quase) impossível viver sem efectuar algum tipo de troca, mesmo que não envolva dinheiro. O problema é o que compramos e a quantidade de produtos que compramos, a multiplicação das calças de ganga e das T-shirts, camisas e camisolas ou dos pijamas. Cabe sempre mais um na gaveta, como se precisássemos substituir o que já temos por algo novo quando, na verdade, não precisamos. Esse é o problema. A publicidade é intrusiva, invasiva e agressiva. Está em todo o lado e mascarada de conteúdo editorial. A responsabilidade é nossa? Cabe-nos saber distinguir entre conteúdo que foi criado para nos informar, educar ou distrair e o que nos foi criado para nos manipular? Qual a diferença entre informação e sedução?

Há uns anos escrevi um capítulo de um livro que resultava de uma investigação conjunta sobre a rádio, televisão e revistas femininas. Descobrimos que, mesmo que o consumidor não compre, é altamente influenciado pelo product placement nas séries de televisão. Contabilizámos os produtos nos editoriais de moda, beleza, lifestyle, decoração e cultura para perceber que parte dos produtos apresentados eram de anunciantes desse número da revista.

Também olhámos para aparentes reportagens sobre as vantagens de um programa de emagrecimento que, veja-se, era um dos maiores anunciantes daquela revista. Na rádio a coisa acontece de forma mais óbvia e directa mas, ainda assim, há entrevistas que têm outros objectivos além de informar… Esta promiscuidade é nossa responsabilidade? Se investigadores sociais precisam fazer análises que incluem contabilizações e semiótica, estará o consumidor preparado para lidar com este tipo de conteúdo e influência? Não.

Por isso, o problema não é comprar, é o que compramos e como compramos. Sobretudo, porque compramos, o que nos leva da aspiração à acção. O problema também não é querermos evitar o plástico ou o descarte a todo o custo, circularmos de carro ou comprarmos uma garrafa de água na bomba de gasolina porque estamos sedentos. O problema, afinal, são dois: a pressão de que somos alvo para consumir e a forma despreocupada e inconsciente como o continuamos a fazer, acumulando e descartando.

As fibras que usamos

A associação que fazemos entre a moda e uma certa futilidade não faz sentido. Considerar que “perder tempo” a pensar na roupa é superficial denota uma certa ignorância sobre o tema e o impacto que a roupa tem em nós.

A pele é o maior órgão do ser humano e o único que está em contacto directo — e permanente — com a roupa que usamos. O tecido tem, portanto, contacto directo com o nosso organismo através da pele. Também sabemos que a pele defende e colabora para o bom funcionamento do nosso organismo, mantendo o equilíbrio dos líquidos e controlando a temperatura do corpo.

Dinâmica e sensível, a pele é afectada pelos químicos usados nos tecidos e pela composição dos próprios tecidos. Os sintéticos, cada vez mais comuns, podem afectar diferentes órgãos através da pele, nomeadamente o sistema nervoso. Uma vez que a pele é responsável pela manutenção da temperatura do corpo, é importante que o tecido que usamos por cima da pele permita que esta respire.

Que tecidos e que composição? Preferencialmente, fibras naturais como o algodão, linho, lã ou seda. Duram mais, são mais flexíveis, resistentes e respiráveis. As fibras sintéticas, obtidas a partir do petróleo ou carvão mineral, são o elastano, poliamida e poliéster. Depois temos as fibras que são manipuladas pelo homem, obtidas através da celulose e resultam em viscose, modal, lyocel e acetato.

Muito comuns, actualmente, são as misturas, por exemplo, algodão e poliéster, resultado num tecido que reúne o melhor de dois mundos: leve e fresco como o algodão e versátil e duradouro como o poliéster. Seca mais depressa e amachuca menos, facilitando o processo de engomar. Contudo, peles sensíveis podem sofrer com a proximidade aos sintéticos porque todas as fibras, mesmo as naturais, têm uma vibração associada que é transmitida para o nosso corpo.

O campo eletromagnético também se aplica aos tecidos cuja frequência nos pode influenciar. Fibras sintéticas são prejudiciais ao organismo humano. Fibras naturais podem influenciar o processo de recuperação e cura (não é por acaso que os hospitais usavam lençóis de linho). É por isso que se recomenda dormir em lençóis de linho ou algodão, cujas frequências permitem um sono reparador.

São resistentes aos fungos e bactérias, ajudando ainda a regular a temperatura do corpo. As baixas frequências das fibras sintéticas podem contribuir para afectar negativamente o nosso sistema imunitário, não permitem a regulação da temperatura (a pele não respira) e, como se não bastasse, já todos experimentámos cheiro que resulta da utilização de camisolas em fibra: é mau.

Como somos enganados

Somos enganados de múltiplas formas, começando pelas técnicas de comunicação e acabando no tecido da roupa que compramos. Existem vários sucedâneos das fibras sintéticas e a maior parte das peças de roupa mistura fibras naturais e sintéticas para criar melhores tecidos pelo que acabamos sem saber o que comprar. E compramos. O produto final é bonito e quase sempre tem bom preço que é o mesmo que dizer que é Bom, Bonito e Barato.

Sobretudo barato porque conjugar qualidade e baixo preço é arriscar a obter apenas o último, abdicando da qualidade. Por vezes, o contrário: as marcas mais caras produzem nos mesmos sítios e usam as mesmas fibras, recorrendo a um design diferente que as posiciona como marcas de maior qualidade quando, na verdade, são iguais às outras. Depois o marketing e a publicidade posiciona o que é igual como diferenciador e faz-nos crer que estamos a subir um degrau da escada social porque podemos pagar. Tudo errado.

Se a este processo juntarmos a greenwashing(zação) das marcas, tornando tudo o que não o é em produtos sustentáveis, iniciativas circulares ou propostas de descarbonização, temos um problema. Ou vários.

Quando a Zara, gigante da fast fashion, afirma não se posicionar como fast fashion, temos um grande problema porque uma mentira contada muitas vezes torna-se verdade. A frase é de Joseph Goebbels, político e ministro da propaganda que promoveu Adolf Hitler e a ideologia nazi. Os resultados são conhecidos e, no marketing, a mentira não tem lugar mas a omissão dos factos é muito comum.

Conta-se o lado mais bonito da história e mostra-se o que queremos que o consumidor veja, num processo de sedução que tem por objetivo último a fidelização e, se tudo correr bem, a paixão. Um cliente apaixonado dificilmente escuta outra voz que não a da marca pela qual se apaixonou. Na web, os algoritmos fazem o resto, envolvendo-o numa bolha de amor da qual não consegue sair mesmo querendo. Tudo é sobre a marca e as suas relações e tudo se resume ao que a marca representa e transmite. Fazemos parte. Ficamos felizes.

Todos queremos ser parte e fazer parte de algo e as marcas aproveitam-se disso, dando-nos a ideia de que, através da marca (sua utilização), integramos um determinado grupo social. Quanto mais exclusivo, maior a nossa apetência para fazer parte e maior o desejo para o integrar. A marca passa a ser um símbolo social que usamos com orgulho — porque nos identifica e torna identificáveis — enquanto fazemos publicidade gratuita a cada uma dessas marcas.

Não é por acaso que o quiet luxury tem um peso tão grande na indústria da moda porque, como se diz, “quem sabe, sabe” ou seja, quem sabe, reconhece uma T-shirt Brunello Cucinelli ou um casaco Max Mara, mesmo sem qualquer identificação. Depois há o resto, exactamente igual mas em tudo diferente, assente nesta lógica de logótipos que se passeiam pela rua em busca de outro logótipo igual, com propostas que se repetem à exaustão, até acreditarmos que é mesmo daquilo que gostamos e, pior, precisamos. Novamente, #sóquenão.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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